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LITERATURA

Entrevista: Mildo Fenner e O Feitiço de Joana

Advogado e escritor, presidente da Academia Cachoeirense de Letras, Mildo Fenner lançou seu novo romance, O feitiço de Joana

A memória de Cachoeira do Sul e de áreas que até meados do século 20 compunham aquele município tem no advogado e corretor de imóveis Mildo Léo Zuge Fenner um guardião. E essa missão ele empreende através da literatura. No segundo semestre de 2023, apresentou mais um romance, O feitiço de Joana, que veio se juntar aos três anteriores num esforço para, tendo em primeiro plano uma pungente história de amor, resgatar fatos do passado local e regional. A obra tem 252 páginas e está à venda na livraria Iluminura por R$ 67,00.

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Seu mais recente livro teve sessões de autógrafos em Cachoeira do Sul, sua terra natal, e em Agudo. Com essa cidade, especificamente, Mildo possui relação afetiva muito especial: foi nela, quando ainda era a Colônia Santo Ângelo, criada no interior de Cachoeira, que se fixaram alguns de seus antepassados pomeranos, imigrantes que vieram para tentar a vida tão longe de suas regiões de origem.

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As narrativas de ficção de Mildo adotam como motivos justamente circunstâncias da colonização, ou a elas relacionados. Em O feitiço de Joana, o principal personagem masculino, o jovem Lucas Bertoldo Muller, é oriundo da Linha dos Pomeranos, na região serrana de Agudo, quando essa localidade ainda fazia parte de Cachoeira. É para essa cidade que a família migra, e ali, durante os estudos, Lucas passa a ter como colega de aulas uma misteriosa menina loira, Joana, com a qual estabelecerá vínculo muito forte.

A história se desenvolve nos fatídicos anos da Segunda Guerra Mundial e, de forma incongruente, os conflitos que ocorriam na distante Europa acabam por se presentificar, de maneira traumática, em plena Cachoeira da primeira metade do século 20. Como pano de fundo, o romance lida com fatos verídicos, atos de histeria e vandalismo coletivo contra entidades e famílias alemãs da cidade.

Em entrevista à Gazeta do Sul, Mildo comenta as motivações para esse esforço de resgate memorial. Lembra que seus antepassados chegaram ao Brasil em 1857, provenientes da Pomerânia, instalando-se na Colônia Santo Ângelo, hoje Agudo. E de lá mantinham contato regular com Cachoeira. Como descendente de germânicos, aliás, Mildo se diz fã da Oktoberfest de Santa Cruz do Sul, a qual visita todos os anos.

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Além da produção ficcional, Mildo frequentemente escreve na imprensa reportagens de caráter cultural e participa, como comentarista convidado, do programa “Raízes da Germanidade,” da Rádio Agudo. Não se define como historiador, em busca de datas e informações precisas. Prefere antes ser compreendido como um repórter contando histórias sobre imigração alemã. “Muitas delas são obras de ficção – e é onde aplico aquele velho princípio, que diz que a história inspira, mas não escraviza”, define.

Um pé na história

As narrativas ficcionais de Mildo Fenner costumam apoiar-se sobre fatos ou passagens da história regional. Um dos seus romances, o segundo, Cartas para Rose, foi lançado pela Editora Gazeta em 2014.

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Antes estreara com Charlote, obra que motivou o Instituto Cultural Brasileiro Alemão de Agudo (ICBAA) a concretizar,junto a sua sede, na rua principal, a “Casa da Charlote”, idealizando aquela que poderia ter sido a casa colonial habitada pela personagem do romance na Colônia Santo Ângelo. O terceiro romance foi O casamento de Luiza e agora, por fim, lança O feitiço de Joana.

As mulheres em evidência

Formado em Letras e em Direito, com especialização em Processo Civil, Mildo Fenner foi professor universitário e professor de Português e Literatura. Também foi repórter e editor. Foi membro fundador e primeiro presidente da Academia Cachoeirense de Letras, tendo seu mandato se encerrado em 31 de dezembro de 2023. Foi patrono da 36ª Feira do Livro de Cachoeira do Sul, e na cidade de Agudo recebeu o título de Comendador Wetterfahne. Também em Agudo, foi construída uma casa-museu chamada “Casa da Charlote,” inspirada em Charlote, romance de sua autoria, aliás seu livro de estreia.

Escreve o Blog dos Livros no Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, desde 2016, com resenhas e informações sobre livros, autores e literatura. É casado com Elisângela, também advogada, e tem duas filhas, Nathália, que reside em Santa Cruz do Sul, e Mariana. Na entrevista ao lado, comenta as circunstâncias que envolvem seu mais recente romance, O feitiço de Joana, e seu esforço para recuperar memórias e fatos associados à colonização alemã.

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ENTREVISTA:

  • Magazine – O senhor tem se dedicado a recuperar, pela via da ficção, circunstâncias da colonização germânica em Cachoeira do Sul e na região. O que o motiva?

Ao todo, já são quatro livros: O feitiço de Joana, O casamento de Luíza, Cartas para Rose e Charlote. Em todos, há um cenário histórico. E há, também, uma história de amor. O cenário histórico sempre envolve a imigração alemã, especialmente a imigração pomerana, que é muito forte na região. Nos livros, há referências à culinária, à música, à cultura, aos costumes de cada época, a vida em seu dia a dia. Ao mesmo tempo, tento apresentar as pessoas como elas são, sem glamurização ou excessos, mostrando momentos de amor, ódio, esperança, tristeza, erotismo, vaidades, companheirismo e tantos outros sentimentos.

  • A partir de suas pesquisas e de memórias familiares, o que representa a contribuição alemã para o ambiente social, econômico e cultural de Cachoeira do Sul?

Tento com meus livros valorizar o mundo da germanidade, especialmente da região central do Estado. Contar as histórias. Sinto que há muito pouco registro na literatura a respeito disso. E tirando Erico Verissimo, Josué Guimarães e Luiz Antônio de Assis Brasil, pouco há no Estado. Também vi uma lacuna enorme a respeito da mulher imigrante, seus sentimentos, suas lutas, seus sonhos, sua vida. A mulher imigrante é tratada como se fosse uma sombra do homem imigrante. A história mostra – e isso ressalto em meus livros – que a mulher imigrante foi fundamental no mundo da germanidade. Os meus livros todos têm no título o nome de uma mulher com vinculação à imigração alemã.

  • Em seu romance “O feitiço de Joana” (e também nos livros anteriores), o senhor dedica olhar à Colônia Santo Ângelo, atual Agudo. O que em especial motiva tal interesse?

Esse cenário histórico serve, na verdade, como pano de fundo da história de amor entre dois jovens, que também sofrem o preconceito e a discriminação. Ele é um rapaz sério de uma família vinda de Agudo e se apaixona por Joana, menina de poucas palavras que gostava de ler. Os dois estudam na escola, têm a pele clara e, em razão da discriminação, são perseguidos e a turba insana resolve perseguir Joana, que é chamada de “filha de Hitler”. Ela desaparece e o amor entre os dois é posto à prova, precisando vencer esses obstáculos. O romance está presente nesse livro. É uma história de amor entre dois jovens, em meio a uma época conturbada, em que o famigerado nazismo deixa suas marcas. Nessa história, entra a ficção, que se mistura com a realidade.

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  • O novo romance está ambientado em uma época bastante conflituada e tensa, o período que precede e em que se desenrola a Segunda Guerra Mundial. Foi um momento também bastante conturbado em contexto local e regional?

Embora a Segunda Guerra tenha ocorrido em outro continente, as repercussões do conflito se deram em todo o mundo, inclusive no Brasil e, mais precisamente, nas cidades de pequeno porte onde a presença germânica era forte. Na região central do Rio Grande do Sul, especialmente nos municípios de Agudo, Paraíso do Sul, Cerro Branco e Cachoeira do Sul, há muitas histórias de preconceito, discriminação e perseguição, em razão do afloramento do terrível nazismo. Foi uma época conturbada nessa região. Os descendentes de alemães queriam apenas tocar a sua vida, detestando as ideias nazistas, mas foram perseguidos e nem mesmo podiam falar a língua alemã.

  • O senhor menciona um ataque a uma escola alemã? Tratou-se de fato verídico?

A invasão de uma das mais tradicionais escolas de Cachoeira do Sul é um fato verídico. Foi um momento de tristeza e vergonha. E não foram vândalos inconsequentes que depredaram a escola. Foi um grupo enorme, composto de políticos, militares e autoridades locais, tendo à frente o prefeito da época, ao lado do delegado de polícia. Armados de paus e pedras, destruíram o que encontraram pela frente, inclusive um piano importado da Alemanha, uma peça rara. Um homem entrou a cavalo na Igreja de Confissão Luterana. As pessoas simplesmente perderam a razão e queriam, por conta de uma ideologia odiosa, destruir tudo o que lembrava a germanidade. Tornaram-se verdadeiros animais. Interessante, ainda, que os invasores cantavam o Hino Nacional do Brasil e estavam enrolados na Bandeira Nacional, como se estivessem tomados de um espírito patriótico e cumpriam um dever sagrado. Todos esses fatos são verídicos, como disse, e a imprensa da época noticiou.

  • Algum novo projeto em andamento ou começando a se delinear? O contexto da colonização alemã seguirá merecendo sua atenção?

O contexto da colonização alemã continuará em pauta. Há muita história para ser contada. O próximo livro, com título provisório de “O vestido de Sofia,” vai falar sobre um assunto muito interessante: o fato de que em tempos antigos as noivas imigrantes casavam de preto e não de branco.

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