A mulher mais bonita da terra hoje é a ‘anja’ mais linda do céu.” A frase escrita nas costas das camisetas de familiares da transexual Mélani Danielly Aguiar Maia, nessa quinta-feira, 8, no Fórum de Santa Cruz do Sul, era uma homenagem a ela, vítima em um dos casos policiais mais singulares registrados na história do município. O corpo de jurados formado por quatro homens e três mulheres condenou a “bombadeira” Marcella de Sales, de 40 anos.
Ela foi sentenciada a sete anos de reclusão em regime semiaberto, podendo recorrer em liberdade. O conselho de sentença analisou as circunstâncias do homicídio de Mélani, de 20 anos, em agosto de 2020. O caso gerou repercussão, pois a morte ocorreu após aplicação de silicone industrial nas nádegas e quadril da vítima. Segundo investigações, Marcella era “bombadeira” – pessoa que, clandestinamente, aplica silicone industrial.
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A sessão dessa quinta-feira, 8, foi presidida pela juíza Márcia Inês Doebber Wrasse. O Ministério Público (MP) foi representado pelo promotor Gustavo Burgos de Oliveira. O defensor público Arnaldo França Quaresma Júnior fez a defesa de Marcella. Segundo apuração da Polícia Civil e denúncia do MP, no dia 27 de agosto de 2020, às 19h30, Marcella foi até uma casa na Rua Cachoeira, Bairro Castelo Branco. No local, a ré, que é de Caxias do Sul e não tem formação, realizou a aplicação de silicone industrial em Mélani, de forma clandestina, em lugar impróprio.
Desse modo teria causado o chamado dolo eventual, ao assumir o risco de produzir a morte da transexual. Logo após o procedimento, a vítima começou a sentir-se mal e teve de ser socorrida e encaminhada ao Hospital Santa Cruz (HSC). Mélani ficou em coma, vindo a falecer no dia 31 de agosto de 2020, às 19h20. A causa da morte foi “síndrome séptica secundária a injeção de silicone industrial” – disfunção em múltiplos órgãos do corpo em reação ao produto, que não é destinado para tratamentos estéticos.
A vítima, que tinha vindo de Santa Maria até Santa Cruz, pagou R$ 2 mil para se submeter ao procedimento ilegal. O silicone que causou a morte de Mélani é usado na indústria mecânica, na limpeza de peças de motores, ou como vedação de pisos e azulejos. O emprego estético desse tipo de produto é proibido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A autora, que tem oito litros de silicone industrial em seu corpo, realizava procedimentos do tipo há quatro anos.
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“A vida da minha filha não vai voltar mais, mesmo com essa condenação”
Moradores do Bairro Santa Marta, em Santa Maria, os familiares de Mélani ocuparam os bancos da frente no plenário e assistiram a todo o júri, que se iniciou por volta de 13h15 e terminou às 17h40, com a leitura da sentença pela juíza Márcia Inês Doebber Wrasse. A Gazeta do Sul conversou com os parentes da vítima, que relataram alívio com a condenação, apesar de não esconderem a dor pela perda de Mélani.
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“A vida da minha filha não vai voltar mais, mesmo com essa condenação. O que fica é a saudade, que cada vez aumenta mais”, disse a mãe Sandra Escobar, de 45 anos. “Ela era brincalhona, adorava festa e tinha um sorriso lindo, era a coisa mais bonita”, complementou a mulher, que não conseguia segurar o choro ao lembrar da filha.
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Ela estava acompanhada da irmã de Mélani, Lidiane Aguiar, de 27 anos; e do avô e da avó da vítima, Manoel de Souza Aguiar, de 77 anos, e Loreni Aguiar, 65. O tio de Mélani, Cristian Rodrigues, de 38 anos, também estave no júri. Ele teve grande importância no desfecho do caso, pois uma ação sua ajudou a polícia a chegar até a autora do homicídio.
“Ficamos aqui durante a internação da Mélani no hospital, depois fomos para Santa Maria e levamos as coisas dela. Mas não tinha como saber quem tinha aplicado o silicone. Chegamos a acessar o celular, mas tinha muita conversa apagada. Foi quando resolvi trazer até a polícia daqui”, contou Rodrigues.
Com técnicas de investigação, a Polícia Civil conseguiu identificar indícios que apontavam para Marcella Sales, que foi a autora confessa do crime e terminou condenada no julgamento dessa quinta-feira.
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