Há quase seis séculos, em 26 de maio de 1432, nos arredores de Caravaggio, pequena localidade da diocese de Cremona, uma aparição de Maria à camponesa Gianneta Varoli originou a devoção à Santa Maria da Fonte, também chamada de Nossa Senhora de Caravaggio. O título é devido ao aparecimento de uma abundante fonte, considerada sagrada, no local da aparição mariana. Até o final do século 16, contudo, tratava-se de um fervor limitado à população local.
A partir de 1580, iniciou-se a construção de um magnífico santuário sobre a nascente de Caravaggio, cidade com 16 mil habitantes a 40 quilômetros de Milão. A ordem havia partido do arcebispo e cardeal Carlos Borromeu (1538-1584). Aqui vale incluir uma breve explicação sobre Borromeu, um “influenciador” de verdade, cuja obra e liderança marcam o catolicismo até hoje.
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Sobrinho do Papa Pio IV, Borromeu ascendeu ao cardinalato antes de completar 30 anos. Apesar do explícito nepotismo (nipote, aliás, significa sobrinho ou neto na língua de Dante), o religioso logo demonstrou piedade incomum, carisma e determinação para revolucionar o catolicismo. Foi o principal articulador do marcante Concílio de Trento, encerrado em 1563, que determinou os princípios básicos da Contra-Reforma, com doutrinas e dogmas significativos para os católicos, incluindo a transubstanciação. Canonizado em 1610, São Carlos Borromeu definiu até mesmo características arquitetônicas das igrejas lombardas, como o tamanho dos portais e as esculturas de dois leões que vemos na fachada de muitas catedrais italianas, símbolo da vigilância episcopal. O cardeal criou ainda um artigo de uso corrente no mobiliário religioso: o confessionário, projetado para limitar o contato entre sacerdotes e fiéis, minimizando eventuais tentações e constrangimentos e, em simultâneo, permitindo um maior segredo e a necessária intimidade, inerentes ao sacramento da reconciliação.
A importância de São Carlos Borromeu – sepultado na cripta da espetacular Catedral de Milão – para a pequena Caravaggio se deu com a decisão do arcebispo de reacender e expandir a devoção à Virgem Maria e, em particular, à aparição de Caravaggio. Em um período que combinou a reação católica à Reforma Luterana, a peste bubônica de 1576, que matou um quarto da população do norte italiano, e o desconforto com a dominação espanhola sobre Milão e a Lombardia, a fé mariana na Madonna di Caravag-gio trouxe força e esperança ao sofrido povo daquela região.
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O legado da fé em Santa Maria da Fonte foi trazido para o Brasil por imigrantes italianos que, em 1879, construíram a primeira capela em homenagem à Virgem, em Farroupilha, hoje ao lado do amplo Santuário de Caravaggio, este concluído em 1960. Curiosamente, o templo da serra gaúcha havia sido edificado para venerar a Nossa Senhora de Loreto, devoção baseada em outro santuário italiano, na costa do Mar Adriático, que aloja a casa em que Nossa Senhora teria vivido em Jerusalém. Porém, quando os italianos terminaram a construção riograndense, não havia uma representação da Madonna di Loreto disponível. Um dos imigrantes apareceu com uma imagem da Madonna di Caravaggio, representação mariana que desde então assumiu o protagonismo. Anualmente, mais de um milhão de pessoas por ano frequentam o local na serra gaúcha, ultrapassando em muito o número de fiéis que visitam a basílica original no velho mundo.
A pequena localidade da região da Lombardia foi também palco da infância de um dos pintores mais extraordinários de todos os tempos: Michelangelo Merisi, mais conhecido como “Il Caravaggio”. Sua vida e sua inigualável obra ficaram igualmente marcadas, tanto pela influência de São Carlos Borromeu quanto pela turbulenta infância do artista na pequena Caravaggio. (continua)
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