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Coronavírus

Os empregos e os planos que a pandemia já levou embora em Santa Cruz

Foto: Alencar da Rosa

Sem renda, Beatriz não sabe como vai honrar os compromissos, inclusive o aluguel

Quando iniciou o trabalho como safreira em uma empresa de tabaco em fevereiro, Maria Beatriz da Silva estava segura de que tudo correria como nos anos anteriores. Embora não tivesse certeza de quanto tempo permaneceria, a expectativa era de que a dispensa acontecesse apenas por volta de outubro. Mas a situação mudou com o avanço da pandemia do novo coronavírus e a consequente paralisação da atividade econômica. Pouco mais de um mês depois, a santa-cruzense de 55 anos teve o contrato rescindido e agora está desempregada.

O caso não é único. O Ministério da Economia estima que, entre março e a primeira quinzena de abril, houve um aumento de 150 mil no número de pessoas aptas a solicitar o seguro-desemprego em comparação com o mesmo período de 2019. Na prática, isso significa que em torno de 1 milhão de trabalhadores foram demitidos desde o agravamento da crise. O cálculo é baseado nos pedidos formalizados e na estimativa de demanda reprimida por causa do fechamento das agências do Sine.

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Moradora do Bairro Bom Jesus, Beatriz trabalhava há seis anos consecutivos nas safras de fumo. Na segunda quinzena de março, passados cerca de 30 dias desde que começou a trabalhar, a empresa interrompeu a operação em função da pandemia. Após uma semana em casa, os colaboradores foram chamados de volta.

Logo, porém, Beatriz descobriu que não poderia voltar à lida. Por ter hipertensão, ela faz parte dos grupos de risco da Covid-19 e, com isso, foi dispensada em definitivo, assim como os demais funcionários que tinham algum problema de saúde. Embora estivesse ciente da gravidade da crise, Beatriz não imaginava que isso podia acontecer. “Fiquei chocada”, contou.

Devido à sua condição e às orientações de proteção aos integrantes dos grupos de risco, ela também não conseguiu outro serviço. “Fui em alguns lugares me oferecer para trabalhar, mas disseram que só depois que passar a pandemia”, disse. Nem mesmo ao trabalho como recicladora, que mantinha em paralelo às safras, pôde retornar.

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A partir daí viu-se, pela primeira vez na vida, em uma situação de desamparo. Sem renda, tentou acessar o auxílio emergencial do governo federal, mas até agora não conseguiu. Além disso, o valor do benefício (R$ 600,00 mensais) é insuficiente para cobrir as despesas, que incluem o aluguel da casa que divide com o filho mais velho e a nora – ambos sem trabalho no momento. Como também não conseguiu encaminhar o seguro-desemprego até agora, o futuro próximo traz muita preocupação. “Aluguel, luz, água. Como nós vamos pagar tudo isso?”, relata, angustiada.

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Sem demanda, empresa encerra atividades

Não existem números oficiais sobre o impacto da pandemia na empregabilidade em âmbito local, já que o Ministério da Economia suspendeu a divulgação dos relatórios do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Na semana passada, a Gazeta do Sul consultou os principais sindicatos laborais de Santa Cruz, que apontaram pelo menos 100 demissões no município até agora. Na prática, porém, o número é bem maior.

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No Estado, o setor mais atingido é o calçadista, que demitiu 7,6 mil trabalhadores, inclusive na região. Além das 150 pessoas dispensadas na fábrica da Calçados Beira-Rio em Candelária, dois ateliês de costura que atendiam a empresa em Vera Cruz encerraram as atividades.

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Um deles funcionava há 12 anos e empregava 74 pessoas. Segundo a proprietária Venize Freese, o ano começou promissor para a empresa. “Era para ser o melhor ano. Eu estava com 20 mil pares em estoque. Geralmente os primeiros meses do ano são fracos, mas dessa vez estava muito bom”, relembra. Os problemas, porém, começaram ainda antes da pandemia. O ateliê atendia, à época, a unidade da Beira Rio em Mato Leitão, que foi consumida por um incêndio no dia 17 de março.

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Quando Venize acertou para passar a atender a fábrica de Candelária, o surto do coronavírus já havia se agravado no País. Com isso, a operação teve de ser interrompida. Com a expectativa de que tudo seria normalizado na semana do dia 6, Venize deu férias para a equipe – quase toda formada por mulheres. No entanto, além da situação ter se estendido, surgiram outros empecilhos. Primeiro, a demanda despencou. Segundo, muitas funcionárias não tinham como voltar por integrarem grupos de risco ou porque não tinham onde deixar os filhos.

Com isso, ela teve que tomar a decisão mais difícil da extensa trajetória – começou a trabalhar com calçados aos 16 anos, em Arroio do Tigre. Após operar por apenas dois dias, anunciou o encerramento das atividades no último dia 15. “Senti muito, mas acho que tomei a melhor decisão. Essa pandemia vai durar mais tempo, as lojas não estão vendendo. Como eu ia pagar os custos fixos?”, disse.

Apesar disso, a infraestrutura da empresa segue em pé e Venize tem confiança de que poderá voltar ainda esse ano. “Mas só Deus sabe”, angustia-se.

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Após 12 anos de operação, Venize precisou fechar o ateliê de costura de calçados que mantinha em Vera Cruz por causa da crise

Em apenas quatro anos, a segunda crise da vida

Além dos que perderam o emprego, em torno de 4 milhões de trabalhadores formais no Brasil foram afetados por outras medidas, como suspensão temporária de contrato ou redução de jornada e salário. Era isso que Ismael Job acreditava que aconteceria com ele quando a crise começou.

Ismael tem 26 anos e trabalhava nos guichês da Rodoviária de Santa Cruz há dez meses. Apesar do pouco tempo, era o mais antigo da equipe. Por causa disso, quando o movimento no terminal despencou devido às restrições de contato social, pensou que não seria demitido. Mas aconteceu

“O horário de trabalho foi reduzido, a escala foi reduzida, alguns dias éramos dispensados porque não tinha serviço. Eu desconfiava que alguma coisa podia acontecer, mas como eu já conhecia bem tudo por lá, achei que não me mandariam embora. Fiquei surpreso, mas sei que não está fácil para ninguém”, pondera.

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Ismael acreditava que não seria demitido agora

Essa, porém, não é a primeira vez que o santa-cruzense, que começou a trabalhar aos 15 anos via programa Menor Aprendiz do Senac, se vê nessa situação. No fim de 2015, quando o Brasil viva o auge da recessão econômica, a filial da rede varejista na qual era empregado como estoquista foi fechada.

Diante de um mercado desaquecido, não conseguiu se recolocar e teve de recorrer ao seguro-desemprego. Quando o período do benefício terminou, ainda estava desempregado. “Foi bem difícil. Não fosse uma ajuda que tive dos meus pais na época, teria passado necessidade”, conta.

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Pouco mais de quatro anos depois, ele acredita que agora pode ser até mais penoso retornar ao mercado. “Já estava difícil antes da pandemia. Imagina agora.”

A situação hoje também é mais complicada, já que a esposa Tanara também está sem trabalho – espera ser chamada em uma empresa de tabaco em maio – e tem dois filhos pequenos, além de três enteados. Por enquanto, a família conta com o auxílio emergencial e espera conseguir o seguro-desemprego, além da pensão alimentícia dos enteados.

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