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RESENHA

Para apreciar o bom e o belo

Foto: Alencar da Rosa

A escritora Marli Silveira (da Academia Rio-grandense de Letras), cujo novo livro merece a apreciação da professora Ana Fonseca

Ana Fonseca, escritora e professora de Filosofia na UFCSPA
Especial para a Gazeta do Sul

Durante algumas semanas, entre dezembro do ano passado e março deste ano, ocorreu no Farol Santander Porto Alegre uma exposição interativa baseada na história de Alice: “Reflexos [In] Versos no País das Maravilhas”. Há décadas, crianças de todas as idades, e eu mesma, se encantam com história de Lewis Carroll. Por coincidência, levei meu filho à exposição pouco depois de ter terminado a primeira leitura do último livro de Marli Silveira, Psicagogia da experiência estética: o sublime existencial (República do Livro/Discurso Editorial, 2024), no qual a filósofa retoma o ideal grego da paideia como formação para os valores da excelência (areté) a partir das ideias de belo e bom. Psicagogia significa etimologicamente “condução da alma”. A cada nova sala, a alegria da mãe que via a interação do filho com as instalações era permeada pelas reflexões provocadas em mim pela autora alguns dias antes: de que modo a estética é o instrumento por excelência para formação e condução da alma? De que modo a filosofia é uma forma de vida? De que modo a literatura é uma forma de arte que nos constitui, forja e transforma?

Segundo Martha Nussbaum, “a boa literatura é o que permite ao leitor imaginar o que é viver a vida de outra pessoa”. Boa literatura em forma de exposição de arte interativa permite a uma criança viver a vida de uma menina que corre atrás de um coelho até cair em uma toca. Como isso se constitui em um exercício de empatia? Como, ao forjar a vulnerabilidade existencial, que é, em última instância, a vulnerabilidade humana, histórias forjam a própria humanidade?

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Como escritora e professora de Filosofia, sei que o que faço com meu filho tomada por amor contribui também para sua formação estética, o que significa, de fato, sua formação enquanto indivíduo. Influenciada pelo conceito de paideia, esforço-me para que as suas experiências, no que se refere ao belo e ao bom, sejam variadas e cheias de significado. Ver aquele corpinho ainda diminuto, que não para de crescer, percorrer, com tanto entusiasmo, sala após sala e contemplar instalações tão incríveis em um prédio, por si só, absurdamente bonito, como o Farol Santander, encheu meu coração de alegria e deixou minha mente borbulhando. Não por acaso, eu estava tão impressionada com a obra de Marli Silveira.

Os seres humanos contam histórias desde sempre. Para isso, inventaram símbolos: desenhos, letras. Em certo sentido, ao escrever essa resenha também estou contando uma história, a história de como um livro de filosofia sobre estética altera a percepção da visita a uma exposição de arte com o filho.

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Segundo Marli Silveira, a experiência estética em suas diversas formas de expressão é experiência formativa que nos constitui enquanto indivíduos ao longo da vida e enquanto humanidade ao longo de milênios. Experienciamos o que nos toca, e tais experiências nos conectam a um uno que compõe a coletividade. Enquanto meu filho corria de uma sala para outra, enquanto percorria um túnel de luzes neon, jardins com flores luminosas; enquanto, pela toca do coelho, passava, sucessivas vezes, sua cabeça ávida por tudo que possa estimulá-lo – ele é uma criança que se interessa por tudo e qualquer coisa, ainda mais se for colorido e piscante –; enquanto vibrava com excessos de cor, textura e informação que provocam na intensidade da infância, ele, de algum modo, e sem qualquer noção de história, se conectava com a humanidade e com quem, um dia, virá a ser. No devir dos buracos do coelho, há uma experiência estética única, forjada entre o bom e o belo, que forja não apenas meu filho, mas todos nós como partes de uma totalidade nada homogênea chamada humanidade.

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A exposição sobre Alice já terminou há algumas semanas; então, não tenho como recomendá-la. Mas o livro de Marli Silveira foi lançado há pouco e terá lançamento em Porto Alegre dentro de alguns dias. Sua leitura sigo recomendando com entusiasmo. E se você ainda não leu Alice no País das Maravilhas ou leu há muito tempo, deixe-se afetar pelo meu próprio entusiasmo. Sente-se em uma poltrona confortável, com uma xícara de chá, uma manta sobre as pernas, pois o frio do inverno chegou mais cedo nesse ano, e leia Marli, e leia Alice. Quando terminar a leitura, pergunte-se, com a calma que a Filosofia requer, de que modo tais experiências estéticas fizeram com que você, ao mesmo tempo, seja e não mais seja a mesma pessoa de antes.

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Em breve

ENSAIO – A obra de Marli Silveira, que já compreende mais de 30 títulos, em diversos gêneros, merecerá a primeira apreciação de conjunto. É o escritor e ensaísta Eduardo Jablonski quem assumiu a tarefa de investigar de maneira ampla a sua produção poética, ensaística e narrativa. O resultado poderá ser conferido em Marli Silveira: um ser humano para o outro, a ser lançado em breve sob o selo da editora Bestiário. Desse modo, Marli, a primeira mulher da região a ser eleita para a Academia Rio-grandense de Letras, torna-se, também, tema de estudo teórico.

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