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200 ANOS DA IMIGRAÇÃO

FOTOS: o legado de imagens do pastor Eberhardt

Outra foto da área central de Santa Cruz, com a Catedral São João Batista elevando-se na cidade em crescimento

Preciosidade. Nenhuma palavra é mais a propósito para definir o conteúdo de uma caixa que foi enviada a partir de Paderborn, cidade de 150 mil habitantes do estado de Renânia do Norte-Vestfália, na Alemanha, aos cuidados do Museu do Colégio Mauá, em Santa Cruz do Sul, e que chegou ao destino em fevereiro de 2023. No pacote, fotografias e lembranças que o pastor Armin Eugen Eberhardt (1911-1972) guardara, de seu tempo de atuação profissional no Rio Grande do Sul, entre 1935 e 1954.

Em especial, os materiais remetiam ao período em que trabalhara em Santa Cruz, Monte Alverne e Rio Pardinho. Foi com emoção que a coordenadora do museu, Maria Luiza Schuster, e o diretor do Colégio Mauá, Nestor Raschen, manusearam esse material. As fotos de autoria de Eberhardt, ou que reunira, conformam um acervo único a aproximar a Santa Cruz de hoje daquela que ensaiava seu desenvolvimento no século 20. A Gazeta do Sul foi conferir esse conjunto, e compartilha algumas das imagens com os leitores, com exclusividade, numa viagem ao passado.

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O pastor Armin Eugen Eberhardt trabalhou na região entre 1935 e 1954

O passado em forma de presente que veio da Alemanha

O pastor Armin Eugen Eberhardt veio atuar no extremo sul do Brasil em um dos períodos mais sensíveis ou delicados da história: na véspera e em plena ocorrência da Segunda Guerra Mundial. Essa circunstância viria a interferir profundamente em sua própria trajetória como líder espiritual, a ponto de implicar em seu afastamento momentâneo das funções e até em sua prisão, em Porto Alegre, sendo visto pelo sistema repressor do Estado Novo, de Getúlio Vargas, como um suspeito ou inimigo.

Eberhardt nascera em Menteroda, na Turíngia, em 26 de outubro de 1911, filho mais novo, e o único menino, do casal Armin Eberhardt e Clara, ela nascida Müller. Cresceu na terra natal, mas em 1917 a família se mudou para Rehestädt. No novo lar, estabeleceu profunda relação com a natureza circundante em passeios. Em 1926, os pais e a irmã Helene se mudaram para Dörrberg, e em 1928 para Liebenstein (a irmã Irene morava em Armstadt).

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Como queria se tornar pastor, ingressou no seminário protestante de Ilsenburg, onde ficou até 1934. Fez o treinamento prático em Bünde, onde conheceu sua futura esposa, Erna Spilker. Finalmente, em 1935 deixou a Alemanha rumo ao Rio Grande do Sul, assumindo como pastor na localidade de Cerro Branco, depois renomeado para Cerro Claro, no interior de São Pedro do Sul. Permaneceu ali até a sua ordenação, que ocorreu já em Rio Pardinho, interior de Santa Cruz do Sul, em 1937.

Nesse mesmo ano também se casou com Erna, que viera juntar-se a ele, e tiveram cinco filhos. Ficou em Rio Pardinho até 1942, quando, com o recrudescimento da Segunda Guerra na Europa, alemães em todo o Brasil foram declarados suspeitos ou “inimigos”. Até 1944 Armin permaneceu sob custódia, e foi levado a prisão em Porto Alegre. Após o fim da guerra, pôde assumir um pastorado na Paróquia de Monte Alverne. Mas, uma vez que sua esposa adoecera, optou por retornar para a Alemanha em 1954.

No retorno para sua terra, ele enfrentou as agruras do pós-guerra

Foi um dos netos de Armin Eberhardt, o alemão Jonas Eberhardt, estabelecido em Paderborn, na Renânia, quem no início de 2023 cumpriu um desejo do pastor e remeteu ao Museu do Colégio Mauá o acervo de fotos e lembranças da temporada em que o religioso atuara na região de Santa Cruz. Era o “repatriamento” de um conjunto de alto valor afetivo e cultural, capaz de preservar e ativar memórias entre os cidadãos santa-cruzenses. Armin Eugen Eberhardt faleceu no dia 25 de junho de 1972, em Bielefeld, na Renânia do Norte-Verstfália, onde residia.

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Quando voltara com a família para a Alemanha, em 1954, aquele país estava dividido em dois estados hostis, como frisou o neto Jonas em apontamentos que anexou às fotos enviadas ao Museu do Mauá. Ou seja, voltar à Turíngia para eles nem era possível. Recebeu uma posição próximo a suas cunhadas, que moravam em Wewelsburg, perto de Paderborn. Após a guerra, essa cidade acolheu muitos refugiados protestantes dos antigos territórios orientais alemães. Após os anos de trabalho no Brasil, a família teve de recomeçar quase do zero. Ali, buscaram subsistir, e eventualmente faziam alguma viagem mais curta.

No final de 1971, teve diagnosticado um câncer de intestino. Estava aposentado e planejava mudar-se para Bünde, na Westfália, onde fizera seu treinamento como pastor e conhecera a esposa. Morreu no ano seguinte, em Bielefeld. Os registros fotográficos que fizera durante a estada na região de Santa Cruz finalmente retornaram a essa terra em 2023, como era seu desejo.

Registros impressivos da rotina em comunidade

O conjunto de fotografias, cartões-postais e documentos diversos que o pastor Armin Eugen Eberhardt reunira em sua temporada no Sul do Brasil constitui, na atualidade, um registro valioso de uma época. Agora, incorporado ao acervo do Museu do Colégio Mauá, poderá ser apreciado em diferentes situações pelas gerações atuais, algumas delas certamente até presentes nessas fotos, e as futuras.

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A diretora do museu, Maria Luiza Rauber Schuster, enfatiza que tanto ela quanto o diretor do Colégio Mauá, o professor Nestor Raschen, ficaram emocionados ao receber e manusear esses materiais. Entre eles constam, por exemplo, conjuntos de cartões-postais de autoria de Joseph Lutzenberger, o artista que foi pai do célebre ambientalista José Lutzenberger. Uma dessas séries retrata situações vivenciadas pelos caixeiros-viajantes, tão populares no período colonial. E outra propicia olhares sobre a Porto Alegre dos primeiros anos do século 20.

Em sua temporada em Santa Cruz, primeiro em Rio Pardinho e depois em Monte Alverne, Eberhardt deixou flagrantes únicos do cotidiano das comunidades do meio rural e do ambiente urbano. Situações de festas ou confraternizações, como casamentos, cultos e desfiles de sociedades, são fixadas; em outras, os prédios das igrejas nas quais certamente trabalhou. E, claro, situações que testemunhava em seus deslocamentos, como lavadeiras ocupadas junto a rios ou arroios, carretas em deslocamento, animais e paisagens.

Da região central de Santa Cruz do Sul, sobressai um registro nítido da praça central, com o imponente prédio do Colégio São Luís e o Banco Pelotense, inaugurado em 1922. Em outro ângulo, a Catedral São João Batista magnetiza o olhar, dominando a paisagem de uma cidade que crescia.

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