“Zwei Seelen wohnen, ach, in meiner Brust.“
– Duas almas, ah, moram em meu peito.
Johann Goethe, em sua obra „Faust“
Mais uma vez estou em Tübingen, e rememoro aqui o que certa vez publiquei na coluna de Gilberto Jasper.
Não raro, sou questionada se não preferiria viver na Alemanha, pelo muito que falo e escrevo a respeito, pelo uso frequente que faço da língua alemã. Resultado das vivências que acumulei ao longo de minha vida em terra alemã e também do idioma, presente desde o meu nascimento. Redarguo se também não houve percepção de que, igualmente falo muito de meu lugar de viver, de minha Heimatstadt Santa Cruz do Sul e do cultivo que faço do idioma oficial de meu país. De meus empenhos, enquanto professora universitária que fui por muito tempo, em favor dos dois idiomas.
Parece-me que algumas pessoas não entendem que a ideia de Alemanha ou Santa Cruz, do uso de uma ou de outra língua, que os diferentes modos de constituir vida, de seus significados nela existentes, transcendem em muito a uma simples escolha de permanência cá ou lá, do uso de uma ou outra língua.
O sentimento de pertencimento – Heimatgefühl – que os dois espaços e os dois idiomas me conferem, está intimamente ligado às minhas vivências e às minhas raízes. Independentemente de onde eu estou, sinto-me ligada às gerações que me antecederam, sem as quais eu não existiria. De modo que amo tanto meu lugar de viver em Santa Cruz, quanto me sinto em casa do outro lado do oceano, em Tübingen, onde me encontro neste momento.
O Nacionalismo tentou arrancar das pessoas esse sentimento de pertencimento expresso em idioma alemão que incluía tanto o lugar de origem quanto a nova Heimat. De modo que até hoje, ainda há os que acreditam sermos menos brasileiros se cultivamos um olhar atencioso também para o idioma alemão, ou para um outro lugar, que não seja Brasil e seu idioma oficial. Não entendem que a Alemanha para muitos descendentes, mesmo para quem nunca esteve lá, pode ser um conceito espiritual, não um conceito necessariamente físico. Um estado de alma que se cultiva por meio da língua, da música, dos cantos, da culinária, das tradições, da literatura, dos valores presentes na vida e não nos torna menos brasileiros, pelo contrário, colaboram para o cultivo de nosso lugar de viver. Colaboram para a identidade de nossa região, diferenciando-a de outras, e este é um fator importante para o progresso de um lugar.
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Em Santa Cruz e em outras regiões de colonização, esse espírito se presentifica por meio do cultivo da língua e da herança cultural na vida de muitos descendentes. As pessoas se identificam com seu lugar de viver e, ao mesmo tempo, muitos mantêm aquele antigo olhar de encanto e de valorização do lugar de sua origem. Cultura e língua os enriquecem.
Brasilianisch & Deutsch podem coexistir sem conotação política, mas como um estado de espírito que se cultiva. Esse espírito também se suplanta à noção geográfica de pertencimento. É um estado de alma que habita em nós, quando nos sentimos em casa em mais de um lugar, e que habita também na alma de descendentes que mantêm acesa a chama dos antepassados em seu ser. Isso transcende a ideias nacionalistas e confere peculiaridade a nossa região oriunda da antiga Kolonie Santa Cruz. Viver e amar seu lugar de viver pode incluir mais de um lugar, mas é, principalmente, honrar e incluir a herança cultural ao cultivo do lugar em que se vive, fazendo dele um lugar melhor para toda a coletividade. É viver com duas almas em um só peito.
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