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“O Brasil tem muito a aprender com a China”, afirma professor da UFRGS

De longa data, o professor Paulo Gilberto Fagundes Visentini é um dos mais atentos e perspicazes observadores da conjuntura internacional, em um olhar que costuma ter a África, o Oriente Médio, o mundo árabe e a Ásia (nela, em especial, a China) no radar. Aos 68 anos, atua como professor titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), função que ocupa desde 2006.

No entanto, leciona nessa instituição de ensino desde 1979, antes até mesmo de ter concluído a graduação em História, na mesma universidade, o que ocorreria no ano seguinte. Em sua caminhada de aperfeiçoamento, fez o mestrado em Ciência Política ainda na Ufrgs, em 1983, e doutorou-se em História Econômica, desta vez pela Universidade de São Paulo (USP), em 1993. Atualmente, é também coordenador do Núcleo Brasileiro de Estratégia e Relações Internacionais (Nerint). Na Ufrgs, foi ainda diretor do Instituto Latino-Americano de Estudos Avançados e secretário de Relações Internacionais da Reitoria, bem como fundou, nela, o Centro Brasileiro de Estudos Africanos (Cebrafrica).

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Ao mesmo tempo em que compartilha conhecimentos com diferentes gerações de estudantes, e em que atua como orientador de estudos e pesquisas de muitos deles, ainda se empenha na divulgação desses trabalhos, o que resultou em dezenas de livros de leitura referencial tanto na História quanto em outras áreas. As relações internacionais estão sempre no cerne dessas reflexões.

Em 1994, Visentini integrou missão acadêmica do Ministério das Relações Exteriores/Itamaraty à China, e, após isso, retornou ao país asiático em diversas ocasiões. Dez anos depois, como secretário de Relações Internacionais da Ufrgs, gestionou o primeiro acordo de cooperação acadêmica com universidade chinesa no Rio Grande do Sul, oportunizando intercâmbio de estudantes. Ao mesmo tempo, a Ufrgs tem o Instituto Confúcio, junto ao qual, em meio a diversos projetos ou ações, é mantido um Programa de Ensino de Língua Chinesa.

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Por conta da especialização em estudos asiáticos e dos conhecimentos sobre a China, Paulo Visentini concedeu entrevista à Gazeta do Sul, na qual, por e-mail, respondeu a uma série de questões associadas à recente missão oficial do governo brasileiro à China. No entender dele, para o Brasil como um todo, e para o Rio Grande do Sul em especial, a predisposição chinesa de realização de investimentos no exterior deve ser de total interesse, justamente pelas áreas em que tais aportes ocorrem, como a de infraestrutura, por exemplo.

Entrevista – Paulo Gilberto Fagundes Visentini, professor universitário

  • Gazeta do Sul – Como o senhor enxerga esse movimento de aproximação que o governo brasileiro, na gestão do presidente Lula, está fazendo com a China?
    Paulo Visentini – Trata-se de uma sinalização de vontade política da parte do Brasil, que foi negligenciada no governo anterior. Como membro do Brics, cujo PIB ultrapassou o do G-7 em 2019, o Brasil deve ser mais assertivo no único agrupamento em que tem posição relevante. É o polo de crescimento da economia mundial, do qual não podemos estar afastados, sob pena de outros ocuparem nosso lugar. A China faz negócios com todo mundo, inclusive com países que reconhecem Taiwan. Mas teríamos uma posição melhor para negociar, definindo as áreas de nosso interesse.
  • O que podem constituir ganhos imediatos e o que poderia advir a médio e longo prazos dessa aproximação?
    O mundo atravessa uma crise econômico-financeira preocupante e necessitamos ter maior poder de barganha, garantindo mercados, investimentos e cooperação tecnológica, que seriam ganhos de curto prazo. Como fez Vargas nos anos 1930, há que exercer poder de barganha, com ganhos de médio e longo prazo. Historicamente fomos dependentes das potências do Atlântico Norte; agora, a Ásia, que concentra dois terços da população mundial, emerge, com dinamismo econômico.
  • Hoje, o que a China representa para o Brasil? O senhor entende que o Brasil é, também para a China, parceiro estratégico?
    A China é a locomotiva da economia mundial, bem como pivô da Ásia, e, para nosso interesse, temos que ter vínculos privilegiados. Por outro lado, um Brasil estável e em crescimento seria um parceiro privilegiado para a China, tanto econômica quanto diplomaticamente, para configurar uma nova ordem mundial de paz e desenvolvimento.
  • E o Rio Grande do Sul, o senhor entende que pode e deve se beneficiar com um maior e melhor relacionamento com a China?
    O tipo de investimento que a China proporciona é de nosso interesse, pois carecemos de infraestrutura de transporte (rodovias, ferrovias, portos e hidrovias), energia e melhorar a qualidade de nossos produtos. Temos uma agropecuária diferente do resto do Brasil e poderíamos exportar produtos de qualidade europeia sem o custo do Euro, pois a Ásia já demanda bens de consumo para a classe média.
  • A presença chinesa é mais forte e efetiva em quais setores ou segmentos no Brasil?
    Pergunta difícil de responder, pois eles fazem parcerias ou atuam, inclusive, através de empresas registradas em outros países. Mas o que é mais recente, além da agricultura e da mineração, é infraestrutura, energia, veículos e serviços, como a tecnologia 5G. As nossas bases econômicas ficaram muito defasadas nos últimos 30 anos e a cooperação com a China poderia, por exemplo, atualizar nossa base industrial. Nossos velhos parceiros não têm mais o dinamismo e o interesse do passado.
  • Em termos de geopolítica global e de mercados, como o senhor enxerga a China perante o mundo? Além do embate direto com os Estados Unidos, que outros elementos se salientam nessa presença chinesa nos diversos continentes?
    A China não tem o objetivo de substituir os EUA como uma potência que domina o mundo, o que tem custo e não acaba bem. Eles têm um quinto da população mundial e desejam um PIB equivalente, como foi há dois séculos. Sempre foram uma potência asiática e hoje eurasiana e seu avanço se deve não apenas a um esforço interno, mas ter conectado seu desenvolvimento com as regiões pobres e negligenciadas do planeta. A África, por exemplo, hoje tem o maior crescimento econômico relativo. Os EUA foram responsáveis pelo avanço da economia da China, que não deseja conflito. Mesmo que seu PIB ultrapasse o norte-americano, os EUA ainda terão um PIB per capita incomparavelmente mais alto. A estratégia de gerar um conflito militar faria o mundo retroceder, como aconteceu com a Europa com as duas Guerras Mundiais. Kissinger, com seus 100 anos, não cansa de alertar para o risco e defende uma acomodação, até porque a presença econômica chinesa já é global.
  • Como o senhor avalia a filosofia ou os princípios que norteiam a China em sua relação com o mundo com a filosofia ou os princípios ocidentais?
    A China não é apenas um país extenso e populoso, mas uma civilização com quase cinco milênios de história contínua. Tem experiência, codificada na filosofia confuciana, em que a família, a disciplina, o trabalho, o respeito à autoridade e a nação, dimensões coletivas, estão acima do individualismo, típico da civilização de língua inglesa. Por 200 anos a China sofreu e aprendeu. A Revolução foi nacionalista e seu projeto socialista tinha que passar primeiro pelo mercado, vencendo o milenar isolamento do “Império do Centro”. Controlou a explosão demográfica e enviou centenas de milhares de estudantes para conhecer outros países e suas técnicas. Comete erros, mas os corrige. Mais que um país, a China oferece um paradigma estratégico. Já o Ocidente necessita se repensar.
  • O senhor entende que a academia (universidades, graduação e pós-graduação), no Brasil, presta devida atenção à China ou prepara devidamente os futuros profissionais para estarem em condições de atuar num cenário de maior presença e influência chinesa? O que é preciso mudar nesse cenário?
    O interesse pela China demorou a chegar no Brasil, que só lia manuais europeus e norte-americanos de ocasião sobre a economia chinesa. Agora temos especialistas, muitos fluentes em mandarim, e que começam a compreender a China. Mas eles nos entenderam primeiro. Acho que sempre houve uma percepção de desprezo e, agora, temor, enquanto outros têm uma admiração ingênua. Cada um tem a sua China e o Brasil, gigante do Sul, deve desenvolver uma percepção própria sobre o gigante do Norte. Estamos no caminho, mas devagar…
  • O modelo de gestão e de atuação chinesa nos mercados e em termos de estabelecimento de parcerias agrada ao senhor, em uma avaliação mais pessoal?
    A China é como fogo, pode aquecer ou queimar. Como as demais nações que se industrializaram, seus agentes podem ser afoitos e predatórios, se não soubermos negociar. Países fracos impuseram condições e eles aceitaram, como vi na África. Eles aprenderam a arte da negociação e não se envolvem nos assuntos internos dos outros. Querem bons negócios já, e um mundo estável e próspero em seguida, e, para tanto, precisam de parceiros equivalentes.
  • Por fim, o que o Brasil poderia ganhar em termos culturais com essa aproximação?
    O Brasil, além de negociar, pode aprender com a China a noção de projeto e identidade nacionais (temos complexo de inferioridade) e desenvolver um pensamento realmente estratégico. Eles nos oferecem essas ideias, discretamente, mas não conseguimos enxergar.

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