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ELENOR SCHNEIDER

Cartas abandonadas

Há alguns anos, uma grande emoção fazia parte de nossas vidas: receber uma carta. Em letras manuscritas, lá estava na frente o endereço, atrás o remetente. Ainda não proliferavam avisos de cobrança, boletos, contas de tudo.

Os carteiros entregavam cartas, que falavam da vida, das conquistas, de saudade, e muitas falavam de amor, de sonhos, de paixões, de esperanças. Não ignoravam também tristezas, ausências, partidas. Telefones eram poucos, cada linha custava caro. Telegramas eram quase inacessíveis (quando um chegava, era certo que quase sempre para comunicar alguma morte).

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Radioamadores eram raros, porém às vezes a única forma de acessar uma pessoa distante. A emoção mesmo morava nas cartas. Papel de carta ia do tosco à extrema delicadeza, da folha convencional ao papel leve, colorido, até perfumado. Sobre ele deslizava normalmente uma caligrafia caprichada, impecável. Cada palavra escrita, muitas vezes com uma requintada caneta Parker, era plena de vida, acordava emoções, pulsava corações.

Às vezes, o remetente se desculpava antecipadamente, como canta Erasmo Carlos: “Escrevo-te estas mal traçadas linhas, meu amor/ porque veio a saudade visitar meu coração/ espero que desculpes meus errinhos, por favor… “. Não seriam erros grandes, seriam pequenos, o que prevalecia era que a carta se destinava a ser uma prova de afeição.

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Havia cartas mínimas, íntimas, familiares. Muitas lamentavam amores não correspondidos, namoros fracassados; outras selaram casamentos para sempre. Alguns conteúdos por vezes se esvaíam rapidamente. Havia outras de inestimável valor histórico, testemunhas únicas de grandes lutas, de árduas conquistas, de improváveis desbravamentos. Inúmeros fatos que a História conta hoje provêm das narrativas epistolares.

E então renascem os arrependimentos por conteúdos tão preciosos descartados, destinados insensivelmente ou inocentemente à cesta de lixo, portanto a um resgate irrecuperável. O pagamento ao Correio era feito com selos. Uns eram simples, não chamavam a atenção. Outros exibiam uma beleza extraordinária, a tal ponto de virarem objeto de coleções.

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Muitas pessoas devem ter ainda consigo algum álbum com essas joias raras. Receber carta do exterior, de qualquer país, trazia emoção redobrada ao colecionador. No álbum, havia seções por países. Amigos eram convocados a doarem as estampas, caso não as guardassem também. O envelope era colocado na água para descolar o selo. Seco, seu destino era o álbum.

Quando ainda estudante do ginásio, nosso professor de Inglês nos colocou em contato com estudantes holandeses do mesmo nível. Trocávamos correspondência em inglês, tornando a aprendizagem muito mais significativa. Já como professor, levei a experiência a uma turma do Ensino Médio, criando correspondência com estudantes paraguaios.

Escrever cartas era uma das minhas propostas de redação. Um figurante imprescindível desse universo era o carteiro, hoje praticamente tornado distribuidor de contas e pacotes provenientes da China. Mesmo não abrindo as cartas, ele devia saber ou ao menos imaginar o que rolava nessas trocas de mensagem, principalmente aquelas mais frequentes, fazendo-o supor uma relação movida a paixão sem medida.
Hoje, raríssimas pessoas ainda escrevem cartas, objetos abandonados.

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O teor de uma carta, que antes muitas vezes demorava meses para chegar, hoje, pela internet, se resolve em segundos. Mas a emoção de receber uma carta tinha um valor extraordinário, a lembrança é doce e remete a inúmeros momentos de felicidade. Como diz a letra do agora saudoso Erasmo, “e para terminar, amor, assinarei, do sempre, sempre teu…”.

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