O presidente Lula pode fazer algo muito importante para o continente, que Bolsonaro, se fosse presidente, não poderia fazer: demover Maduro de suas ambições territoriais na Guiana. Bolsonaro rompeu com Maduro e admitiu em Brasília a embaixadora de Juan Guaidó. Não teria chance alguma com Maduro. Já Lula é credor de Maduro. Até apresentou-o como legítimo guardião da democracia (relativa) e dos direitos humanos na Venezuela. Tentou enfiá-lo goelas abaixo dos presidentes sul-americanos reunidos em maio, em Brasília, com tal insistência que irritou até o socialista chileno Gabriel Boric. Pois, no continente, Maduro deve muito a Lula e Lula é o mais indicado para impedir que Maduro se lance numa guerra de conquista.
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A Comissão Eleitoral da Venezuela anunciou que o resultado do referendo foi 95% favorável a uma “retomada” do Essequibo, negando o acordo de Paris e dando sim para as outras quatro perguntas, inclusive a última, sobre a “retomada”. Mas o resultado engana, porque dos 20,7 milhões de eleitores, compareceram apenas 10,5 milhões e 95% de 10,5 milhões são 9,97 milhões de eleitores – ou seja, 48% do total de eleitores. Se fosse exigida maioria absoluta – e não simples –, a ideia de invasão da Guiana estaria reprovada pelo povo.
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Maduro quer desviar a atenção dos problemas internos, suspender uma eleição, tentar unir os venezuelanos em torno de um objetivo nacional e, se tudo der certo, ainda se apossar de reservas de petróleo que equivalem a 75% das reservas brasileiras. A Guiana, ano passado, cresceu 63% no PIB, por causa do petróleo. A Venezuela tem suas razões históricas, como tem a Argentina sobre as Malvinas. Mas Maduro corre o risco de repetir o destino de Galtieri. O ditador Galtieri precisava unir o país, fazer os argentinos esquecerem os problemas internos, e aproveitou uma reivindicação histórica. Só que se tornou o invasor, o agressor. E perdeu a razão. Depois perdeu 650 jovens. E Galtieri perdeu o poder, encerrando um ciclo de generais. A derrota argentina derrubou o moral nacional.
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Não foi Lula quem sugeriu que amigos do Hamas interferissem para libertar os reféns? Agora é ele o amigo que pode interferir. Semana passada, Lula disse que “precisamos baixar o facho”, mas não especificou o alvo da recomendação; em seguida dirigiu-se aos dois: “Espero que o bom-senso prevaleça do lado da Venezuela e do lado da Guiana”. Como assim? A Guiana ameaça? A Guiana é agressora? Nesse conflito, o sujeito ativo é a Venezuela e o passivo é a Guiana. O que é ter bom-senso para a Guiana? Entregar 74% do seu território para não ter guerra? Aliás, foi esse o conselho que Lula deixou em abril em outra guerra: a Ucrânia poderia ceder a Crimeia e terminar a guerra.
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A Venezuela pode ter armas russas e chinesas. Mas os russos estão ocupados com a Ucrânia e a Europa Ocidental; e os chineses não vão querer chegar tão perto dos Estados Unidos agora. E, não custa lembrar: a Guiana era colônia inglesa, como os Estados Unidos, que ajudaram a Inglaterra a recuperar as Falklands. Nós, gaúchos, dizemos que cavalo encilhado não passa duas vezes. Este é o momento oportuno para Lula montar no cavalo da pacificação e compensar os tropeços dessa última viagem.
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