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O AVESSO DA PELE

“Adoraria trabalhar esse livro com alunos do Ensino Médio”, diz professora da Unisc

Obra "O avesso da pele"' está na lista de leituras obrigatórias do vestibular da UFRGS

Obra foi alvo de polêmica em Santa Cruz do Sul

A polêmica envolvendo o livro O avesso da pele e a Escola Estadual Ernesto Alves de Oliveira gerou uma série de debates que repercutiram nacionalmente. Após pedir ao governo federal para buscar os mais de 200 exemplares que seriam distribuídos aos alunos, a  diretora da instituição, Janaína Venzon, argumentou que, apesar de o tema principal da obra ser importante – o antirracismo – , considera “difícil” utilizá-la com as turmas do primeiro ano do Ensino Médio pela linguagem contida em alguns trechos.

A manifestação evidenciada nos debates ergueu um enorme ponto de interrogação: afinal, é possível aproveitar o romance em sala de aula? Para a coordenadora do Programa de Pós-Graduação de Letras da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), Rosângela Gabriel, não restam dúvidas. “Adoraria trabalhar esse livro com alunos do Ensino Médio”, afirmou.

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Primeiro, diz que começaria pedindo a cada estudante ler e anotar “quem é você” em cada capítulo da obra. Continuaria realizando duas perguntas. Primeiro, se consideram as situações retratadas verossímeis, ou seja, se poderiam acontecer na vida real. Depois, se já viveram ou testemunharam algo semelhante. Também iria incentivá-los a procurar em jornais e sites de comunicação notícias com fatos semelhantes aos vividos pelos personagens literários. 

“Eu pediria que eles pensassem nos sentimentos e nas emoções das personagens. Será que nossos sentimentos e emoções são diferentes, a depender da cor da nossa pele? O que existe do lado avesso da pele?”, disse.

Na visão de Rosângela, para decidir a melhor forma de abordar um romance literário em sala de aula é preciso, em primeiro lugar, fazer a leitura na íntegra, não apenas fragmentos.

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Considera fundamental ter um conhecimento mínimo sobre o autor e o contexto histórico do período em que o material foi escrito. “Os livros costumam trazer palavras e expressões que são pouco usadas na linguagem oral, então é importante retomar palavras cujo significado ajuda a compreender a obra.”

Além da importância de ler a obra com antecedência, diz Rosângela, cabe ao educador preparar questionamentos para os alunos durante a conversa sobre o conteúdo. Com isso, poderá chamar a atenção para aspectos que os jovens não tenham compreendido. 

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“É fundamental ouvir os alunos e fazê-los ouvir uns aos outros, para que possam compartilhar suas impressões, suas dúvidas, o que gostaram e o que não gostaram da obra”, defendeu. 

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Professora diz que ficou chocada

Doutora em Letras, Rosângela Gabriel conhecia o trabalho de Jeferson Tenório pelo seu trabalho como colunista na Zero Hora. Leu O avesso da pele durante o feriado de Carnaval, emprestado pelo padrinho de seus filhos. “Li em dois dias”, relatou.

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Um mês depois, se deparou com a polêmica envolvendo a obra. “Fiquei chocada e decepcionada”, desabafou. Na sua opinião, os críticos não leram o livro na íntegra e talvez tenham lido apenas fragmentos. “Acho que vale a pena ler o livro, pensar profundamente nas situações vividas pelas personagens e em que medida elas se aproximam de situações vividas em nossa sociedade.”

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Rosângela é coordenadora do Programa de Pós-Graduação de Letras da Unisc | Foto: Arquivo Pessoal

Entrevista

Rosângela Gabriel
Coordenadora do Programa de Pós-Graduação de Letras da Unisc

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  • Gazeta do Sul – Por que a literatura é uma disciplina tão importante tanto no Ensino Fundamental quanto no Ensino Médio?
    Rosângela – A leitura, tanto da literatura quanto de outros gêneros textuais, amplia as capacidades cognitivas humanas (por exemplo, a memória) e é uma das ferramentas mais úteis para desenvolvermos conhecimentos. Dentre os vários conhecimentos que podemos desenvolver por meio da leitura do texto literário, eu destaco um: a empatia. A empatia nos ajuda a entender os sentimentos e as reações das outras pessoas. Quando leio um livro, posso me identificar com as personagens e simular mentalmente como eu me sentiria e agiria se estivesse no lugar delas. 
    Os seres humanos são gregários, vivem em famílias, em comunidades, em grupos. A capacidade de interpretar os sentimentos e ações das outras pessoas é fundamental para a nossa sobrevivência e para vivermos em um ambiente harmônico e saudável. Por isso, quando lemos livros de literatura com as crianças desde os primeiros anos de vida, e continuamos a ler e a conversar sobre textos literários com os adolescentes e adultos, criamos oportunidades para imaginar outros contextos, contrapor pontos de vista, pensar em profundidade! 
    Por isso, a Literatura é fundamental em todas as fases da nossa vida, da infância ao envelhecimento.
  • A senhora leu o livro? Quais os grandes atributos dele? O que, na sua visão, fez com que fosse tão premiado? E quais temas podem ser trabalhados em sala de aula?
    Considero um livro que exige bastante atenção do leitor, não é um livro de entretenimento. A personagem principal, um jovem negro que perdeu o pai, reconstitui a história familiar dos pais e avós, para tentar entender a tragédia (ou as várias tragédias?) que se abateu sobre a sua vida. Sem querer resumir a obra (que eu acho que deve ser lida na íntegra), eu diria que as várias situações vividas pelas personagens de Tenório nos ajudam a entender como funcionam as estruturas sociais que discriminam pessoas negras. 
    Ao escrever o livro, o autor adota uma perspectiva narrativa em forma de diálogo imaginado entre eu (o jovem negro) e “você”, não você leitor, mas sim você-mãe-do-jovem-negro, você-pai-do-jovem-negro, e essa forma escolhida para escrever é muito criativa e propicia diálogos muito verdadeiros. Eu entendo que essa seja uma das razões das premiações recebidas pela obra, dentre outras.  
  • Existem diversos clássicos da literatura com uma linguagem similar à presente em O avesso da pele e que são trabalhados em sala de aula há décadas. Como explorá-los em sala de aula e como abordar essas linguagens e vocabulários com os alunos?
    A linguagem das personagens nos livros literários se aproxima da linguagem que as personagens das obras teriam se existissem na realidade. Quando criamos uma personagem, pensamos em suas características, idade, gênero, tipo físico, altura, modo de vestir, escolaridade, região em que a narrativa se desenrola. A linguagem é uma característica importante da personagem. Ao trabalhar a linguagem das personagens de O avesso da pele, precisamos ter em mente o contexto: qual o grau de instrução das personagens? Em que situação elas estão falando: uma situação coloquial ou formal? A personagem está falando com a mãe, ou com um desconhecido? Todos esses elementos vão influenciar na escolha dos termos a serem usados. 
    Por exemplo, os trechos lidos no Instagram pela diretora da escola Ernesto Alves fazem parte de um capítulo em que o jovem negro reconstitui os relacionamentos amorosos anteriores à união do pai com a mãe, tentando entender por que ficaram juntos e por que ele nasceu dessa união. Um desses relacionamentos é do pai negro com uma mulher branca. Podemos perguntar aos alunos quais os preconceitos, ou seja, quais as ideias pré-concebidas que eles conhecem sobre relacionamentos entre homens negros e mulheres brancas, ou entre homens brancos e mulheres negras. Ao discutir essas ideias pré-concebidas, que circulam na sociedade, podem analisá-las criticamente e rever nossos conceitos.
  • Primeiramente, a diretora da Ernesto Alves solicitou ao governo federal que buscasse os livros. Em seguida, a CRE orientou a retirá-los da escola. Na sua opinião, trata-se de censura, como o próprio autor classificou?
    A publicação da diretora da Escola Estadual Ernesto Alves no Instagram merece um momento de reflexão. Quando eu falo ou escrevo, eu imagino um interlocutor com quem e para quem eu falo. Com quem e para quem a diretora estava falando? 
    Provavelmente, muitos alunos da escola, tanto do Ensino Fundamental quanto do Médio, seguem o perfil da diretora. Ela postou filmagens e leitura de frases com linguagem considerada inadequada para que os alunos assistissem e repetissem quantas vezes quisessem. Essa seria a melhor forma de “proteger” as crianças e adolescentes desse livro que ela considerou inadequado?
    Ou ela estaria fazendo a postagem no Instagram dirigindo-se aos pais dos alunos? Nesse caso, não seria mais adequado ler o livro, conversar com a equipe pedagógica e os professores de Literatura, para depois enviar uma mensagem aos pais? 
    Se a postagem dirigia-se ao Ministério da Educação, seria o Instagram o meio mais eficaz de se comunicar? Ou será que a mensagem tem como alvo outros interlocutores, seguidores ou eleitores? Quais seriam, de fato, as motivações que levaram a diretora a fazer a postagem no Instagram?
    Com relação à Coordenadoria, parece-me que houve precipitação na orientação a retirar o livro das bibliotecas, uma vez que a obra foi avaliada por pessoas que a leram na íntegra, discutiram e a compararam com muitas outras que concorreram tanto por ocasião do Prêmio Jabuti quanto por ocasião da seleção para o Programa Nacional do Livro Didático. Além disso, a editora Companhia das Letras possui um conselho editorial respeitadíssimo, que seleciona as obras que serão publicadas com o selo da Companhia.
    Felizmente, a Secretaria de Educação, à qual a 6ª CRE está subordinada, encaminhou orientação para manter o livro disponível nas bibliotecas das escolas estaduais, para que os alunos do Ensino Médio possam ler e conversar sobre ele sob a orientação dos professores.

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