Se há alguém, em realidade de Rio Grande do Sul, que tenha pleno conhecimento de causa da realidade vivenciada pelas mulheres rurais, de suas lutas e conquistas e da legitimidade e importância de suas demandas, é a presidente da Emater/RS, Mara Helena Saalfeld. Depois de 41 anos de atuação ininterrupta junto a essa empresa, que responde pela assistência técnica e pela extensão rural no Rio Grande do Sul, vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR) e também à Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi), ela hoje está à frente da Diretoria Executiva, cuidando de todos os trabalhos, inclusive os que se voltam aos interesses específicos das mulheres, junto a suas famílias.
Mara é, além de uma mulher rural, veterinária que atuou na extensão rural na empresa. É a primeira mulher, a primeira extensionista e a primeira veterinária a ocupar o cargo máximo na Emater/RS. Só essa trajetória já sinaliza para a dimensão e a importância da missão que hoje desempenha, e do que isso representa justamente para as mulheres rurais no dia internacional a elas dedicado.
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Com as suas vivências de mais de quatro décadas no universo da assistência técnica e da extensão rural, Mara consegue avaliar com clareza e pertinência a realidade que as mulheres enfrentam no meio rural. É uma situação de muito mais empoderamento, de muito mais visibilidade e reconhecimento do que há algumas décadas. Não por acaso, isso se traduz no gradual e maior interesse com que as jovens de localidades do meio rural miram a formação voltada às atividades agrícolas e pecuárias, e a possibilidade de atuarem ao lado de suas famílias no campo.
A presidente da Emater/RS menciona o fato de atualmente muitas mulheres estarem à frente de empreendimentos de agroindustrialização, de transformação de hortigranjeiros, frutas ou proteínas. E ressalta, em entrevista à Gazeta do Sul, que a mulher nunca foi ou é uma auxiliar ou uma ajudante do homem no campo. Conforme Mara, ela atua palmo a palmo, como protagonista, ao lado do marido e dos filhos, nas atividades rurais. Não raro, desempenha duas ou três tarefas essenciais e simultâneas, atuando no empreendimento principal da família e ainda cuidando do lar e dos filhos. E é essa personagem que precisa ser iluminada e respeitada por toda a sociedade.
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Quantas são?
A presidente da Emater/RS, Mara Helena Saalfeld, lembra que o Rio Grande do Sul possui cerca de 204 mil propriedades rurais classificadas como de agricultura familiar. Isso representa um contingente de 1,8 milhão de pessoas, e uma grande parcela delas é composta por mulheres rurais. O relatório técnico “Desigualdades de gênero dos ocupados com atividades ligadas à agricultura no RS”, desenvolvido pelo Departamento de Economia e Estatística (DEE), vinculado à Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão, mostrou que 59% das mulheres com atividades ligadas ao campo tinham 55 anos ou mais, sendo 30% entre 55 e 64 anos, 21% de 65 a 74 anos e 8% com mais de 75 anos. Considerando o total de mulheres no Estado, o percentual de pessoas acima dos 55 anos é de 36%.
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Entrevista
Gazeta do Sul – Nasceste e cresceste no meio rural. O que a motivou a fazer Medicina Veterinária?
Mara Helena Saalfeld – Eu sempre ajudei meus pais na lida, em São Lourenço do Sul, na criação de suínos. Quando eu era adolescente houve um surto de peste suína clássica, e foi um técnico da Emater que nos deu orientações e nos apoiou. Eu enxerguei aquilo e pensei: eu quero fazer isso, eu quero ajudar pessoas. Quando fui escolher a profissão, em 1976, era um absurdo mulher querer fazer veterinária, um parente inclusive disse: mas tu vais morrer de fome! Mas fiz sim vestibular para Veterinária, e foi por causa da experiência que tinha de trabalhar com meu pai, nas culturas que mantínhamos na propriedade. E acabei nessa área. Por fim, realizei o sonho de entrar para a Emater, onde estou já há 41 anos.
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Que atividades ou funções exerceste na empresa?
Comecei como extensionista de campo, depois fui chefe do escritório municipal de Pelotas e coordenadora do Centro de Treinamento da Emater, em Canguçu. E esse ano tive a felicidade de ser convidada pelo governador Eduardo Leite para presidir a Emater/RS. Queriam alguém com formação técnica. É um baita desafio, mas eu disse: vou junto, vou com vocês! Sou efetivamente a primeira mulher convidada para esse cargo, a primeira extensionista e a primeira veterinária.
És, portanto, uma mulher do meio rural nessa função…
Sim, eu fui uma jovem rural que participei dos grupos da Emater quando era adolescente. Conheci o trabalho da Emater/RS dessa forma. A Emater sempre teve essa preocupação com a extensão rural, a assistência rural social. Quem faz esse trabalho no meio rural, de alcançar políticas públicas, de trabalhar com as mulheres, é a Emater. A assistência social que tem na cidade, através de CADÚnico, a série de benefícios que as mulheres urbanas têm, não chega no meio rural pela assistência social. Chega pela Emater.
E há ainda os trabalhos de formação, não é mesmo?
Temos sete Centros de Treinamento (CTs) e neles há cursos inclusive de empreendedorismo para mulheres. Eu tive a felicidade de fazer o encerramento de um, em Montenegro. Mas nós trabalhamos com cursos de empreendedorismo para jovens onde a metade dos participantes são mulheres, e de empreendedorismo para mulheres. Antigamente se tinha a ideia de que o trabalho da Emater com mulheres era ensinar tricô, crochê, pintar panos de prato. Nunca foi isso. O trabalho dos extensionistas, junto à mulher rural, foi o de usar como ferramenta o curso na localidade e reunir as mulheres para falar sobre políticas públicas, saúde, previdência. Pois o agricultor nem sempre tem a informação de como faz para se aposentar. Nosso trabalho sempre foi nesse sentido.
Hoje temos um trabalho gigantesco na agroindustrialização de produtos primários da agricultura familiar, e uma grande parte dos empreendimentos é de mulheres do meio rural. Não só da agricultura e da pecuária familiar, mas também dos povos originários, aos quais a Emater presta asisstência; são os indígenas, os assentados da reforma agrária, os pescadores, os quilombolas. Esse trabalho todo é feito pela Emater/RS.
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A percepção da sociedade sobre a importância do trabalho da mulher rural mudou?
Mudou bastante. Porque a mulher, não só no meio rural como na cidade, sempre foi considerada a que ajuda o homem. A mulher nunca ajudou ninguém, ela é trabalhadora como qualquer outro cidadão. E no meio rural a mulher sempre teve dupla ou tripla atividade: ela faz todo o trabalho da casa, cuida dos filhos, e ainda vai fazer a lida na atividade. Principalmente no gado leiteiro, onde eu trabalhei a vida inteira, eu era assistente técnica regional de sistemas de produção animal e sempre trabalhei muito com gado leiteiro. Quem faz a lida da ordenha, quem faz o trato do terneiro sempre foi a mulher. Então, as pessoas tinham o hábito de dizer que a mulher ajuda o homem. Não, ela trabalha com o homem, ela é fundamental dentro da propriedade rural, e precisa ser muito valorizada.
Financeiramente, ela já tem maior autonomia?
Vejo um progresso muito grande nisso, principalmente pelo crédito. A Emater/RS trabalha com o crédito, o Pronaf, e uma série de políticas públicas, e que hoje vêm especificamente para mulheres e para jovens. E a mulher tem se empoderado nesse sentido. Muitos projetos são feitos nos nomes das mulheres, porque antes ela não tinha o Bloco de Produtor modelo 4; era modelo 15, era tirado no nome do homem. Ela tinha dificuldade para se aposentar, porque… como ia comprovar? Hoje, o modelo 4 é em nome dos dois, e o próprio Cadastro Ambiental Rural (CAR) hoje é feito no nome do casal. E assim uma série de documentos. O homem não consegue fazer um financiamentro se a mulher não der aval, se não tiver a assinatura junto. A mesma coisa a mulher: para pegar um crédito também, tem de ter a assinatura do marido junto; se for casada, no caso. Mas a passos lentos, talvez, há um progresso bem grande em relação a isso.
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