Além do esforço do poder público e das próprias famílias de descendentes, a preservação da memória dos imigrantes germânicos no Rio Grande do Sul passa muito pelo trabalho de entidades sem fins lucrativos.
Uma delas é o Instituto Cultural Brasileiro-Alemão de Agudo (ICBAA). Fundada em 1982 por Richard Rudolf Brauer, um pastor nascido na Alemanha, a instituição atua para estimular o intercâmbio cultural entre o Brasil e a Alemanha. Possui museu, biblioteca e auditório onde ocorrem ensaios de grupos de dança, teatro e coral.
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O local recebe visitas de escolas, universidades e até mesmo grupos de turistas interessados em conhecer a fundação de Agudo e como as famílias vindas da Europa em 1857 influenciaram a cultura e o desenvolvimento da região. Além de ferramentas e utensílios domésticos, o museu abriga raridades, como uma Bíblia escrita em gótico e datada de 1855. Para interessados em conhecer, a viagem a partir de Santa Cruz é de pouco mais de 60 minutos, e a entrada é gratuita.
Os primórdios como colônia Santo Ângelo
Conforme a presidente do ICBAA, Rosângela Wilhelm, a colonização germânica de Agudo data de 1857, ano em que os primeiros imigrantes chegaram na então Colônia Santo Ângelo. Naquela época, os assentamentos se espalhavam pelas áreas que hoje pertencem também aos municípios de Restinga Sêca, Paraíso do Sul e Novo Cabrais. Os locais escolhidos para a construção das moradias eram comumente as partes mais altas, próximas aos morros, em terrenos considerados semelhantes aos que conheciam na Europa.
“Por lá, as terras altas eram mais produtivas, enquanto as que ficavam perto dos rios eram inundáveis e não tinham tanto valor para a agricultura daquele período”, explica Rosângela. Em 1865, a colônia se tornou o 1º Distrito de Cachoeira do Sul e permaneceria assim até 1959, quando foi promulgada a Lei nº 7.718/1959, que criou o município de Agudo, resultado de um movimento de emancipação que havia começado dois anos antes.
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Nesse período, uma das personalidades mais importantes da história do município já tinha forte atuação na comunidade e teve participação fundamental nessa conquista. Trata-se do pastor Richard Rudolf Brauer. Nascido no dia 16 de março de 1911, em Osterode am Harz, uma pequena cidade na região da Baixa Saxônia, na Alemanha, Brauer rumou para o Brasil em 1936 para trabalhar na Igreja Luterana do Rio Grande do Sul. Chegou a Agudo em 1º de janeiro de 1937 e, no fim daquele mês, assumiu a Paróquia Evangélica do município.
Rosângela recorda que em função do nazismo, que vigorou na Alemanha entre 1933 e 1945, e do Estado Novo de Getúlio Vargas no Brasil, Brauer era vigiado constantemente. “Havia um soldado que morava na Casa Pastoral e o observava o tempo todo, porque o pastor era visto como um potencial espião.” Assim, ele era acompanhado em todos os lugares aonde ia, inclusive durante seu casamento com Klara Herbrich, em 1944. Ela também era alemã de nascimento e natural da cidade de Kahlau, na Silésia.
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Depois da declaração de guerra do Brasil aos países do Eixo, em 1942, a comunicação em línguas germânicas foi proibida e até mesmo os livros foram recolhidos. “Para não perdê-los, muitas pessoas os enterraram e depois se esqueceram deles, ou estavam danificados. O pastor Brauer conseguiu recuperar os seus, que havia trazido da Alemanha junto com os demais pertences”, revela a presidente do ICBAA. Alguns exemplares estão preservados até hoje e podem ser vistos de perto no museu.
Uma viagem ao passado regional
Nos fundos do ICBAA, no mesmo terreno, está a Casa de Charlote. Construída e mobiliada à semelhança das casas típicas da Colônia Santo Ângelo no século 19, o lugar tem como objetivo permitir que os visitantes façam uma viagem ao passado e compreendam melhor como eram a rotina e os costumes dos imigrantes germânicos. A residência ficava em uma localidade do interior de Agudo e foi transferida para o Centro, onde foi reconstruída e restaurada.
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Charlotte foi uma mulher imigrante vinda da região da Pomerânia, no então Reino da Prússia, e inspiração para o livro Charlote – Sonhos, tristezas e uma história de amor em dois continentes, do cachoeirense Mildo Léo Fenner. A partir dos detalhes descritos pelo autor na obra, houve a idealização do espaço. Alguns móveis e utensílios já existiam no acervo do museu, enquanto outros foram buscados junto à comunidade. A casa possui sala de estar, sala de jantar, quarto e cozinha, além do sótão. O ICBAA agora busca recursos para construir o forno e o banheiro, ambos na parte externa.
Ao percorrer e observar os ambientes, muitas coisas chamam a atenção. A primeira delas é, sem dúvida, o espaço reduzido em relação às moradias atuais. O quarto, por exemplo, comporta somente uma cama de casal de proporções reduzidas, um armário também pequeno, uma mesa de cabeceira e um berço, restando pouco espaço para a circulação. Destacam-se ainda o armário embutido na sala de estar, as grandes gamelas de madeira usadas para lavar as louças e os quadros feitos com bordados para decorar as paredes.
Acervo ajuda a entender a formação e o desenvolvimento do município
Além de toda a atuação religiosa, o pastor Richard Rudolf Brauer também se destacou pelas ações para a preservação da história de Agudo. Para tanto, durante suas inúmeras visitas às comunidades, resgatou utensílios domésticos, ferramentas, eletrodomésticos e muitos outros objetos antigos. O acervo foi montado inicialmente na casa pastoral, que, aos poucos, ficou pequena para a quantidade de peças que o religioso recolhia e também recebia da população. Assim, em 20 de agosto de 1995, foi fundado o Museu Histórico Pastor Rudolf Brauer”, que funciona junto ao ICBAA.
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Muitos dos itens disponíveis para visitação pública são mais do que centenários e alguns são completamente desconhecidos para as crianças e os adolescentes. Entre eles estão ferros de passar roupas alimentados com brasas, lampiões a querosene, canetas tinteiro, máquinas de escrever, máquinas de costura movidas a pedal, louças diversas, relógios de parede e de bolso, vitrolas de corda e um órgão, tradicional instrumento musical de teclas, semelhante a um piano, utilizado nas igrejas luteranas até os dias de hoje.
Para Rosângela, o museu é fundamental para passar esse conhecimento às novas gerações não somente de forma teórica, mas também prática, de maneira que eles possam ver de perto e até tocar em alguns objetos. “No mês passado, recebemos 375 crianças e adolescentes de escolas não só daqui, mas também das cidades vizinhas. É muito importante mostrar isso a eles, visto que hoje têm acesso a tudo por meio do celular.”
Quero conhecer
Partindo do centro de Santa Cruz do Sul, o Instituto Cultural Brasileiro-Alemão de Agudo fica distante 97 quilômetros. O deslocamento ocorre inteiramente pela RSC-287, até o trevo de acesso ao município, e demora cerca de 1h20, mas esse tempo pode variar em função das obras na rodovia. O trajeto tem dois pedágios, em Candelária e Paraíso do Sul, ambos com tarifa de R$ 4,30 para carros de passeio e R$ 2,30 para motocicletas. Depois do pórtico, são mais 10 quilômetros pela ERS-358, até o Centro.
O ICBAA fica na Avenida Concórdia, 97, e funciona de segunda a sexta-feira, nos turnos manhã e tarde, em horário comercial. Aos sábados, domingos, feriados e para visitas de excursões, é preciso agendar previamente pelo telefone (55) 3265 3103.
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