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308 ANOS DE CONDENAÇÕES

As histórias por trás da investigação que quebrou paradigmas na região

Foto: Cristiano Silva

Delegado Anderson Faturi e comissário Alessandro Lorenzoni Simões mostram os inquéritos dos casos que culminaram na megaoperação Tentáculos, deflagrada em 2020

O ano era 2020. A pandemia tomava conta do mundo. Enquanto os países tentavam achar uma solução para a Covid-19 – a vacina seria aplicada pela primeira vez em 8 de dezembro, em uma idosa no Reino Unido – os municípios e Estados lidavam com os problemas do dia a dia. E em Rio Pardo, não se falava em outra coisa que não a crescente onda dos crimes de homicídio. Foram 21 casos naquele ano, número fora da realidade para uma cidade de pouco mais de 38 mil habitantes. Para se ter uma ideia, em termos de comparação, houve seis assassinatos em 2019. E essa discrepância mexia com o brio da polícia.

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Na época, a cidade estava sendo cotada para entrar no programa RS Seguro, do governo estadual, onde estão os municípios com maiores índices de criminalidade. Sabia-se que a base dos assassinatos estava ligada a um grupo criminoso que comandava o tráfico de drogas. E foi ao longo de 2020, em meio à pandemia e uma reforma realizada pelos próprios policiais na delegacia, que cinco agentes da Polícia Civil de Rio Pardo desencadearam uma investigação que culminou, no dia 10 de dezembro, na histórica megaoperação Tentáculos. Naquela manhã, mais de 200 policiais de todo o Estado ocuparam o município, e o bando chefiado pelo apenado Jéferson Juliano Vedói, de 43 anos, levaria um tombo grande. De lá para cá, as penas para os denunciados chegam a 308 anos.

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A Gazeta do Sul detalha a seguir, na décima reportagem da série Casos do Arquivo, os bastidores e desdobramentos jurídicos da investigação que mudou o rumo da segurança na Cidade Histórica e quebrou paradigmas na região.

No whats, um “Esse velho tem que morrer”

O delegado Anderson Faturi e o comissário Alessandro Lorenzoni Simões, dois dos pilares da megaoperação Tentáculos, receberam a Gazeta do Sul e relembraram alguns dos bastidores da operação. Segundo o titular da Delegacia de Polícia de Rio Pardo, a investigação iniciou-se com o homicídio de Lindomar Thomaz, de 41 anos, ocorrido em 25 de abril de 2020, no Bairro Vila Pinheiros. Na época, um áudio de WhatsApp atribuído a Jéferson Juliano Vedói dizia: “Esse velho tem que morrer”. O alerta foi ligado.

“Investigamos esse caso, pedimos a preventiva dele e de outros envolvidos, mas não levamos. A partir disso, passamos a monitorar os investigados e realizamos a interceptação de celulares, para apurar detalhes. Começamos com dois telefones, depois passaram para quatro, viraram seis, dez e chegaram a 18. Isso entre quatro pessoas, depois cinco agentes apurando as escutas. Em meio ao lockdown, todo mundo em casa, e nós na delegacia, com a nossa equipe, eu incluso, trabalhando na reforma. Fazíamos serviço da polícia, trocávamos de roupa e íamos para a obra. Essa foi a nossa realidade no ano de 2020”, explicou Faturi.

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O aumento no número de pessoas ligadas a Vedói deu corpo à investigação. O comissário Alessandro explicou a origem do nome Tentáculos. Ao todo, 55 pessoas foram identificadas como envolvidas no bando. “Aos poucos, fomos identificando os colaboradores do grupo. Tinha um com total posição de mandante, com mãos de ferro, que era o Vedói. Os demais eram os braços, como se fossem os tentáculos dessa cabeça criminal pensante. Por isso demos esse nome”, disse o comissário.

Conforme os policiais, enquanto a investigação seguia, mais mortes iam acontecendo, por disputas por pontos de drogas ou mesmo traições de subordinados. “Matar era a forma que ele tinha de demonstrar poder”, salientou Faturi. Já no início de agosto, os policiais estavam por finalizar a investigação. Já tinham subsídios para incriminar uma boa quantidade de indivíduos. O delegado, porém, acreditava que poderia coletar mais elementos. Foi quando, já ao fim daquele mês, uma morte misteriosa, com requintes de crueldade, foi registrada e deu novo rumo ao trabalho dos investigadores.

Os detalhes da morte do motorista de aplicativo

Motorista de aplicativo, Patrick Brum Dall Ongaro, de 30 anos, natural e morador de Cruz Alta, viajou até Rio Pardo em 28 de agosto de 2020. Mal sabia que estava sendo atraído para a morte. O caso gerou grande repercussão na época, principalmente porque ele foi dado como desaparecido por familiares em sua cidade natal. O corpo foi encontrado na manhã de 10 de setembro de 2020, nas margens da estrada geral da localidade de Passo do Adão. O cadáver sugeria uma morte brutal, e foi o que a polícia encontrou.

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No celular apreendido com uma das mulheres investigadas no curso do inquérito, os policiais civis encontraram dois vídeos. Neles, seis pessoas participam de uma ação cruel, na qual Patrick agoniza após ser degolado com uma faca de cozinha. A Gazeta do Sul teve acesso aos dois vídeos da execução de Patrick, feitos pela quadrilha. Conforme a Polícia Civil, as imagens foram gravadas a mando de Vedói, que queria assistir ao assassinato de dentro do presídio.

À reportagem, pela primeira vez, a Polícia Civil detalhou qual a real motivação por trás do crime brutal. Patrick foi denominado no mundo do crime como sendo um “talarico”, que se envolve com a mulher de outro. “Ele era comerciante, perdeu o emprego e começou a se envolver com drogas e trabalhar como motorista de aplicativo. Nesse tempo, teve um breve relacionamento com uma menina que era companheira de um traficante presidiário de Cruz Alta. Esse preso ficou sabendo e pediu ao Vedói a morte dele”, explicou Faturi.

Quatro assassinatos na famosa casa verde

O plano imaginado por Dall Ongaro era de que ele levaria uma quantidade de drogas para Rio Pardo e voltaria com dinheiro. Foi atraído até um imóvel e assassinado de forma brutal. “Nessa execução, o Vedói monitorou os seis que mataram a vítima. Eram dois menores e quatro adultos. Dizia para um ficar aguardando, outro para render e derrubar, outro matar. O motorista de aplicativo nem esboçou reação, não entendia o porquê daquilo. Morreu sem nem saber o motivo”, enfatizou Faturi.

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“Tenho 51 anos de idade, 28 de polícia, e foi uma das piores coisas com que eu já me deparei”, disse o comissário Alessandro, sobre os vídeos da execução. “Essas imagens me tiraram o sono algumas noites. Nós tivemos que assistir não por curiosidade, mas para enxergar com olhos de investigador. Tivemos que assistir várias vezes, escutar, identificar as pessoas, as vozes, vestimentas, tatuagens. E no meio disso acontece a execução”, salientou Faturi.

“Perguntaram na época por que não deram um tiro nele e acabaram logo com isso. Simplesmente porque a ordem era degolar e matar devagarinho, com sofrimento. E os subordinados não pensam, só agem, nesse alinhamento de plano maléfico”, complementou o delegado. Os sete envolvidos – seis executores e o mandante – foram indiciados e processados. Atualmente, aguardam julgamento do caso. Patrick foi assassinado sobre um piso ladrilhado de uma residência que, mais tarde, seria identificada como a casa verde, ponto dos assassinatos.

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Peça central na investigação, o imóvel no Bairro Vila Pinheiros foi a base para pelo menos quatro assassinatos, incluindo o do motorista de aplicativo Patrick Brum Dall Ongaro. E as mortes eram brutais. Segundo relatado por Faturi e Simões, outro homicídio no local foi o de Luiz Fernando Franco, o “Meio Kilo”, de 20 anos, ocorrido em 10 de julho de 2020.

Ele teria dormido na residência e foi degolado e enrolado no próprio colchão. Seu corpo foi jogado em uma uma lagoa no balneário Porto Ferreira. O motivo do crime seria que ele, mesmo sendo membro do grupo de Vedói, não quitou uma dívida de tráfico de drogas e pagou com a morte.

Faccionado ou não faccionado?

Chamou a atenção dos investigadores a facilidade que Jéferson Juliano Vedói tinha para usar celulares dentro das penitenciárias. Era a maneira dele coordenar seus subordinados. “Quando ele estava na Penitenciária Estadual do Jacuí, falei com o diretor que queria apreender o celular, e ele nos explicou que não tinha como entrar na galeria. Ou entrávamos com cem homens para achar, ou pedíamos a uma espécie de prefeito da galeria, que intermediaria a entrega. Aí eu perguntei qual a garantia de que seria o celular dele, e ele me disse que não tinha garantia. Então desisti desse plano”, contou Anderson Faturi.

Depois, Vedói foi para a Penitenciária Modulada de Ijuí, onde estava quando a operação Tentáculos foi deflagrada. Demorou uma semana apenas para conseguir outro smartphone. “No cumprimento do mandado, para minha surpresa, ou não, não acharam celular com ele”, frisou Faturi. Depois, foi transferido para a Penitenciária Estadual de Arroio dos Ratos. Um fato curioso foi quando Polícia Civil, Ministério Público e Poder Judiciário representaram pela transferência do investigado para um presídio federal.

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“Me foi dito que ele não tinha perfil, que ele era líder na nossa cidade, mas para presídio federal deveria ter mais representatividade no crime.” Com essa resposta, Faturi tentou colocá-lo na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc). “Aí me disseram que lá eram só faccionados, e ele se intitula sem facção, não era dos Manos, nem Bala na Cara.” A nova tentativa foi por colocá-lo na Penitenciária Estadual de Canoas (Pecan), única do Estado com antenas bloqueadoras de sinal de celular.

“Seria o local ideal, porque ele, sem celular, é ninguém. Mas nesse caso, me disseram que não poderia, porque eles não aceitam faccionados. Aí afirmei que na Pasc tinham me dito que ele era sem facção. Falaram então que a Inteligência deles identificou que ele era dos Manos, e por isso não poderiam aceitá-lo”, salientou o delegado Anderson Faturi.

Resultado social na comunidade

Atualmente, Jéferson Juliano Vedói cumpre pena na cela 24, da galeria A, da Penitenciária Modulada Estadual de Charqueadas (PMEC). Somente por crimes relacionados à investigação da Tentáculos, ele já acumula 116 anos de condenações. É representado pelo advogado criminalista Jean Severo, que ficou conhecido por fazer a defesa do produtor musical Luciano Bonilha Leão no júri do Caso Kiss.

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Para o comissário Alessandro Simões, a operação teve um grande resultado social na comunidade. “A sociedade estava estarrecida, com medo. O comentário era de que Rio Pardo tinha virado um faroeste. Precisávamos agir, estávamos na corrida contra o tempo, com poucos recursos. A equipe foi muito unida, com ações pensadas em como o outro lado iria agir, e o resultado social da operação foi grande. A queda nos homicídios foi vertiginosa e viemos mantendo esses números”, salientou. No ano seguinte à Tentáculos, 2021, os assassinatos caíram para cinco. Em 2022, foram quatro casos. A maioria não tem relação com o tráfico de drogas.

“Nossa operação se equiparou a de um departamento como o Deic ou Denarc. Com uma estrutura pequena, pouca gente, mas muita vontade. E o resultado é esse, que o Ministério Público e o Poder Judiciário reconheceram o nosso trabalho, com muitos elementos de prova”, completou o comissário. “Precisamos ressaltar o trabalho célere do Ministério Público e do Poder Judiciário no andamento dos processos em Rio Pardo. Mais julgamentos vêm aí, e a nossa perspectiva é que vai passar de 500 anos de condenações para esse bando investigado e indiciado”, disse o delegado Anderson Faturi.

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