Aidir Parizzi Júnior*
Exclusivo para o Magazine
O primeiro destino no Camboja, felizmente, foi a espetacular Siem Reap, antiga capital do império Khmer. Dos lugares que visitei na Ásia, esta região ainda é minha recomendação número um. O espetacular templo de Bayon am Angkor Thom, com seus mais de duzentos enormes rostos serenos esculpidos em pedra, ou o templo de Ta Prohm, onde árvores enormes e suas raízes engolem aos poucos as milenares ruínas, por si só já valeriam a viagem.
Eles, contudo, tornam-se atrações menores diante do esplêndido e gigante Angkor Wat, o maior monumento religioso de todos os tempos. Construído no século XII como um templo hindu, foi aos poucos se transformando em um templo budista, com aspectos de ambas as religiões ainda presentes. Sobrevivente de guerras e invasões, o complexo de construções, aquedutos e jardins é um convite à contemplação, e representa uma herança arquitetônica impressionante. Não é a toa que seu templo principal figura no centro da bandeira cambojana.
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A região toda pode ser tranquilamente explorada, até mesmo a pé ou de bicicleta. Os preços são muito acessíveis, com bons hotéis, restaurantes e eficientes guias. O povo local é extremamente simpático e prestativo. O sofrimento de guerras recentes em toda esta região não foi suficiente para tirar esta marcante característica, típica nos países budistas.
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De lá parti para a atual capital do país. Cidade muito marcada pelo regime sangrento e cruel do Khmer Vermelho, Pnohm Pehn é uma cidade interessante, mas com um ambiente completamente diferente de Siem Reap. Aqui estão as marcas da guerrilha e de um regime brutal, com suas terríveis sequelas. É uma experiência difícil visitar os memoriais e museus dedicados à guerra, mas é preciso conhecer este que foi um dos piores capítulos da história humana.
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O Khmer Vermelho foi um regime de reação à invasão Americana durante a Guerra do Vietnã e posterior pressão de Hanói sobre a soberania cambojana. O movimento, formado em sua maioria por camponeses, se organizou no interior do país, chamando a população a unir-se contra os inimigos estrangeiros. Ironicamente, os Estados Unidos se tornaram posteriormente aliados deste regime de comunismo radical, que se voltou contra o Vietnã comunista, valendo a ideia perversa de que o inimigo de meu inimigo é meu amigo, mesmo que seja muito pior que meu oponente.
Nos moldes da Revolução Chinesa, o líder Pol Pot desejava transformar o Camboja em um país eminentemente campesino. As populações urbanas foram deportadas para áreas rurais, submetidas a trabalhos forçados, na sua maioria em arrozais. Torturas e execuções sumárias estavam sempre na ordem do dia, quase sempre por motivos fúteis. Cerca de 2 milhões de pessoas, ou 25% da população, morreram neste período. Entre os mortos pelo regime estavam 20 mil professores, quase toda a comunidade científica, e 90% de seus monges budistas.
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O genocídio promovido neste país está registrado em quase tudo e todos na região de Pnohm Pehn. Nos campos de trabalho, hoje melhor definidos como campos de morte, funcionava uma máquina de extermínio. Em Choeung Ek, local onde hoje está um dos memoriais do genocídio, foram encontrados mais de 9 mil corpos em dezenas de valas comuns, grande parte sem as cabeças, mortos de forma violenta com paus, machados ou qualquer outro método que não necessitasse das escassas munições. Mais de cinco mil caveiras estão expostas em uma stupa envidraçada no centro do memorial. Nas trilhas entre a vegetação enxergo traços e pontos brancos no chão de terra batida. Me informam que são vestígios de ossos humanos, depositados em covas rasas por toda aquela área.
Em uma antiga escola secundária, na região central da capital, ficava o mais famoso dos 200 centros de tortura e morte do regime do Khmer Vermelho. Hoje, é outro memorial do genocídio (Tuol Sleng). Os mais de 20 mil presos que por ali passaram eram, em sua grande maioria, acadêmicos, pessoas com formação superior, professores, médicos, estudantes e monges, ou seja, pessoas cujo único crime era ser um potencial líder de alguma revolta contra o governo. Prefiro não descrever as condições da Prisão de Segurança S-21, como era conhecida, nem os horrores que aconteciam ali de forma rotineira. Vale lembrar que estamos falando do final dos anos 70 e não de um longínquo período medieval.
A carnificina do Khmer Rouge só terminou quando tropas do Vietnã invadiram o país, em 1979. Pol Pot e alguns seguidores se refugiaram na fronteira com a Tailândia, patrocinados principalmente pelo apoio norte-americano, mas também da China, na época oposta ao regime vietnamita. A não ser provavelmente por sua consciência, o ex-ditador morreu tranquilamente em 1998, aos 72 anos. A parte mais aprazível da capital são os palácios reais, os belos monumentos e praças e, mais uma vez, a hospitalidade e a simpatia de seus sofridos habitantes, que hoje vivem numa monarquia constitucional, teoricamente democrática, mas na prática dominada por um único partido, com o mesmo primeiro-ministro no cargo há 35 anos.
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*Aidir Parizzi Júnior – Natural de Santa Cruz do Sul, é engenheiro mecânico e reside no Reino Unido. É diretor global de suprimentos para uma multinacional britânica que atua no fornecimento de sistemas de controle e segurança para usinas de geração de energia, usinas nucleares e indústria de petróleo, gás natural e petroquímica.
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