Passados mais de 230 anos desde quando sediou alguns dos fatos mais relevantes da história do Brasil, Ouro Preto, a 96 quilômetros ou uma hora e meia de viagem de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, preserva as paisagens e o ambiente daqueles acontecimentos. Foi lá que ganhou forma a Inconfidência Mineira, o movimento de revolta contra o império português e na defesa de conceitos então emergentes, como liberdade e democracia. Essa ousadia a um deles custou a vida: o alferes Joaquim José da Silva Xavier, que entraria para a história com seu apelido, Tiradentes, cuja data de morte, por enforcamento, é hoje relembrada.
A população de Ouro Preto, por sinal, atualmente é muito parecida com a da época. Na reta final do século 18, no auge do ciclo do ouro e dos diamantes, a localidade, então Vila Rica, e capital de Minas, possuía cerca de 80 mil habitantes. Era a maior e mais pujante das Américas, incluindo a América do Norte recém-independente. São tais vestígios, que se espalham por ladeiras e ao longo de dezenas de riachos e arroios, que o visitante pode admirar.
Cidade charmosa, agora tem no turismo uma base econômica. O clima da serra e a atmosfera histórica atraem milhares de pessoas. Elementos barrocos na arquitetura de prédios públicos, casarios e igrejas são aula a céu aberto. Os vales, emoldurados pelos altos morros, escondiam veios de ouro e de diamantes; em paralelo, a estrutura do poder político de Minas estava ali.
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O turista encontra na cidade um espaço social pacato, pulsante e repleto de opções em comércio e serviços. De lá, pode visitar localidades próximas, como Mariana, Tiradentes (antes São José del-Rey, nome alterado para homenagear o Mártir da Independência), São João Del’Rey e Congonhas, cidade esta na qual se pode admirar a série de estátuas do mestre Aleijadinho.
Em Ouro Preto, ambientes nos quais circularam os inconfidentes, tanto Joaquim José da Silva Xavier quanto os poetas árcades Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga e os demais simpatizantes do movimento, surgem a cada poucos metros. Além disso, praças e prédios (como a antiga Casa da Câmara e Cadeia, hoje Museu da Inconfidência) convidam à reflexão. E, claro, tudo conflui para a Praça Tiradentes, situada diante do Museu: nela ficava o poste no qual, em 1792, foi exposta a cabeça do Mártir. No mesmo local fica hoje o monumento com a estátua de Tiradentes, dominando todo o largo.
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Valadares pinta junto à praça
Se tem alguém que conhece as ruas e a atmosfera de Ouro Preto, esse alguém é o artista plástico Paulo Roberto Valadares. Ele passou 58 de seus 71 anos circulando pelas estreitas vias, subindo e descendo ladeiras, a fim de encontrar o ângulo que melhor retratasse sua terra natal. Mora na Rua São Miguel Arcanjo, na casa em que nasceu, no dia 8 de julho de 1949, a 700 metros da praça central, a atual Praça Tiradentes. Pintor autodidata, descobriu muito jovem, aos 12 anos, o pendor para a arte, e fez dos motivos arquitetônicos e cotidianos da cidade seu tema predileto.
Por décadas, instalava o cavalete em determinado ponto, e a partir de lá pintava prédios, ruas, monumentos. “Mas havia cada vez mais carros, mais tumulto, mais placas de trânsito e de comércio”, refere. “Era muita poluição visual. Até conseguia ignorar as placas, tirando-as de minhas obras. Só que, não raro, alguém buzinava para que eu tirasse o cavalete do caminho.” Tomou a decisão de se fixar em ateliê. Foi assim que, depois de ter ocupado outros locais, há sete anos chegou ao andar superior de um prédio situado justamente do lado direito da Praça Tiradentes.
O ponto é icônico. “Estou junto do marco zero, no meio da cidade”, define. À direita de quem chega à praça descem as ruas do Bairro Pilar, em alusão à Basílica Menor de Nossa Senhora do Pilar, uma das igrejas referenciais na paisagem urbana, região que na cultura local desde sempre sedia o comércio e as residências mais abastadas. “É chamado entre nós de Mocotó”, explica, “porque ali se comia carne.” À esquerda da praça, por sua vez, fica o Bairro Antônio Dias, a zona dos mais humildes, dito de Jacubá, alimento feito à base de farinha. Era do lado de Jacubá que ficava, por exemplo, o QG dos inconfidentes, como a casa na qual morou Tomás Antônio Gonzaga. E perto ficava igualmente a casa onde residia sua amada, a Marília do clássico poema Marília de Dirceu, expoente do Arcadismo. “Pois eu me instalei exatamente no meio, entre os do Mocotó e os de Jacubá”, brinca Valadares
E é assim que, agora, enquanto pinta, mira pela janela, de um ângulo absolutamente privilegiado, o burburinho na praça que dá nome ao mais ilustre personagem da história de Ouro Preto – e o grande Mártir da Independência do Brasil. Ali, onde hoje fica a estátua em homenagem a Tiradentes, no alto pedestal diante da antiga Casa da Câmara e Cadeia, pousa o olhar de Paulo Valadares quando idealiza uma nova tela. E ao longo dos anos foram milhares, que viajaram para outros estados e países. “Perdi por completo a conta de quantas já pintei. Acho que nem teria mais como somar”, diz. O que é certo é que em cada uma delas está eternizado um vestígio de Ouro Preto, sua terra natal, a cidade de Tiradentes e dos inconfidentes. E, a partir disso, cheiros, aromas, conversas, um sopro de brisa das Gerais, tudo se vivifica para quem as aprecia.
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