O suposto suicídio de um homem de 47 anos em 30 de agosto de 2018, em uma propriedade rural de Mato Leitão, foi o início de uma investigação que nem a Polícia Civil imaginava aonde chegaria. A vítima, que trabalhava em um frigorífico na cidade, morreu em casa. A necropsia apontou envenenamento pelo pesticida carbofurano, usado no solo para evitar o ataque de pragas. No depoimento, a então companheira afirmou que ele estava depressivo e tinha dito que não queria mais sentir dor. Teria ido até um galpão tratar os animais e voltado passando mal, vomitando, vindo a falecer no fim da tarde.
Inicialmente, as forças de segurança não deram muita importância e acreditaram que o caso era só mais um a entrar para a alta taxa de suicídios no Vale do Rio Pardo. Mas outra situação, em 2021, deu novo rumo a essa investigação. Causou estranheza aos agentes a morte suspeita de Noêmia Stoll, de 51 anos, moradora de Mato Leitão que desaparecera em 27 de abril daquele ano. Ela foi encontrada três dias depois, boiando no Arroio Castelhano, em Linha Olavo Bilac, interior de Venâncio Aires.
RELEMBRE:
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A necropsia detectou altas doses do antidepressivo Diazepam, o que indicava novamente a possibilidade de um suicídio. Mas a Polícia Civil de Venâncio Aires encontrou algo em comum: a companheira do homem morto em 2018 também era amiga de Noêmia. A Gazeta do Sul conta a seguir uma investigação traçada em sigilo que culminou, nessa sexta-feira, 30, no indiciamento de uma mulher pelos dois assassinatos. No interior de Mato Leitão, ela é conhecida pelo apelido de Viúva Negra.
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Cápsulas vazias na farmácia
A investigação do caso de Noêmia Stoll partiu da identificação da causa da morte, pela medicação em excesso. A descoberta da proximidade da vítima com uma mulher, que era sua amiga e se dizia enfermeira e cuidadora de idosos, levantou suspeitas. “Descobrimos que a vítima tinha sido atraída até a casa dessa mulher na data do desaparecimento e havia sido levada até o arroio por ela. Em depoimento, a suspeita não negou esse fato, mas afirmou que não tinha relação com a morte”, comentou o delegado Paulo César Schirrmann.
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Os policiais civis, então, descobriram que anos antes a mulher, atualmente com 62 anos, havia vendido um terreno no interior de Mato Leitão para o marido de Noêmia. Apesar de serem amigas, a suspeita insistia que antes de o companheiro da vítima morrer, ele teria revendido para ela, e quis ficar com a propriedade. Noêmia não aceitava, pois afirmava que não tinha conhecimento de algum negócio que tivesse sido firmado.
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Durante a investigação, os policiais civis conseguiram comprovar que a suspeita havia comprado o antidepressivo Diazepam e cápsulas vazias em uma farmácia. “Esse fato soou estranho. Muitas pessoas nem sabem que é possível comprar cápsulas vazias na farmácia. Em depoimento, a autora admitiu a compra, mas disse que foi para diluir um remédio que ela achava ruim”, salientou Schirrmann.
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A suspeita chegou a falsificar papéis e tentava forçar a vítima, sem sucesso, a fazer um documento oficial que comprovasse que ela tinha adquirido de volta o terreno. Para a polícia, no dia 27 de abril de 2021, as cápsulas compradas na farmácia teriam sido preenchidas com o farelo de comprimidos de Diazepam amassados e foram dadas a Noêmia pela autora. “Não há registro de que a vítima tomava esse tipo de medicamento regularmente”, complementou Schirrmann.
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Conforme a investigação, para concretizar a venda fraudada, a suspeita administrou os medicamentos após atrair a vítima para sua casa. Depois de sedada, Noêmia foi levada no veículo da autora até o arroio onde foi encontrada morta.
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Casa doada dois meses antes da morte
O caso de Noêmia Stoll ligou o alerta da polícia. “Começamos a analisar pessoas próximas à suspeita e vimos esse suposto suicídio do marido”, comentou Schirrmann. O homem havia iniciado um relacionamento com ela em 2010. A mulher era cuidadora dos pais dele. “O perfil dele era de solteirão, sem filhos, o que ela procurava”, salientou o delegado. Chamou a atenção dos agentes o fato de o homem ter doado para ela, dois meses antes da morte, o imóvel que havia herdado dos pais, no interior de Mato Leitão.
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Segundo o delegado, a narrativa da suspeita era fantasiosa e cheia de contradições. Conforme a mulher, ela fazia bolinhos na cozinha quando o marido chegou e tomou chimarrão. Depois, ele teria ido ao galpão, tomado o veneno e passado mal. “Ela falou que ele ainda teria feito outras atividades, como tratar animais, antes de ficar mal. Isso não existe, porque esse veneno tem reação instantânea”, observou.
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Após a doação do imóvel, o casal passou a apresentar problemas de relacionamento, a ponto de a suspeita ir residir na cidade enquanto a vítima se mantinha na propriedade, no interior. Conforme Schirrman, o homem teria confidenciado a um vizinho que, mesmo com ela sendo a dona da casa, ele não iria sair do imóvel. “Por isso, ela o matou. No dia do fato, ela aguardou que morresse, não chamou polícia e nem unidade de saúde, e acionou mais tarde um vizinho. Este que chamou uma ambulância”, salientou o delegado.
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Segundo familiar, houve mais vítimas
Conforme os policiais, o apelido de Viúva Negra – referência ao nome de uma aranha que pratica canibalismo sexual, com a fêmea devorando o macho após a cópula – teria sido dado à mulher em virtude da suspeita de moradores de Mato Leitão, de que ela cuidava de idosos e tinha relacionamento com pessoas que rapidamente morriam de supostas causas naturais. Depois, ela auferia vantagem financeira das vítimas. “Muitos desses casos ficaram para trás e estamos tentando reabrir, mas já provamos o envolvimento dela nesses dois. Existe um comentário da zona rural de que ela matou esse homem e está envolvida em outros crimes, o que fez com que tivesse o apelido de Viúva Negra”, comentou o delegado Schirrmann.
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Um dos mais experientes investigadores na região, Paulo Roberto Ullmann atuou na produção de provas e apurou alguns dos principais elementos no inquérito. Com 41 anos dedicados à Polícia Civil, relatou nunca ter visto casos como esses dois investigados. “Pessoas que estavam sob os cuidados dela morreram de forma estranha. Todas as atitudes levam a crer que ela matou essas duas vítimas em momentos totalmente distintos. Ainda estamos buscando informações passadas, mas com o andar do tempo, se torna mais difícil.”
Durante a investigação, um familiar da autora revelou detalhes da atuação criminosa da mulher, e que Noêmia seria a quarta ou quinta vítima. A Gazeta teve acesso ao depoimento, o qual dizia que a mulher não era confiável. “Vivia de ‘trampos’ e ilegalidades e se aproximava de pessoas para se apropriar de seus bens materiais.”
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A acusada, que teve o nome mantido em sigilo pelas autoridades policiais, foi indiciada por dois homicídios duplamente qualificados, com as qualificadoras – dispositivos que podem ampliar a pena – de meio cruel (envenenamento) e motivo fútil (vantagem financeira). Caso venha a ser denunciada pelo Ministério Público, poderá responder pelos crimes em júri popular. O nome do ex-marido também foi preservado pela polícia.
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