– Faça um pedido quando entrar pela primeira vez em uma igreja.
Não sou de crer. Olho distraída o interior do templo dedicado a São Francisco e então, do nada, Nelson me vem à cabeça. Nelson, o gatinho preto portador do vírus da Felv que foi abandonado na vizinhança e que se encontra há meses à espera de um lar. “São Francisco, faça com que em 2024 o Nelson seja adotado”, peço em uma conversa sincera com o santo.
Estou no Chile, o país do milagre. A nação mais bem-sucedida da América Latina. O Chile das frutas mais doces e suculentas que já provei. Morangos, cerejas, damascos, mirtilos inigualáveis. O Chile, quarto maior exportador de vinhos do mundo. Da cordilheira que é bela mesmo sem neve. E dos chilenos, um povo afável que gosta muito de brasileiros. Não houve um dia sequer que não fôssemos alertados para o risco de furtos. Não olhe o celular em público, não circule pela área central, não saia à noite, não se distraia. “Aqui a vida está cara, a saúde pública quase não existe, a maioria dos aposentados não ganha o suficiente para prover o mínimo. Mas nosso maior problema são os imigrantes”, resume o rapaz simpático. Peruanos, bolivianos e equatorianos são apontados como causadores da violência e da pobreza.
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Nos dias que se seguem, a narrativa se repete. Há quem acredite que o país vive um momento delicado porque o presidente é visto como de esquerda. Há quem pense exatamente o contrário. Há um sem número de teses. O Chile não tem indústrias, explica uma professora universitária. As teorias dos Chicago Boys não foram capazes de garantir uma distribuição equilibrada da renda, leio em um estudo crítico. A sociedade civil não tem controle sobre as ações do Estado e dos poderosos, prega o estudante. A economia chilena sofreu muito com a pandemia e ainda não se recuperou, diz a dona da loja.
Justificativas à parte, tento entender o impacto da lógica do mercado puro na vida real. O tíquete do metrô tem valor flutuante. A caminho de um outlet que promete jeans de uma famosa marca brasileira a preços baixíssimos, pagamos 500 pesos para ir. E quase 1.000 pesos para voltar, porque o horário era de mais movimento. Para completar, a visita à loja foi inútil. As calças eram todas falsas. As costuras tortas e o tecido de baixa qualidade revelavam a fraude. Nos shoppings, a mesma coisa. Muitas roupas falsificadas. Vendidas em grandes lojas. Como verdadeiras. Seria o tal liberalismo?
Por essas e outras, deixo o Chile com muitas dúvidas sobre o milagre na economia. Mas convicta no milagre de São Francisco. Lembram do pedido no início deste texto? Dois dias depois recebi uma mensagem de casa:
– Rose, tenho uma notícia maravilhosa. O Nelson foi adotado.
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