Mãe de quatro filhos varões – um falecido –, avó de seis e bisavó de sete, dona Maria da Glória dos Santos, a Glória, comemora neste domingo uma façanha de poucos: completar 100 anos de vida com saúde e motivos de sobra para celebrar.
O aniversário foi no último dia 1º, mas a festa é agora. A centenária moradora do Distrito de Cruz Alta, quase na divisa entre Rio Pardo e Cachoeira do Sul, é a protagonista de uma vida dedicada à família, guiada pela tranquilidade que, segundo ela, é a receita para ter chegado até aqui.
Dona Glória nasceu em um tempo de dificuldades. A família, pobre na época, tinha um campo e mais nada. Precisava plantar, criar gado e prover o próprio sustento. E Glória aprendeu logo a tirar da terra o que ela e os guris, que vieram com o casamento de 60 anos, precisariam.
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Quando se casou e virou mãe, depois dos 30 anos de idade, já dava uma aula de economia. “Eu levava uma mala cheia de queijo para vender e trazia comida para os guris. Caminhava 11 quilômetros até o Rio Jacuí, onde estavam meus clientes”, recorda. A memória limpa, lúcida, é como o raio de sol que ilumina a fachada da casa de dona Glória, convidando para um chimarrão, à sombra das árvores.
Em uma propriedade que a viu crescer, parir quatro vezes e envelhecer, ela também viveu sua grande história de amor com Manuel Marino de Souza. “Eles (os netos) dizem que eu casei muito velha, mas eu casei na idade certa. Se me perguntar hoje do que eu mais tenho saudade, é dele, do Marino”, conta, emocionada.
Seu Marino morreu há sete anos e, desde então, um dos filhos, Osvaldo dos Santos, mora com dona Glória. “Ela sempre foi uma mãe muito boa. Nunca bateu em nós, foi firme na educação, mas sem castigar”, conta. Dona Glória rebate: “Eu fazia vara de marmelo, sempre tinha uma”. Quiçá o respeito à mãe, à época, fosse o suficiente, e a vara de marmelo apenas um amuleto potencializador dele. “Ela nunca usou esta vara”, revela Osvaldo, em meio ao riso.
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Quem apareceu para ver a mãe dar entrevista à Gazeta do Sul foi o guri mais novo, Romeu dos Santos. Ele tem 61 anos e a diferença dele para Osvaldo, que é o mais velho, é de sete anos. O segundo da prole, Nadir dos Santos, estava trabalhando. Completava o time Valdir dos Santos, que já faleceu.
As receitas para uma vida longa
Nascida em 1º de novembro, dona Glória reza todos os dias, para todos os santos. “Eu nunca imaginei que ia chegar tão longe, e não é que aqui estamos?”, comemora. O gene da família é bom. Um primo dela completará 103 em dezembro.
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Neste domingo, a festa no Distrito de Cruz Alta comemora 203 anos de realizações, de Adão – o primo – e de Glória. “É muito tempo, não é meu filho? Estou feliz. O que vier daqui para a frente, pra mim, é bênção.”
Dona Glória já deixou claro que é importante comer bem. Produtos naturais, como a gordura animal de porco, também. Contudo, o semblante sereno da centenária matriarca rio-pardense denuncia o segredo de sua longevidade. “Eu não me incomodo com nada, meu filho. Tem gente que faz um inferno da vida, duvido que estejam bem com isso. A gente precisa viver bem, e viver bem é não se incomodar.”
O cabelo branquinho, cuidado por um dos netos, que é cabeleireiro em Santa Cruz, guarda a sabedoria do início do século XX. A sapiência de quem alcança os 100 anos e quer apenas viver. “Eu não quero nenhum presente, um beijo e um abraço estão muito bons. Tu estás me dizendo que vai ter festa, eu achei que era só um churrasco. Vai ver que não era para eu saber.”
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Na volta para dentro de casa, pois a sombra da frente da propriedade ficou fria na tarde de primavera, dona Glória entra na companhia dos guris Osvaldo e Romeu. Com seu apoio – é assim que ela chama a bengala, feita de um galho –, dá uma deslizada e se desequilibra, bem pouquinho. “Tu bebeste, mãe?”, indaga Osvaldo. “Parece que sim, né, meu filho? Acho que com essa idade eu posso”, e troca a tensão pelo riso e ensina que este é o elixir dos centenários.
ROTINA TRANQUILA
Dona Glória tem uma vida boa, ela mesma garante isso. Nasceu no Dia de Todos os Santos, comemorado em 1º de novembro, portanto, já tem cem anos e alguns dias. “Eu gosto de comer, e muito. Carne, e de preferência gorda. Quando eu fazia comida, era só com banha de porco”, admite.
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Até hoje, ela passa as tardes na companhia do chimarrão e da Rádio Rio Pardo, além de ouvir as músicas de Teixeirinha. Quando chega a noite, ela desliga o rádio e liga a tevê. “Eu olho a novela, gosto muito.” No tempo do marido vivo, ainda dançava. “Eu tenho muita saudade dele”, repete. Na tela de LED, ela acompanha as histórias de amor, de traição e as “pegações” de hoje em dia.
É olhando para o televisor desligado que dona Glória aconselha, com base nos enredos da ficção: “Estas meninas de hoje precisam estar alertas. Hoje em dia está tudo mudado, é muito mais fácil se perder do que na minha época.” Os netos silenciam na sala, mostrando que a avó falou tudo.