Em meio às celebrações que, desde já, marcam a proximidade do bicentenário da chegada dos primeiros imigrantes alemães ao Sul do Brasil, a ser comemorado em 2024, a escritora santa-cruzense Valesca de Assis retorna nesta segunda-feira, 27, a sua terra natal para uma atividade centrada em uma obra de sua autoria.
A novela A valsa da medusa, publicada originalmente em 1989, é o que se poderia denominar de romance de fundação da Colônia de Santa Cruz. A história narrada nesse livro é ambientada no contexto dos primeiros anos da presença de famílias germânicas nessa região, a partir de dezembro de 1849.
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Nesta segunda-feira, Valesca estará em Monte Alverne, na parte da tarde, para acompanhar o evento Epopeia Alemã, no Colégio Estadual Monte Alverne. Alunos do educandário, bem como diretoria e professores, além de pessoas da comunidade, incluindo lideranças, vão recepcionar a autora.
Em seu romance, Valesca mescla personagens fictícias com outras que realmente existiram, como o viajante alemão Robert Avé-Lallemant e os dirigentes da iniciante colônia, em uma pungente história de amor.
Um pé na realidade, outro na ficção
O romance A valsa da medusa, da santa-cruzense Valesca de Assis, começa com uma cena junto ao cais de Porto Alegre. O personagem Tristan Waldvogel, que se revelará o principal da narrativa, chega esbaforido para subir no vapor que o deverá levar a Rio Pardo, a partir do Guaíba e depois pelo Rio Jacuí.
Descobrirá que a bordo já se encontra, em meio aos demais, um viajante alemão, Robert Avé-Lallemant, que pretende fazer o mesmo percurso, visando chegar à colônia alemã de Santa Cruz, há poucos anos implantada no interior de Rio Pardo.
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Serão, a partir desse momento, companheiros na viagem, e Santa Cruz é o destino almejado por ambos. Avé-Lallemant, no entanto, pretende ficar na colônia por poucos dias, seguindo após em périplo por todo o Estado. Tristan, sim, destina-se à localidade porque nela assumirá o cargo de professor, empenhando-se em ensinar os filhos dos imigrantes.
O encontro entre Tristan, que fora Brummer (mercenário alemão, que lutou na guerra contra o argentino Rosas) e Avé-Lallemant marca a confluência, na obra de estreia de Valesca, entre os planos ficcional e histórico. A ambientação, já ao longo do percurso de barco, e posteriormente da atmosfera de Rio Pardo e da colônia, é um dos trunfos da autora. O leitor sente-se espiando, na malha do texto, o ritmo de vida de meados do século 19.
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Por conta da presença de Avé-Lallemant, sabe-se que se está em 1858, ano em que efetivamente o viajante alemão, médico que atuava no Rio de Janeiro, empreendeu seu périplo pelo interior gaúcho. Apontamentos sobre essa visita ele compartilhou no livro Viagem pela Província do Rio Grande do Sul (1858), no qual se tem suas impressões dos dias em que se hospedou em Santa Cruz, na casa de um norte-americano, Wilhelm Lewis.
Quando Avé-Lallemant passa pela região, e Tristan, portanto, chega, Santa Cruz tinha oito anos de existência como colônia alemã. Os primeiros imigrantes haviam chegado em 19 de dezembro de 1849, fixando-se na atual Linha Santa Cruz, por isso chamada de Alte Pikade. Nos anos seguintes, novas famílias a eles se uniriam, ocupando o entorno, inclusive as novas linhas e picadas abertas.
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E quando Tristan e Avé-Lallemant chegam a Santa Cruz, no romance de Valesca, o núcleo urbano da cidade atual recém havia sido demarcado. Tanto que Lewis, que acolhe o viajante alemão, fora o primeiro a construir casa na vila. E foi Lewis também o responsável por construir a primeira igreja católica, exatamente na frente da hoje Catedral São João Batista.
Diante ficava uma praça, que na época praticamente não merecera maior cuidado. Nesse ambiente, Tristan não vai apenas lecionar, mas também encontrará o amor, ao conhecer a imigrante Pauline. No romance de Valesca, a epígrafe extraída de Tristão e Isolda oferece mais um elemento a propor intertexto, ampliando as possibilidades de leitura.
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Epopeia em Monte Alverne
Incentivar a leitura e iniciar as celebrações em torno dos 200 anos da Imigração Alemã no País e dos 175 anos da imigração na região. Esses são propósitos do Colégio Estadual Monte Alverne para a realização, nesta segunda-feira, a partir das 13h30, da primeira edição da Epopeia Alemã. O evento ocorrerá no saguão do educandário e terá a presença da escritora santa-cruzense Valesca de Assis.
Ccerca de 200 alunos a partir do 6o ano, bem como convidados, vão prestigiar o evento. Conforme o vice-diretor, Nelson Jandrey, a atividade se vincula a uma ação que a escola desenvolve desde 1989. “Todo ano buscamos trazer um autor de livros para conversar e trocar ideias com os alunos. Desta vez, vamos celebrar junto com o Bicentenário da Imigração Alemã.”
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Valesca de Assis vai conversar com os estudantes sobre suas obras, uma vez que em algumas delas retrata a chegada dos antepassados à região. Ela também poderá conferir a “Epopeia”, que mostrará uma releitura do romance A valsa da medusa.
“Vai ser uma tarde dedicada a refletir sobre a colonização alemã, a partir da obra de Valesca. Teremos a apresentação da Orquestra Melodia dos Anjos, teatro, dança, vídeo e exposição de materiais antigos usados pelos imigrantes”, ressalta Nelson. O evento conta com apoio da 6a Coordenadoria Regional de Educação (6a CRE) e de Anelize Winter Idiomas e Intercâmbios. (Colaborou o jornalista Ricardo Gais)
A reaproximação com a terra natal
O romance A valsa da medusa inaugurou, em 1989, uma exitosa carreira literária. Valesca de Assis nasceu em Santa Cruz do Sul em 14 de outubro de 1945, filha de Tilly Francisco dos Santos, já falecido, e de Isolde Rech. Valesca está radicada em Porto Alegre e é casada com o escritor e professor Luiz Antonio de Assis Brasil. Sua mãe atualmente reside na capital e está com 97 anos, merecendo cuidados por conta da saúde fragilizada. Um dos tios de Valesca, Fritz, era proprietário do antigo e popular Bazar Rech, na Rua Marechal Floriano.
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Seus pais se estabeleceram em Iraí quando ela era menina, mas vinha passar as férias com os familiares em Santa Cruz. Com 11 anos, foi morar em São Leopoldo, para estudar, e aos 17 se fixou em Canoas, de onde seguia para cursar Filosofia na Ufrgs. Formada, atuou no magistério. E foi por volta dos 45 anos, depois de frequentar oficina literária, que lançou A valsa da medusa.
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Interessou-se pelo tema da colonização, como frisa, a partir de conversas com o então diretor do Arquivo Histórico e do Museu do Colégio Mauá, Hardy Elmiro Martin, que era colega de seu marido, Assis Brasil, no Conselho Estadual de Cultura. Martin franqueou acesso ao arquivo, e ali Valesca se deparou com a saga dos Brummers, os mercenários alemães que vieram lutar pelo Brasil na Guerra contra Rosas. Tristan Waldvogel, seu personagem principal, era Brummer.
Depois da primeira edição, pela editora Movimento, uma segunda foi impressa em 2009. Atualmente, a obra encontra-se esgotada. Valesca planeja para breve uma nova edição, que deve ser viabilizada através da Bestiário. O editor Roberto Schmitt-Prym confirma que pretende estar com o livro disponível no início de 2024, no contexto do bicentenário da imigração alemã no Brasil.
O primeiro viajante a olhar a colônia
O médico e viajante alemão Robert Avé-Lallemant, personagem verídica do romance A valsa da medusa, de Valesca de Assis, é referência sobre os primeiros anos da Colônia de Santa Cruz. Ele foi um dos primeiros estrangeiros a visitar a localidade, e o fez quando esta nem havia completado uma década desde a vinda das primeiras famílias. Os apontamentos em seu livro resultante da viagem pelo Rio Grande do Sul, em 1858, no qual descreve a natureza e suas conversas com os colonos, oferecem um olhar privilegiado sobre a colônia.
Robert nasceu em Lübeck, em 25 de julho de 1812, e morreu nessa mesma cidade, em 10 de outubro de 1884, aos 72 anos. Chegara ao Rio de Janeiro, à Corte, em 1836, e ali atuou como médico. Casou no Rio, e a família retornou para a Alemanha. Depois da morte da esposa, conheceu Alexander von Humboldt, que o convidou a acompanhá-lo ao Brasil, o que de fato fez. Mas no Rio abandonou a expedição e decidiu viajar sozinho pelo País, no que teve o apoio pessoal de D. Pedro II. Em 1859 retornou à Alemanha, e lá publicou os volumes sobre suas viagens pelo Brasil.
Entrevista – Valesca de Assis, escritora e professora
- Magazine – Como ocorreu o processo de pesquisa de apoio durante a elaboração do romance A valsa da medusa, ao final da década de 1980? A curiosidade inicial era saber algo sobre quando e como vieram para cá meus antepassados. No decorrer das pesquisas, deparei-me com os “brummer”, que eram soldados contratados para a guerra contra Rosas, déspota argentino. Depois de passado o tempo de contrato, eles podiam ganhar terras e ficar por aqui. Muito me ajudou o querido Hardy Martin. Pesquisei também no Arquivo Público do Rio Grande do Sul.
- O que aquela obra representou para a senhora em termos de reaproximação com a história e a colonização de sua terra natal? Na compreensão das razões humanas e políticas que levam à emigração, a qual é, no fundo, uma tragédia, como ainda hoje podemos constatar.
- Foi um processo de rememoração? A senhora chegou a realizar visitas e viagens pelas paisagens de Santa Cruz? Como era seu contato com o município na época? Eu vinha a Santa Cruz mais para pesquisar e para visitar meu tio Lúcio, que estava muito doente, e que eu adorava.
- O que ainda hoje esse livro representa no conjunto de sua obra? A senhora ainda relê ou manuseia esse livro com alguma frequência? É o primeiro livro, quis explicar algo a mim mesma e à minha família. Aproximei-me imenso da minha cidade.
- Situações, vivências ou personagens da Santa Cruz de sua época ainda seguem muito presentes em sua memória? Recorda de algo em especial? Meus avós, tios, primos; a padaria Pritsch, onde íamos buscar cucas; os vizinhos Peschel, que tinham uma magnólia no pátio.
- “A valsa da medusa” se desenvolve entre personagens reais ou históricas, caso de Avé-Lallemant, e ficcionais. Além de tudo, muitas passagens são, digamos, cinematográficas. A senhora entende que os pioneiros eram de algum modo heróis, ainda que essencialmente humanos? Foram heróis sem o querer. Volto à tragédia da emigração não desejada. Mas os que para cá vieram tinham, também, esperança; iam ganhar terras e alguma proteção.
“O senhor não é o único a ter pressa de chegar a Santa Cruz, professor. Há outro alemão, um doutor da Corte, que igualmente não quis esperar o próximo vapor. Homem importante, vê-se pelas roupas e pelo fino trato. – O comandante precisava gritar para se fazer ouvir em meio ao escarcéu de homens e máquinas. – Mesmo assim – prosseguiu – não se aborreceu nem um pouco em viajar no convés. Será uma boa companhia, lhe asseguro. Está lá, veja! – indicou, num incontido orgulho”. (De A valsa da medusa)
Outras obras de Valesca de Assis
- A colheita dos dias: lançado originalmente em 1992, por iniciativa da Movimento, com uma segunda edição em 2012, pela BesouroBox, esse romance está centrado na personagem Letícia. Ela conta sua história para sua filha Virgínia, que no entanto já está morta, reduzida a restos mortais em uma urna. Em tom de confissão, repassa os momentos que definiram a vida de ambas.
- Harmonia das esferas: este romance foi lançado em 2000 pela WS Editor, e teve relançamento pela BesouroBox em 2018. O enredo gira ao redor do poeta Léo Schreiber, dividido entre uma rotina áspera ao lado da esposa, Suzana, e os voos de imaginação ao lado da amante, Magdala, por sua vez apegada às imagens que tece acerca do pai, que não conheceu.
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