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volta às origens

“Porang” é o novo romance do escritor gaúcho Sérgio Schaefer

O escritor Sérgio Schaefer em sua Chácara das Corujas, no interior de Venâncio Aires

O escritor gaúcho Sérgio Schaefer, natural de Santo Cristo, no Noroeste do Estado, e radicado em Venâncio Aires, de certo modo acaba de inaugurar um novo gênero literário: que ele chama de pré-história. O resultado pode ser confirmado em Porang, seu novo romance, que acaba de sair da gráfica sob o selo da editora Traço, de Venâncio Aires. Com 151 páginas, o exemplar está à venda a R$ 20,00. A obra pode ser encomendada ou adquirida na Castelo Livraria e Café, na Rua Júlio de Castilhos, 1.111, sala 4, no centro daquela cidade.

Para seus leitores de longa data, será o reencontro com um estilo e um ritmo de escrita, de forte trabalho com a linguagem, na criação e na recriação de termos, já presente em alguns de seus textos anteriores de ficção. Há, por exemplo, um sutil intertexto com a novela A carta paralela, de 2017, lançada pela Editora Gazeta, em termos de ambiente ou de época histórica que revisita.

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Naquele, aventou a possibilidade de que Pero Vaz de Caminha, ao enviar missiva anunciando a descoberta de uma nova terra, na verdade havia remetido uma segunda correspondência, na qual revela alguns fatos e aspectos não constantes naquela que, no final das contas, foi publicizada e resultou na certidão de nascimento do Brasil.

Agora, em Porang, romance que vinha lapidando ao longo dos últimos anos (retomando um argumento já mais antigo, com o qual trabalhava), volta ao contexto da chegada dos portugueses ao Brasil e à ocupação dessa terra ao longo do século 16. Como sugere um esclarecimento ao final do volume, o narrador das aventuras protagonizadas é um freizinho, afilhado do frei Henrique, como é mencionado.

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A alusão se ajusta ao frade Henrique Soares de Coimbra, bispo português, missionário na Índia e na África e que viajou na frota de Cabral em 1500, vindo na Nau Capitânia. É nada menos do que o responsável por rezar a primeira missa no País, o que teria ocorrido em 26 de abril de 1500.

A sugestão é de que os originais escritos pelo freizinho, afilhado de Frei Henrique, teriam sido guardados pelo padre José de Anchieta. Esse célebre jesuíta os teria recebido de um poranguense, habitante nativo na região da aldeia de São Lourenço, atual cidade de Niterói, no Rio. Porang, ou Poranga, é termo do tupi-guarani que significa, literalmente, bonito, belo.

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O enredo de Porang de certo modo remete aos clássicos romances indianistas de José de Alencar, como O Guarani ou Iracema, revisitando, dessa forma, com uma liberdade de imaginação, o contato pioneiro entre brancos e povos originários da terra que depois se transformaria no Brasil. Sobressaem os elementos decorrentes do contato profundo com a natureza e, a partir disso, a cosmovisão dos nativos, apoiada em suas crenças e seu respeito por animais, aves, toda a fauna e a flora nas quais e com as quais conviviam.

Esse movimento de revisitação de um espaço imaginário, literário, faz parte de praticamente toda a obra de Schaefer. Foi o mote para seu primeiro romance, Zé Divino, o messias, de 1976, e se intensificou no segundo, Rosas do Brasil, de 1989, que pode ser classificado como uma obra-prima. Neste, a partir de um quarteto de personagens, liderado pelo professor Rodovaldo, apropria-se do ambiente de Guimarães Rosa, a quem presta homenagem.

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Num diálogo em especial com Grande sertão: veredas, mas com vários outros livros referenciais de Rosa, Schaefer faz com que Rodovaldo e sua trupe se imaginem vivendo e habitando o universo ficcional do sertão, ainda que se encontrem em outra região do Brasil, no caso, a área central do Rio Grande do Sul.

Em seus livros seguintes, Schaefer exercitou essa mesma proposta de intertexto, paródia ou paráfrase ao fazer com que personagens visitassem a obra de João Simões Lopes Neto, de Mario de Andrade e de James Joyce, entre outros. Mais recentemente, no romance Odisseu e Penélope em Dublin, lançado no início de 2023, aproxima o poema épico de Homero novamente de Joyce, e, neste caso, numa aventura em plena capital irlandesa.

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É Sérgio Schaefer, aos 76 anos, emprestando um novo fôlego, com a marca do bom humor e da descontração, à literatura gaúcha e brasileira. E é uma viagem que, pelo visto, ainda convidará o leitor a visitar (ou revisitar) muitas e belas paisagens.

“Aquele festerê de amores rendeu. E também aqueles que foram acontecendo enquanto seguia a andança que parecia sem fim na direção da grande água. Nada demorou, foram nascendo novos poranguenses. Numa noite de pesado calor, nasceu o Jatobá, frutinho amadurecido na barriga de Taiju e com o nome dessa árvore por causa do pedido de sua minha vó Beiju. Estavam, nesse justo, malocados provisórios no sopé de uma serra. Tempos depois, arranchados na beira de um riacholinho de águas travessas, nasceu uma cunhã, filha do Sapo e da Sabiá. A cujinha recebeu o nome de Pomba-rola, que sua minha mãe Sabiá queria porque queria que ela tivesse um nome de pássaro e porque ali pelo arvoredo em volta, pouco antes do nascimento, dolentavam duas pombas, uma pombando a outra. Sapo não gostou do nome e logo o encurtou para Rola, enquanto Vesga preferiu Pomba. Dali por diante, ficou conhecida por Pomba ou por Rola, tanto fazia.
Chuvinha achou:
– Essa aí não vai dar dor de cabeça para seu pai e sua mãe.
Quevento achou:
– Sei não. Se enquanto Pomba, não vai. Se enquanto Rola, quero ver.”

Ficha:

Porang, de Sérgio Schaefer. Venâncio Aires: Traço, 2023.
151 páginas, a R$ 20,00.

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