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Assalto à Proforte: 17 anos de saudades de um herói da Brigada Militar

Sob forte comoção, familiares, amigos e colegas da BM participaram de enterro do policial em Santa Maria | Foto: Paulo Pires/A Razão

Já era noite em 10 de abril de 2006. A policial militar Maria Cristina da Silveira Santos, de 38 anos, havia chegado em casa, no Bairro Perpétuo Socorro, em Santa Maria, depois da aula na Faculdade de Direito de Santa Maria (Fadisma). Preparava-se para dar mamadeira ao filho Guilherme, de 1 ano e 3 meses, quando a campainha tocou. Eram a irmã e o cunhado. Com cara de espanto, ambos disseram que havia acontecido algo com André. Inicialmente, Maria pensou que seria com o filho do casal que bateu à sua porta, pois tinha o mesmo nome. Depois deu-se conta de que se tratava do companheiro, o capitão da Brigada Militar (BM) André Sebastião Santos dos Santos, de 34 anos. Um assalto havia ocorrido a 140 quilômetros dali, em Santa Cruz do Sul, onde o marido trabalhava, e ele teria ficado ferido em confronto com bandidos.

André e Maria Cristina eram membros da Brigada Militar | Foto: Arquivo Pessoal

Rapidamente, a esposa do PM ligou para o 190 da Brigada de Santa Maria. Um sargento que estava de serviço lhe contou que André havia sido assassinado durante troca de tiros. A mulher, que trabalhava na Escola de Formação e Aperfeiçoamento de Sargentos (EsFAS) da BM, ficou em estado de choque. “Como policial, estamos acostumados a fornecer essas notícias traumáticas para outras pessoas, mas não estamos preparados para ouvi-las.” A nona reportagem da série Casos do Arquivo entrevistou a viúva do policial que dá nome ao batalhão de Santa Cruz. Pela primeira vez, em 17 anos, Maria Cristina revela detalhes de como acompanhou o doloroso momento. O filho do casal, hoje com 18 anos, também contou como o fato impactou sua vida.

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A viagem mais longa da vida

Por volta de 22h30 de 10 de abril de 2006, o então criminoso mais procurado do Rio Grande do Sul realizou aquele que é considerado um dos assaltos mais ousados da crônica policial gaúcha. José Carlos dos Santos, o Seco, candelariense então com 26 anos, conhecido pelas ações envolvendo explosivos e armamento pesado, tinha como alvo preferido os carros-fortes.

Naquela noite, acompanhado de seu bando, ele arremessou um caminhão-guincho roubado do pátio da Santa Cruz Rodovias contra o prédio da Proforte, em Santa Cruz do Sul. O impacto abriu um buraco na parede. Os criminosos roubaram R$ 3,9 milhões, mas não sem antes aterrorizar os funcionários e abrir fogo contra os policiais que foram ao local. O capitão André Sebastião Santos dos Santos foi o primeiro a chegar na cena do crime. Tiros de bala traçante iluminaram a Rua Júlio de Castilhos, que parecia um campo de guerra. Um disparo de fuzil 762 acertou a cabeça do capitão Sebastião, que morreu na hora.

Capa da Gazeta do Sul de 11 de abril de 2006 estampou o aterrorizante assalto ocorrido na sede da Proforte, na Rua Júlio de Castilhos, em Santa Cruz do Sul

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“Naquela segunda-feira, véspera de Páscoa, larguei ele de manhã na rodoviária. Nos despedimos sabendo que a semana seria curta por causa do feriado, que quarta-feira ele estaria de volta a Santa Maria. Jamais eu poderia imaginar, no pior dos meus pesadelos, que à noite eu estaria em Santa Cruz e retornaria para casa com ele dentro de um caixão”, disse Maria Cristina, hoje com 55 anos.

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“A ida de Santa Maria a Santa Cruz foi a viagem mais longa da minha vida. Muito pela angústia, mas também pelo fato de que de trecho em trecho havia barreiras da Brigada que revistavam os carros, devido à possibilidade de os criminosos estarem trafegando pela rodovia”, afirmou a primeiro-tenente da reserva remunerada da BM.

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Ela conta que quando chegou ao 23º BPM, a movimentação de pessoas era muito grande. “Quando desci do carro, foi um silêncio, e nesse momento caiu a ficha. Fiquei muito emocionada. Até hoje é difícil relembrar. Nesse momento meu chão se abriu, o mundo caiu e consegui aterrissar e ver a dimensão do que estava se passando.”

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O assalto cinematográfico, aliado ao assassinato do PM, desencadeou a histórica Operação Lince, deflagrada em 13 de abril de 2006, quando Seco foi preso no Posto do Rosinha, à margem da BR-386, em Paverama, pela Delegacia de Capturas (Decap) do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), de Porto Alegre.

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Família nunca foi procurada pela Proforte

Natural de Passo Fundo, André Sebastião Santos dos Santos não estava escalado para o serviço na fatídica noite, mas mesmo assim foi atender a ocorrência na Proforte. Na época, estava na BM de Santa Cruz havia cerca de um ano. No decorrer de 16 anos de serviço, não cometeu nenhum ato que levasse a algum tipo de punição.

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“Ele ia na segunda-feira para Santa Cruz e retornava no fim de semana a Santa Maria, ou eu e o nosso filho Guilherme íamos para Santa Cruz. Nossos planos, após eu me formar em Direito, eram de fixar residência em Santa Cruz”, comentou Cristina. “O André era um marido e pai amoroso, dedicado e preocupado em sempre proporcionar o melhor para a família. Não media esforços para que estivéssemos sempre bem.”

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Morto em combate, em defesa da comunidade, durante um dos períodos mais sangrentos da história recente da segurança pública do Estado, André Sebastião Santos dos Santos foi promovido a major após a morte e recebeu uma das principais honrarias da Brigada Militar. No dia 29 de julho de 2020, ele foi homenageado oficialmente como patrono de um Batalhão de Polícia Militar (BPM), o 23º, sediado em Santa Cruz do Sul, para o qual prestava serviço.

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O reconhecimento foi confirmado por meio do decreto 55.387, publicado no Diário Oficial do Estado. Segundo a BM, o nome do major Sebastião foi escolhido pelo fato de o policial ter tombado em combate, no exercício das funções. Dessa maneira, ele deixou um legado de admiração e respeito por parte dos policiais militares do 23º BPM e da comunidade santa-cruzense.

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Decorrido o prazo legal de pelo menos dez anos desde a morte, em 2018 iniciou-se a tramitação da proposta de designação do policial como patrono. A partir daquele momento, seu nome passou a preencher os requisitos estabelecidos pela legislação para receber a honraria. “Foram várias as homenagens que o André recebeu em Santa Cruz, tanto da Brigada Militar quanto do Município. Ele também foi homenageado em outras cidades. De tempos em tempos, alguém lembra e presta algum tipo de homenagem.”

Ela revelou que não foi convidada pelo comando da BM para acompanhar o simulado de ataque a banco que ocorreu em 12 de setembro do ano passado, em Santa Cruz, junto às sedes do Banco do Brasil e da Protege Transporte de Valores (antiga Proforte), mas disse que teria comparecido, se tivesse sido chamada. Revelou ainda que nunca recebeu qualquer palavra dos proprietários e gerentes da empresa que foi alvo da ação criminosa em 2006. “Pela Proforte eu nunca fui procurada, nem para desejar pêsames ou alguma consideração pelo fato de o Sebastião ter dado a vida dele para defender a empresa.”

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Filho seguirá carreira militar no Exército

Maria Cristina afirma que não houve justiça com a captura de Seco. “O bando está preso, foram condenados pelos crimes, mas eu ainda não sinto que a justiça foi feita. O Seco tem em torno de 300 anos de condenação pelos crimes cometidos, porém nossa legislação não permite mais de 30 anos preso. Do assassinato do Sebastião passaram-se 17 anos, então em 13 estará solto, livre para continuar cometendo crimes. Isso pra mim não é justiça.”

Maria Cristina acompanha os passos do filho Guilherme Santos | Foto: Arquivo Pessoal

Segundo ela, a família ficou arrasada. “Nosso filho, que tinha 1 ano e 3 meses, me dava o suporte para seguir em frente. Os anos passaram, mas foi um período muito complicado pra mim. Meu filho sente a ausência do pai, por mais que sempre tivéssemos uma estrutura familiar boa.” Guilherme da Silveira Santos, de 18 anos, quer seguir a carreira militar no Exército. Está no Ensino Médio no Colégio Tiradentes da Brigada Militar e faz cursinho para ingressar na Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx).

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Pela primeira vez, ele concedeu entrevista e falou sobre o sentimento em relação ao pai. “Na minha infância, enfrentei grandes desafios pela falta de uma presença paterna. Alguém que me aconselhasse, de pai para filho, sair pra pescar, jogar uma bola. Não soube o que é isso”, disse o jovem. “Via a cena dos meus amigos brincando no Dia dos Pais e eu não tinha ninguém. Ficava me perguntando por que isso tinha acontecido comigo e o que eu tinha feito para merecer isso. Já chorei muito antes de dormir. Com o tempo, vamos amadurecendo. A dor e a saudade nunca passam, mas a imagem que fica é a do herói que meu pai foi. Me criei dentro da Brigada, na ponta da lança, e quero seguir os caminhos dele.”

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