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Decisão

Agricultor é absolvido da acusação de manter casal em condição análoga à escravidão

Foto: Alencar da Rosa

Advogado Roberto Weiss Kist realizou a defesa de Sérgio Volnei no processo criminal

“Para um cara de bem, não é fácil passar três dias preso, sofrendo lá dormindo na pedra.” Em 28 de maio de 2020, o agricultor Sérgio Volnei Dorr, então com 52 anos, foi preso em flagrante pela Brigada Militar. A ação ocorreu após uma denúncia anônima, recebida pela então Patrulha Comunitária do Interior (PCI). Ele estava sendo acusado de reduzir um casal a condição análoga à escravidão dentro de sua propriedade, em Linha Rincão de Souza, no interior de Venâncio Aires.

Levado até a Delegacia da Polícia Federal (PF) de Santa Cruz do Sul para prestar esclarecimentos, foi depois conduzido à Penitenciária Estadual de Venâncio Aires (Peva), onde permaneceu por três dias em uma cela. A detenção foi noticiada pela Gazeta do Sul e Portal Gaz. Posteriormente, ele passou a responder o processo em liberdade. Foi indiciado pela PF e denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF). Hoje, passados pouco mais de três anos, o procedimento do caso foi concluído.

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Como pouco vem acontecendo nos últimos tempos em processos que analisam casos do tipo, Sérgio Volnei Dorr foi absolvido de todas as acusações criminais impostas a ele. Segundo a denúncia do MPF, a partir do ano de 2015 até 28 de maio de 2020, Sérgio, atualmente com 55 anos, teria reduzido um casal – um homem atualmente com 32 anos e uma mulher de 42 – a condição análoga à escravidão, sujeitando os dois a situações degradantes de trabalho.

O casal, que morava em uma casa dentro da propriedade do acusado, seria responsável por trabalhar na lavoura do agricultor, no trato do tabaco, gado, roçada, corte de lenha e outros serviços. De acordo com a denúncia do MPF, o réu pagava a quantia de R$ 10,00 por semana pelo trabalho. Além disso, ele tinha retido o cartão do Benefício de Prestação Continuada da mulher e apoderava-se dos valores.

“O denunciado, de forma dolosa, sujeitou os empregados a condições degradantes de trabalho, explorando sua mão de obra sem contraprestação e mantendo-os em precaríssimo estado de labor, segurança, higiene e alimentação, colocando a saúde e a integridade física destes em risco”, dizia parte da denúncia, que foi recebida pela Justiça em 16 de setembro de 2022.

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O MPF pleiteou a condenação de Sérgio Volnei. Já a defesa do réu, formada por uma bancada do escritório Agostini Kist Böhm & Kist (AKBK) Advogados, de Santa Cruz do Sul, sustentou que ele não cometeu o crime que lhe é imputado nos autos.

Argumentou que não restou comprovado efetivamente o dolo no cometimento do delito. “Muito pelo contrário, o que veio aos autos é a grande maioria das falas abonando a conduta do réu”, afirmou a defesa. Entre as testemunhas que prestaram depoimento à Justiça sobre o caso estavam o casal, o acusado, três policiais militares, uma auditora fiscal do trabalho, uma assistente social e três vizinhos de Sérgio Volnei Dorr.

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A decisão

A Gazeta do Sul teve acesso ao despacho assinado pela juíza federal Maria Cristina Saraiva Ferreira e Silva, titular da 5ª Vara Federal de Novo Hamburgo. A magistrada relata que não há dúvidas de que o casal vivia em condições degradantes, que o homem enfrentava sérios problemas relacionados ao uso abusivo de bebidas alcoólicas e a mulher se sujeitava a tratamento médico, devido a problemas mentais. Por isso, não possuíam o mínimo necessário para manutenção de uma vida digna.

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“No entanto, analisando a prova colacionada aos autos, entendo que há sérias dúvidas acerca da existência de uma efetiva relação de trabalho, prestado com regularidade e subordinação, entre o acusado e as supostas vítimas, na época em que realizada a diligência. Como se vê dos relatos das testemunhas, especialmente do acusado e da própria vítima, o homem não prestava serviços regularmente para Sérgio, tanto é assim que ele referiu laborar nas propriedades rurais vizinhas à área do réu, recebendo por seu trabalho em torno de R$ 50,00, por dia”, ressalta.

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Conforme a juíza federal, foi possível concluir, a partir dos depoimentos colhidos, que o casal podia se retirar da propriedade de Sérgio quando desejasse, sem que houvesse restrição da liberdade. “É plausível a versão apresentada pelo réu de que as péssimas condições de higiene evidenciadas tenham sido criadas pelo próprio casal. Conforme anteriormente referido, o homem é alcoólatra e a mulher tem deficiência intelectual, o que pode ter contribuído para o agravamento da situação precária que se encontravam, na época”, diz parte da decisão.

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Ainda de acordo com a magistrada, há inclusive relatos de que o homem teria colocado fogo nas roupas da mulher, o que foi confirmado por ela, além de constantes discussões e agressões físicas envolvendo o casal. “Não resta outra conclusão possível e razoável para o presente caso, se não a de que não existem elementos capazes de comprovar a ocorrência do crime”, finalizou Maria Cristina Ferreira e Silva, confirmando a absolvição de Sérgio Volnei Dorr.

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A reportagem entrou em contato com o Ministério Público Federal, com sede em Santa Cruz, que tem Venâncio Aires em sua área de abrangência. A entidade preferiu não se manifestar a respeito do caso.

“A justiça foi feita”, afirma agricultor

A reportagem da Gazeta do Sul foi recebida na sede do AKBK Advogados e conversou com Sérgio Volnei Dorr. O homem fez questão de conceder uma entrevista e relatar o alívio com a absolvição. Emocionado, relembrou os momentos em que a esposa, de 48 anos, e os dois filhos, de 27 e 28 anos, tiveram que passar ao vê-lo ser preso.

“Tentei ajudar essas pessoas, e no fim viraram contra mim. Mas a justiça foi feita agora. Sempre fui inocente, nunca fiz nada de mal pra ninguém. Lembro de muita gente me xingando, sem saber do que aconteceu mesmo. Minha família sofreu bastante, nem eles e nem eu dormiam naqueles dias da prisão. Agora é seguir, sempre trabalhei como agricultor e vou continuar.”

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O advogado Roberto Weiss Kist, que coordenou a defesa do agricultor, afirmou que acompanhou o caso desde o primeiro dia. “Esse senhor foi massacrado nas redes sociais por pessoas que não tinham total conhecimento dos fatos. Por esse motivo ele mesmo decidiu expor essa vitória nos jornais. Nossa equipe trabalhou bastante desde o dia em que esse senhor foi preso. Sabíamos que se tratava de uma pessoa séria, trabalhadora e de família honesta”, comentou o criminalista.

“Tínhamos certeza de que ele jamais iria colocar alguém em uma condição análoga à de escravidão. A sentença de primeiro grau apenas veio para confirmar o que dizíamos desde o início. Destaco que ainda há prazo para que Ministério Público Federal ofereça recurso da decisão, e respeitamos muito o trabalho da acusação. Todavia, acreditamos ter sido extremamente acertada a sentença de primeiro grau”, complementou.

O advogado Marcus Agostini, responsável pela área trabalhista do AKBK Advogados, e que também está à frente do caso, informou que a situação também é investigada perante a Justiça do Trabalho. “A ação que tramita na Justiça do Trabalho ainda não foi julgada, mas vejo como positiva a decisão de absolvição proferida no processo criminal, que certamente contribuirá para o esclarecimento dos fatos na esfera trabalhista”, salientou.

Marcus Agostini atua na parte trabalhista do processo | Foto: Alencar da Rosa

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