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ROSE ROMERO

Bichos e homens

Ontem, quarta-feira. Dia limite para entregar a coluna. Quero escrever sobre o projeto de lei que busca regulamentar as fake news. Mas me debato entre a importância do tema e minha resistência em fazer artigos de opinião. O que eu gosto mesmo é de contar histórias. Com alguma opinião, evidentemente.
Saio de casa ainda na dúvida e, no meio do asfalto da Rua Benno Kist, vejo um amontoado de pelos.

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Estirado, o corpo estremecendo. Paro no acostamento e corro ao local. É um belo gato malhado lutando contra a morte após um atropelamento. Examino com o cuidado possível e constato que não há cortes visíveis. Mesmo assim, ele está muito mal. O sangue saindo pela boca a cada respiração. Vai morrer.

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Os carros desviam de mim, perigosamente ajoelhada na pista. Percebo o absurdo da situação e decido ir embora. E então, penso: e se ele tiver alguma chance? E se ele merecer mais do que morrer aqui sozinho? Aninho o bichano nos braços. Frágil, desprotegido. Apenas um gatinho. Dirijo falando com ele, pedindo que aguente firme, que seja forte. Alimento a esperança de um pequeno milagre. Mas quando chego na clínica veterinária, sei que está morto.

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Certamente o motorista que o atropelou não o fez de propósito. Talvez nem estivesse acima da velocidade permitida naquele trecho. Além disso, gatos são imprevisíveis e, quando menos se espera, atravessam. É inevitável, no entanto, lembrar que a Benno Kist é uma pista de corrida. A rua é uma das principais ligações entre a Juca Werlang e a Avenida Léo Kraether. À medida que se avolumam os condomínios na parte alta da cidade, se avolumam os gatos mortos, cães, gambás, macacos e por aí vai. Aqui automóveis e caminhões (muitos caminhões) trafegam em ritmo de rodovia.

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A nosso favor há o fato de que o mundo está melhor. Para bichos e homens. Décadas atrás, casar com uma menina de 13 anos era aceitável. Abandonar os filhos e não prestar ajuda financeira era comum. Bater em mulher não rendia punição alguma. Práticas hoje consideradas absurdas eram plenamente toleradas. Nenhuma mudança, claro, ocorreu sem percalços. Resistir, por razões diversas, é bem humano. O que não evita o avanço do novo. Felizmente.

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Em algum momento, a alta velocidade na minha rua terá que ser controlada. Em algum momento, a internet também. Há tempos defendo, inclusive neste espaço, a necessidade de combater a enxurrada de notícias falsas e manipuladas que dominam a rede. Em algum momento no futuro isso será, se não unânime, consensual.

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