Em 25 de julho de 2024 será comemorado o bicentenário da imigração alemã para o Brasil. Diante de uma data tão relevante, a Gazeta do Sul prepara uma série de conteúdos multimídia que serão lançados nos próximos meses. O objetivo é preservar a memória e mostrar quais foram os personagens, os lugares e os momentos mais importantes ao longo dessas décadas e como eles contribuíram para a construção da identidade social, cultural e econômica de diversos municípios e regiões do Rio Grande do Sul.
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Na última terça-feira, 18, a equipe de reportagem foi até a Região Metropolitana de Porto Alegre, em São Leopoldo, para descobrir como tudo isso começou. O município é considerado o berço da colonização alemã no Brasil por ter sediado a primeira colônia, em 1824, e até hoje preserva construções e objetos daquele período. O responsável por elucidar tudo isso é o pastor aposentado, historiador e pesquisador Martin Norberto Dreher. Junto dele, o também historiador e professor Jorge Luiz da Cunha.
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Imigração alemã teve motivos políticos, econômicos e sociais
Antes de tratar sobre a chegada e o estabelecimento dos imigrantes em São Leopoldo, é preciso entender o que os levou a tomar a decisão de deixar a terra natal e atravessar o oceano rumo a um lugar desconhecido. Martin N. Dreher faz questão de destacar que em 1824 ainda não existia a Alemanha unificada em um único país como conhecemos hoje. A região era composta por diversos principados, condados, reinados e ducados independentes entre si, além de territórios que, na época, pertenciam a outras nações.
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“Eu digo que são imigrações de falantes da língua alemã, porque as pessoas que vieram para cá não estavam restritas ao território da atual Alemanha.” Os primeiros que chegaram ao Vale dos Sinos eram oriundos de Schleswig-Holstein, uma região da Dinamarca naquele período, e de Luxemburgo. Havia ainda viajantes das regiões de Tirolo, na atual Itália; da Alsácia-Lorena, hoje na França; e da Boêmia, na atual República Tcheca, além de um grande contingente de imigrantes das atuais Suíça e Polônia.
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Os motivos para essa decisão eram principalmente econômicos, devido à escassez de trabalho para camponeses e artesãos em função do fim da servidão aos feudos e ao início da mecanização da produção. “Com isso, havia multidões de trabalhadores desocupados, e começaram pequenos furtos. Eles então eram levados para casas de correção, de onde só poderiam sair com uma ocupação, algo que não havia perspectiva em uma situação de caos social”, explica Dreher.
Também havia por parte de um Brasil recém-independente o desejo de importar soldados para as fileiras do exército. Para tanto, foi enviado à Europa o ajudante de ordens do imperador e major do Exército Brasileiro Georg Anton von Schäffer, nascido no Eleitorado do Palatinato, uma região da atual Alemanha. “Como a exportação de soldados estava proibida, ele teve que trazê-los misturados às famílias de agricultores.” Assim, os militares formaram dois batalhões de estrangeiros no Rio de Janeiro e os demais foram enviados à colônia de São Leopoldo.
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Dreher ressalta ainda que os assentamentos foram criados para seguir o modelo dos Cossacos, uma população nativa dos atuais Sul da Rússia e da Ucrânia. Nesse sistema, os homens trabalhavam nas propriedades em tempos de paz e se tornavam combatentes em tempos de conflito. Assim ocorreu na Guerra da Cisplatina, na Revolução Farroupilha e na Guerra do Paraguai, em que os imigrantes foram convocados para combater pelo Império do Brasil. “Somente da picada de Dois Irmãos foram levados 40 jovens ao Paraguai, dos quais apenas quatro retornaram.”
Colonos implantaram um novo modelo econômico
Conforme Martin Dreher, para acomodar os imigrantes recém-chegados, o Império destinou lotes com área máxima de 75 hectares nas proximidades do Rio dos Sinos. Essas pequenas propriedades eram um contraste ao modelo agropecuário vigente no Rio Grande do Sul naquele período, composto em ampla maioria pelas sesmarias, terrenos com 1,2 mil hectares e concedidos pela própria Coroa. “Alguns proprietários tinham mais de uma sesmaria, como era o caso da família Teixeira, cujas terras começavam em Montenegro e se estendiam até Caxias do Sul, sempre acompanhando o curso do Rio Caí.”
Outra grande mudança, de acordo com o historiador, é que nesses lotes a célula produtora passou a ser a família, e não mais a mão de obra escrava. “Com isso, uma nova ética de trabalho chegou ao Brasil: a pessoa branca trabalhando na terra com as próprias mãos, funções que até então só eram executadas por africanos e indígenas”, salienta. A adoção da policultura também foi uma quebra de paradigma em um país que, até então, tinha estâncias e fazendas adeptas da monocultura.
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“A produção ia para a mesa da família e gerava excedentes, que eram colocados no mercado de um país que produzia somente para a exportação, como era o caso de café, algodão e cana-de-açúcar”, detalha. Esses alimentos eram coletados e vendidos em armazéns, bem como transportados pelas picadas instaladas ao longo da Bacia do Jacuí, e dos rios dos Sinos, Caí, Taquari, Pardo e Gravataí. O transporte fluvial de mercadorias até Porto Alegre, afirma Dreher, contribuiu de maneira fundamental para o desenvolvimento da Capital.
Mesmo passados quase dois séculos, esse modelo de pequenas propriedades tocadas pelas famílias perdura nas regiões de colonização germânica no Sul do Brasil. Além do Rio Grande do Sul, destacam-se a região de Blumenau e de Joinville, em Santa Catarina, e a região de Rio Negro e de Ponta Grossa, no Paraná, entre outras.
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Uma proposta diferente de vida em comunidade
Outra grande mudança trazida pelos imigrantes, de acordo com Martin Dreher, foi a composição das comunidades. Os europeus eram, em grande maioria, alfabetizados, de modo que todos os assentamentos giravam em torno de uma igreja, uma escola e cemitérios. Ele enfatiza que eram, normalmente, dois cemitérios em cada picada. Essa decisão decorria da divisão religiosa entre católicos – a crença predominante no Brasil daquele período – e dissidentes religiosos, os chamados protestantes.
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“Como os cemitérios eram administrados pela Igreja Católica, não havia lugar para enterrar os não católicos.” Assim, diz Dreher, quando os primeiros falantes de língua alemã morreram, ainda no Rio de Janeiro, foi preciso encaminhar um ofício ao bispo para que ele pudesse “desbenzer” uma parte do local, onde esses mortos poderiam ser enterrados.
O pioneirismo também se estendeu para a área educacional, com a fundação de mais de 1,4 mil escolas comunitárias. “Isso em uma época em que o Rio Grande do Sul tinha somente um educandário mantido pelos cofres públicos, que era o atual Colégio Militar de Porto Alegre.” Nos anos seguintes à construção do novo assentamento, era costume a instalação de uma casa comercial e de um salão de bailes, onde eram realizadas as celebrações e as demais reuniões daquelas populações.
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Imigração e o papel fundamental na formação econômica da região
Se hoje as regiões do Vale do Rio Pardo, do Vale do Taquari e do Vale dos Sinos possuem atividades agropecuárias e industriais de grande destaque, muito disso se deve aos imigrantes. Segundo Dreher, o tabaco – originário das américas – foi levado para a Europa, onde se desenvolveu, e trazido de volta pelos colonos em forma de sementes. No Rio Grande do Sul, eles cultivavam as variedades Virgínia e Amarelinho para consumo próprio, como charutos ou cigarros de palha. Nas décadas seguintes, essa produção se intensificou e passou a ser exportada para outras partes do Estado.
Em razão dos diversos conflitos em que o Império do Brasil estava envolvido no século 19, como a Guerra Cisplatina e a Guerra do Paraguai, teve início uma produção orientada de itens para suprir os militares, como farinha de mandioca, embutidos de carne suína, cachaça e artigos em couro, como botas, selas e arreios. “Essa é uma característica que faz a gente entender por que a indústria coureiro-calçadista se desenvolveu tanto no Vale do Sinos, enquanto o mesmo ocorreu com o tabaco no Vale do Taquari”, afirma Jorge Luiz da Cunha.
Outra curiosidade é o arroz, até então pouco difundido e consumido no Estado e no Brasil. “Os falantes de alemão faziam, para fins de semana e confraternizações, uma sobremesa muito tradicional que era o arroz-doce, com grãos importados da região da Lombardia, na Itália”, frisa Dreher. Assim, começou o cultivo nas colônias para terem acesso a essa iguaria. O atual município de Igrejinha foi o primeiro a receber as lavouras. Com o sucesso na adaptação da cultura, aos poucos ela foi substituindo a farinha de mandioca na base da alimentação da população.
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