Poucas pessoas, em minha vida adulta, viram as lágrimas saírem de meus olhos. E não se trata daquela besteira popular e machista de que homem não chora. Consigo, acredito, ter um certo controle diante da adversidade e, posteriormente, quando tudo já passou e estou sozinho por casa, desabo. Fico triste, abalado e chego a chorar.
Quando estou a trabalho, então, tento estabelecer, ainda mais, a barreira de envolvimento, por entender que é preciso captar, da forma mais limpa e pura, o sentimento daquela pessoa com quem estou conversando. Assim levo ao público, por meio de textos, imagens ou falas, a visão de um espectador do fato, que é o que somos e para quem trabalhamos: leitor, ouvinte ou espectador.
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Admito, porém, que essa aparente frieza, quase uma falta de sensibilidade, caiu por terra ao ver a situação dos moradores de Roca Sales e Muçum na quinta-feira, quando estive, com os colegas Leandro Porto e Alencar da Rosa, para registrar uma das piores catástrofes registradas no Estado. Claro que estava no solo fértil do meu Vale do Taquari para relatar aquilo que víamos, até como uma forma de sensibilizar os demais e ampliar ainda mais as ações de solidariedade, e isso foi feito. Mas a situação com a qual nos deparamos fez com que a luta para manter o profissionalismo fosse muito maior.
Não vi pessoas que perderam móveis e roupas. Esse problema é recorrente em áreas onde temos rios. Vi gente que olhou sua história seguir de forma desenfreada em meio à correnteza lamacenta do Rio Taquari. Vi aqueles que ouviram os gritos de socorro, na escuridão da noite, sem poder fazer nada. Vi um jovem chorando, porque recebeu no Instagram pedidos de ajuda daqueles que estavam sobre os telhados e não tiveram a chance de uma despedida, gente que ainda pode estar sob a água ou presa em algum lugar no trajeto sinuoso do rio.
O que vi, em Roca Sales e Muçum, além da desgraça, que todos viram em relatos e imagens, foi uma união tão surpreendente quanto a força desse fenômeno natural. Pelas ruas cobertas de um lodo fedido, fazendo força sem ter a mínima ideia de quem eram os beneficiados, vi gente trabalhando como se estivesse lutando pelos bens de seus familiares.
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Toda essa situação, somada ao olhar de quem nunca tinha perdido algo para as cheias e daqueles que já têm no cotidiano anual a tarefa de erguer móveis e salvar documentos, fez repensar a nossa capacidade de sentir. A cada conversa, como aquela com a dona Lurdes de Conto, que foi salva pelo alerta de sua cachorrinha; como a do Jaime Volken, que era referência para os vizinhos por ter uma casa mais alta; como a do brigadiano Adelar Roque dos Santos, que viu o Bar do Santinho – seu pai – ser transformado em um amontoado de escombros; um choque de realidade.
Adelar, quando chegamos perto do que sobrou da casa, olhava cabisbaixo para a área onde era o Bar do Santinho. Não foi só a estrutura que desmoronou e ruiu. Seu Santos, que dava o nome carinhoso ao estabelecimento, faleceu na noite de terça-feira. Parece que adivinhou que toda a sua história estava sendo desfeita pela força da água e partiu. Não foi em consequência da cheia. Ele já estava internado no hospital.
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Assim, embaixo de toda a lama, sob tanta madeira, tijolos, móveis destruídos, estavam fotografias, histórias, batalhas, estava o trabalho da Maristela Stolben, que viu os mantimentos de seu mercado serem transformados em um amontoado de lixo. E, mesmo diante dessa situação desastrosa e dramática, o que vimos foram pessoas batalhando, contando com o apoio dos demais, mas sem perder a vontade de lutar, sem perder a capacidade de olhar três jornalistas de um Vale vizinho e dizer: “Bom dia!”, quando, na prática, pouco de bom poderia ser conferido naquele ambiente.
Ao perceber a dor sem medida, a solidariedade feita com o coração, sem que importe a divulgação, a entrega do alimento quente para quem não tem mais o teto para chamar de seu, eu relembro o lado humano, cumpro a função de noticiar, entrego a matéria como ela deve ser feita, volto para casa, com a certeza de ter um ambiente quente e agradável e choro.
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