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ELENOR SCHNEIDER

A volta à terra natal

Lendo um poema de Fernando Pessoa, sob o heterônimo de Álvaro de Campos, intitulado “Notas em Tavira”, deparo-me com um momento em que ele descreve o retorno à vila de sua infância. “Tudo é velho onde fui novo”, diz um dos seus primeiros versos. E mais adiante: “Esta vila de minha infância é afinal uma cidade estrangeira.” Como sempre acreditei e confessei, os grandes textos literários nunca nos deixam indiferentes, sempre encontram uma brecha para penetrar em nossa alma e nela fazer morada. Então, resolvi navegar para meus princípios, rever as minhas origens.

Todos os espaços de minha infância eram muito pequenos – descobri isso depois –, mas imensamente grandes e suficientes quando ali dei meus primeiros passos. A escola, a igreja, a casa comercial, a alfaiataria, a ferraria, a casa materna, tudo me parecia muito grande e nesse tudo cabiam nossos projetos e nossos sonhos. A construção de uma casa nova era um acontecimento, a maioria das habitações eram heranças dos ancestrais. Abrigavam as novas gerações, mas nelas ainda sobreviviam os antepassados, com suas histórias singelas, porém irretocáveis.

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Cedo parti de casa e fui para um internato. Ali, todos os espaços eram, de fato, grandes: o refeitório, a sala de estudos, o dormitório, todos eram grandes, porque éramos muitos. E viver nesses ambientes maiores tornou-se rotina impregnada também em mim. Nas primeiras férias, quando cheguei à minha casa, concluí que realmente ela era pequena, se comparada ao novo mundo em que eu morava. Como avançava nos estudos e, portanto, no conhecimento, também minha alma ampliava seus horizontes.

Por razões sentimentais, depois da partida de nossos pais, poucas vezes retornei à aldeia onde nasci. Analisando bem, avalio que foi mesmo para preservar na memória as doces lembranças de um tempo e de um espaço venturosos. Há alguns meses, resolvi percorrer os quase esquecidos caminhos e praticamente nada mais reconheci. Eu me sentia, como Fernando Pessoa, numa cidade estrangeira.

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Vários espaços, antes vazios, searas de milho ou outras culturas, agora estavam ocupados por casas de novos moradores, que nem sei quem são. Dos amigos e conhecidos do tempo pregresso pouco tenho notícias. As escassas árvores, que eram nossas referências, sumiram. O temido morro, onde os caminhões patinavam no barro, me pareceu aplainado. Quase não reconheci nem mesmo a minha casa materna, meio oculta atrás de arbustos antes inexistentes. Sou forasteiro, turista no chão que antes me pertencia.

Há pessoas que, mesmo distantes ou ausentes, regressam com muita frequência a esses antigos recantos. Têm alta estima por preservar os sólidos pilares erigidos e deixados por seus ancestrais. Cada árvore, cada tijolo, as peças do casarão – a cozinha, a sala, os quartos – tudo se reveste de vida sempre em renovação. Se, por um lado, a preservação é onerosa, por outro, o carinho silencioso com que os espaços respondem e retribuem não tem preço.

Somos projetados para voar, buscar os nossos próprios objetivos, realizar os nossos projetos, o que quase sempre significa partir, às vezes para perto, às vezes para longe. Mesmo assim, deixando o mágico espaço da infância para trás, este jamais nos abandona, sobrevivendo no mundo íntimo dos nossos melhores afetos. Voltar à terra natal é, na verdade, um desafiante retorno a nós mesmos.

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