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OPINIÃO

Romeu Neumann: “Deixamos o paraíso para trás?”

Em época de tantas animosidades pelos mais diferentes e fúteis motivos, dá saudade dos tempos de outrora. Guri do interior, fazíamos coisas – e tarefas – próprias daquele contexto. Juntar gravetos, carregar braçadas de lenha para perto do fogão, varrer o pátio, lavar as calçadas de lajes com baldes de água que buscávamos num poço. Ufa! A subida até em casa não era fácil.

Mas não reclamávamos. Afinal, horas depois viria a recompensa e podíamos encontrar os amigos para uma pelada de futebol sábado à tarde. E ainda havia todo o domingo pela frente.

O problema é que tinha a segunda-feira. E uma semana inteira à vista. Afora um rádio Transmex (parecia bem moderno para a época) que meu irmão e eu ouvíamos à noite, quase colando os ouvidos no aparelho para não perturbar o sono dos pais, não tínhamos diversão. Talvez um joguinho de carta ou uma panelada de pipocas adoçadas com melado em dias de chuva.

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Neste recorte da memória que deixou saudade se preenchia o tempo com personagens inusitados. Os cachorros, por exemplo. Lembro, em especial, do mais velhinho e amável de todos: o Téta, que não se incomodava quando prendíamos nele uma minicharrete e ele saía a nos conduzir pelo pátio contornando plátanos e flores no jardim.

Nunca vou esquecer do Cruzeiro, um cavalo com alma de gente. Quando nos percebia escorregando com os pelegos para um lado, se encostava em algum barranco para que nos ajeitássemos no lombo. Dito assim, até parece coisa da imaginação. Mas o Cruzeiro era real – ou será que virou real depois que deixou de existir? – Já nem sei.

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E havia os bois. Por certo isso não faz sentido para a geração que administra as propriedades rurais hoje em dia, quase todas elas equipadas com modernos maquinários ao alcance até de pequenos produtores familiares.

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Mas algumas décadas atrás, uma boa junta de bois era sinônimo de prestígio, patrimônio, o motor que movia as atividades na propriedade. Convivíamos com eles da manhã à noite. Seja para puxar a carroça, o arado, arrastar a grade, outros equipamentos da época que nem conseguiria descrever.

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A mais remota recordação me faz lembrar do Gaúcho. Um boi extremamente manso, já cansado, passos lentos e ritmados, mas atento a cada gesto ou orientação que percebia. Parceiro de canga, ao lado dele troteava o Primeiro. Acho que o nome que lhe deram não foi casual. Mais inquieto e impetuoso que o Gaúcho, era, de fato, o primeiro a se apresentar para as tarefas e a se dispensar no final da jornada.

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Os tempos mudaram, saímos em busca de novos horizontes e os personagens da saudosa infância no interior foram ficando para trás. A memória abriu espaço para novas emoções e imensos desafios. Para todos nós. Aliás, desafios que não param de chegar e se apresentam sob novas modalidades e dimensões todos os dias. Ouse parar, achando que já cumpriu a missão, e você e eu seremos atropelados neste mundo cada vez mais alucinante e frenético.

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Dois ou três anos atrás sobrevivemos a uma pandemia. Agora desafio você a sintonizar alguma rede de televisão que não centralize seus telejornais nos horrores da guerra no Oriente Médio, na matança de civis, inclusive crianças, e na iminente ameaça de um colapso bélico e nuclear mundial.

Acha mesmo que evoluímos, como nunca se viu na história, ou deixamos o paraíso para trás?

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