Nesta segunda-feira, às 20 horas, a Loja Maçônica Lessing no 61, estabelecida na Rua Tenente Coronel Brito, 277, em Santa Cruz do Sul, promoverá uma Sessão Magna pública comemorativa do seu 143º aniversário, cuja data efetiva transcorreu no último dia 15 de março. O ato contará com uma homenagem especial (em memória) a um de seus fundadores, Carlos Trein Filho. Por iniciativa e a convite do atual venerável mestre da loja, Henrique Frederico Röhsig, que é professor de História, estarão presentes descendentes de Trein Filho, hoje residentes em Porto Alegre, em especial trinetos do personagem histórico.
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Movida pelo esforço de recuperação da biografia de um dos mais influentes líderes da Colônia de Santa Cruz, a Gazeta do Sul se une a esse trabalho de resgate memorial. Em quatro páginas nesta edição, e em mais duas páginas na edição de segunda-feira, ilumina-se a vida e a obra de um dos mais importantes homens públicos da história regional.
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Da Alemanha para a vila
Ele é nome de rua, que corta a cidade de Norte a Sul, limitando o Centro com o atual Bairro Goiás. E mereceu um monumento de pedra no qual figura a sua imagem, diante da Loja Maçônica Lessing no 61, na Rua Tenente Coronel Brito, na altura da Praça da Bandeira e do Palacinho da Prefeitura. Afinal, quem foi Carlos Trein Filho e o que ele de fato representa para Santa Cruz?
É para esses questionamentos que o atual venerável mestre da casa maçônica, Henrique Frederico Röhsig, se empenhou em buscar respostas. Havia até mesmo informação oral de que não teria deixado descendência. Nascido na Alemanha e tendo emigrado para o Brasil com os familiares, chegara à vila de Santa Cruz no segundo semestre de 1862, com 15 anos recém-completados.
Em pouco tempo, com domínio em agrimensura e engenharia, assumia funções relevantes, a ponto de já em 1870, com 23 anos, ocupar a função de diretor da Colônia. E também na nova terra encontrou o amor: em 4 de agosto do mesmo ano em que se tornou diretor da Colônia, casou-se com Hedwig Anna Emilie Textor, filha do arquiteto Adolf Textor e de Wilhelmine Johanna Richer, que se estabeleceram na colônia cerca de uma década antes dos Trein.
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Carlos e Hedwig tiveram duas filhas: Emma, nascida em 1871, e Alice, nascida em 1874. Com sua atuação e seus conhecimentos, ele se tornou uma das figuras públicas mais importantes do período que antecedeu a emancipação da colônia, e assim seguiu já com a autonomia local. Mas então, em 1903, ele sofreu um atentado. Ao que tudo indica por conta dessa agressão, mudou-se com a família para Porto Alegre, e ali faleceu em 1919. Seguiria, em Santa Cruz ou na capital, algum legado familiar do personagem?
Objetos pessoais seguem preservados
Na tentativa de elucidar passagens da vida e da obra de Carlos Trein Filho, o professor de História Henrique Frederico Röhsig, venerável mestre da Loja Maçônica Lessing no 61, acabou estabelecendo contato, em Porto Alegre, com descendentes do imigrante alemão que deixara um enorme legado em Santa Cruz durante mais de quatro décadas, entre sua chegada à vila, em 1862, e a mudança para Porto Alegre, no início do século 20. Röhsig acabou por localizar trinetos de Trein em Porto Alegre: a advogada Vivian Sokolowski Turk e o engenheiro agrônomo Ricardo Eichenberg de Lara.
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Em fevereiro, a reportagem da Gazeta do Sul acompanhou Röhsig em uma visita à capital para reunião com os dois descendentes, atividade ainda acompanhada por outro descendente de famílias santa-cruzenses (entre elas a Textor), o professor aposentado de Informática Carlos Alberto Heuser. Este, depois de ter lecionado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) entre 1973 e 2012, dedica-se a estudos sobre genealogia e cultura germânica, compartilhando suas descobertas com generosidade e transparência em site na internet, no endereço gen-db.heuser.pro.br/
A partir das conversas em Porto Alegre, Röhsig formalizou o convite para que esses descendentes, e outros familiares, se façam presentes à homenagem a ser promovida na segunda-feira em Sessão Magna na Loja Maçônica em Santa Cruz. Assim, Vivian, Lara e Heuser visitarão a cidade para a qual Carlos Trein Filho teve tamanha importância, inclusive para concretizar a própria emancipação em relação a Rio Pardo, em 28 de setembro de 1878.
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Ricardo de Lara, em especial, é, hoje, guardião de parcela importante da memória de Trein. A ele foram legados, em família, objetos que pertenceram a Trein Filho, como seu relógio de bolso, fotografias (algumas bastante raras), moedas comemorativas, documentos, diplomas e até gravuras que ele desenhou durante suas andanças como agrimensor, arquiteto e diretor da Colônia de Santa Cruz.
Entre esses desenhos está aquele que provavelmente proporciona a primeira imagem panorâmica da história de Santa Cruz: um ilustração da vila assinada e datada de 1869, quando a colônia recém completava duas décadas de existência. A partir de algum ponto na ala nordeste, como se na saída em direção ao atual Acesso Grasel, vê-se o casario, com a antiga igreja católica e a antiga igreja evangélica luterana nos dois extremos da imagem. Ao fundo, os morros em direção ao sudoeste. É a Santa Cruz adolescente.
Uma família que parte rumo ao Sul
É o professor aposentado Carlos Heuser quem, em suas pesquisas, localizou as mais detalhadas informações históricas sobre as famílias Trein e Textor, bem como sobre outras que com elas tiveram relação ou imbricamento. O personagem que entrou para a história de Santa Cruz e do Rio Grande do Sul como Carlos Trein Filho, em seu nome aportuguesado, na verdade nasceu como Carl Rudolph Trein, no dia 2 de setembro de 1847, em Kemp-feld. A sua família residia em Mörschied, Birkenfeld, na Alemanha.
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Era um dos filhos do casal Carl Ferdinand Trein e Henriette Woytt. O pai viria a falecer em 1890, aos 72 anos, e a mãe em 1910, aos 87 anos, já em Santa Cruz do Sul, onde estavam estabelecidos após a imigração. Não se sabe as razões pontuais para a decisão da mudança para o Sul do Brasil, se por incômodo econômico ou desconforto no ambiente alemão, se a convite de algum conterrâneo já fixado no Brasil, ou se por ímpeto empreendedor.
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O fato é que em 29 de setembro de 1862 a família, de religião protestante, estava em Porto Alegre, vinda no vapor Continentista, de Rio Grande, onde haviam chegado no navio a partir da Europa. Teriam viajado como espontâneos (isto é, custeando do próprio bolso as despesas, logo sem subvenção de projeto oficial de imigração ou de colonização, o que denota que viajaram por vontade ou decisão do casal), no navio Malvina, que partira de Bremen. O pai estava com 45 anos e a mãe com 39. Carlos Filho era o mais velho dos irmãos, com 14 anos, e depois vinham Gustavo, com 12 anos; Emma, com 11; Ludovico, com 9; Carlota, com 6; e Otto Theodoro, com 3.
Mal chegados a Porto Alegre, em questão de dias, em 5 de outubro, seguiram rumo à Colônia de Santa Cruz. Neste novo lar, além de encontrar o amor de sua vida, casar e constituir sua própria família, Carlos Trein Filho deixaria seu nome marcado na história para sempre.
Um jovem que logo se destacou na nova terra
Com a família Trein tendo chegado à vila quando a Colônia de Santa Cruz tinha pouco mais de uma década, certamente o ambiente social era mais precário do que o vivenciado por eles na Alemanha. Os Trein chegaram mais tardiamente em relação às primeiras levas de colonos, e o traçado do quadrilátero central da vila já estava estabelecido. Hábil como desenhista, o jovem Carlos seguia buscando aperfeiçoamento e qualificação sempre que possível, na capital. Em 6 de outubro de 1869, com 22 anos, por exemplo, recebia da Deutsche Hilfesverein, uma sociedade de ajuda, em Porto Alegre, o certificado de representante desta em Santa Cruz.
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E já no ano seguinte, em 1870, assumia o prestigioso cargo de diretor da Colônia, em substituição a Afonso Pedro Mabilde. Na época, em meados da década de 1870, a colônia possuía 5.809 habitantes, que subiram a 7.310 por volta da emancipação, em 1878. Como agrimensor, e com a preocupação de fazer levantamentos atualizados do contingente populacional, Carlos Trein Filho foi decisivo em subsidiar o governo para decidir-se pela autonomia, e a autorizá-la.
Também em 1870 Carlos Trein Filho se casara com Hedwig Textor; eles se estabeleceram em sobrado na Rua da República, atual Marechal Floriano (onde hoje fica o Edifício Dona Paula). Hedwig nascera apenas um dia depois do marido, em 3 de setembro de 1847, em Schonwalde, Stettin, na Pomerânia. Casaram-se em 4 de agosto de 1870, no Faxinal (Santa Cruz), tendo como testemunhas Emil Textor, Friedrich Wilhelm Bartholomay, Henriette Trein e Margarethe Strenz (Carlos Heuser localizou até o registro religioso do casamento). A filha Emma já nasceria em 22 de dezembro de 1871 (faleceu em Porto Alegre, em 1920, aos 48 anos), e Alice viria em 12 de dezembro de 1874 (faleceu também em Porto Alegre, em 1951, aos 76 anos).
Em Santa Cruz, estabelecidos em área central, os Trein teriam imediata e decisiva participação em várias frentes, além de tudo pela boa relação com expoentes locais e pela sólida formação que traziam. Chegaram, aliás, no mesmo ano da fundação da Comunidade Evangélica Luterana (1862) e um ano antes da conclusão da primeira igreja católica, cuja obra certamente acompanharam, e que Carlos Filho viria a contemplar em desenho de 1869. Já em 10 de abril de 1866, pouco mais de três anos após a chegada dos Trein, era fundado o Club Alemão, que em 1870 viria a ser denominado Club União, entre cujos fundadores estavam Carlos Trein Sênior, pai, e Carlos Trein Filho, bem como outros cidadãos que posteriormente seriam maçons e fundadores da Loja Lessing no 61. O clube, aliás, teria sede em terreno próximo à casa de Trein Filho.
Em 1870, e pouco mais de um mês antes do casamento de Carlos e Hedwig, a família Trein teve participação decisiva em outra ação histórica: em 27 de julho fora fundada a Deutsche Realschule, nada menos do que o atual Colégio Mauá, para a qual pai e filho agiram, ao lado de Clemens Borggreve e Abrahão Tatsch. Mais do que auxiliar na fundação, os Trein teriam doado o terreno, na área central (novamente próximo de sua casa), no qual foi erguido o educandário.
O atentado
As circunstâncias nunca foram plenamente estabelecidas, mas sabe-se que houve tentativa de assassinato a Carlos Trein Filho, em 1903. Na noite de 13 de junho, quando ele voltava de reunião na Casa Maçônica, teria sido atacado a golpes de faca. Em sua coluna Memória, na Gazeta do Sul de 3 de fevereiro de 2014, o jornalista José Augusto Borowsky menciona que era uma noite gelada e, estranhamente, os lampiões das ruas estavam apagados. A agressão ocorreu quase em frente a sua residência, na atual Rua Marechal Floriano. O ataque fora feito por dois homens e, ferido com os golpes de faca, ele só escapara da morte porque Gaspar Bartholomay logo o socorrera.
O caso não chegou a ser esclarecido, mas suspeitas recaíram sobre a oposição. Naquele momento Júlio de Castilhos ocupava a Presidência do Rio Grande do Sul, pelo Partido Republicano Riograndense (PRR), e viria a morrer em outubro do mesmo ano, sendo sucedido, por mais de duas décadas, por Borges de Medeiros. No município, Trein, liberal, aglutinava forças da oposição. A professora de Ciência Política Silvana Krause, vinculada à Ufrgs, entende que o atentado também poderia estar associado a dívidas de colonos, dos quais Trein era o encarregado da cobrança.
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Quando Borges já era governador, determinou investigação do atentado, mas ninguém foi preso. Cinco anos depois, como frisa Borowsky, um homem de nome Manoel Castanho contou que foi convidado a matar Trein Filho, mas que não aceitou a proposta. E teria revelado o nome do mandante. Quando Castanho faleceu, em 1908, diz Borowsky, Trein enviou uma coroa de flores e uma faixa com a frase: “Homenagem ao cidadão que se recusou a ser instrumento de assassinos”.
O fato é que, recuperado, Trein Filho mudou-se definitivamente com Hedwig para Porto Alegre, e rompeu os laços com a comunidade com a qual e para a qual tanto trabalhara. Morreria em 13 de outubro de 1919, aos 72 anos. Na capital, lidava com sequelas decorrentes das facadas recebidas em 1903, e dessa causa teria falecido. Também em Porto Alegre empresta nome a rua, no Bairro Auxiliadora. Mas é inegável que, para a posteridade, Santa Cruz seria devedora da atuação de Carlos Trein Filho ao longo de mais de quatro décadas, antes, durante e depois da emancipação local.
O jazigo
O memorial de Carlos Trein Filho e de dona Hedwig hoje se encontra junto ao jazigo da família Eichenberg, na parte nova do Cemitério Martim Lutero, no Bairro Santo Antônio, entre o Menino Deus e o Partenon. E envolve um fato pitoresco. Originalmente eles haviam sido sepultados no cemitério antigo, situado defronte, e que no entanto havia esgotado seu espaço para novos túmulos. A família Eichenberg, os descendentes de Emma Trein, passaram a ser sepultados na área nova. Em dado momento, Jorge Júlio, neto de Emma e bisneto de Trein, decidiu retirar as lápides e monumentos do antigo cemitério Martim Lutero e os levou para o terreno de sua residência, na Zona Sul de Porto Alegre, onde os preservou até seu falecimento, em maio de 2021.
Como Jorge Júlio não tivera filhos, seu sobrinho Ricardo Eichenberg de Lara tomou a decisão de transferir esses objetos memoriais ao jazigo da família Eichenberg no novo cemitério Martim Lutero, onde agora se encontram. Segundo informações que obteve, no local original onde ficava o túmulo de Carlos Trein Filho e de Hedwig na parte antiga já não haveria nenhum vestígio, de modo que as pedras, os marcos e a estatuária associada agora podem ser conferidos nesse memorial novo. Uma estátua maior que integrava esse conjunto inclusive foi doada ao Memorial Martim Lutero e estaria disposta em espaço de destaque.
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