Rádios ao vivo

Leia a Gazeta Digital

Publicidade

LUÍS FERNANDO FERREIRA

No calor e no mau tempo

Uma entre várias cenas marcantes do filme sul-coreano Parasita, de Bong Joon-ho: o senhor Kim, que trabalha como motorista particular, leva a patroa para casa. No percurso, ela conversa com alguém ao celular. “Hoje o céu está tão azul e sem poluição… graças a toda aquela chuva de ontem. Foi uma verdadeira bênção!” Ao volante, Kim escuta em silêncio.

Na noite anterior, a mesma chuva havia inundado a sua residência, situada na parte pobre da cidade. Ele, a esposa e os filhos perderam seus bens e tiveram de pernoitar em um ginásio, ao lado de centenas de sem-teto. Bênção para alguns, maldição para outros. Enquanto ouve aquelas palavras entusiasmadas dentro do carro luxuoso, Kim parece imperturbável, mas sentimos que sua vontade é de gritar.

LEIA TAMBÉM: As conexões esquecidas

Publicidade

“Como se pode esperar que um homem que sente calor compreenda um que sente frio?” No fundo, é sempre a questão enunciada pelo russo Alexander Solzhenitsyn em Um dia na vida de Ivan Deníssovitch. O livro é o relato de 24 horas na vida de Ivan, prisioneiro em um campo de trabalhos forçados na Sibéria, após ser condenado pelo regime stalinista. Fome e frio.

A fala de Parasita no início lembrou-me de outra, mais desconcertante por se assentar na realidade. Há duas semanas, uma médica recém-contratada para trabalhar em um hospital de Maués, Amazonas, publicou nas redes sociais vídeo que começava com a mensagem: “Eu comemorando que ‘tá’ chovendo na cidade. Minutos depois: criança atingida por um raio”.

LEIA TAMBÉM: Os Fabelmans e a realidade

Publicidade

Em seguida, ela e uma colega passam a conversar alegremente, zombando de uma criança que aguardava na emergência. Ela tinha queimaduras causadas por um raio, e seus gritos perturbadores são ouvidos ao fundo.

“E aí? Tu vai suturar essa criança gritando?”, pergunta uma das médicas. “Isso mesmo. Parece que tá sendo exorcizada!”, diz a outra, aos risos. Que médicos ou enfermeiros façam suas piadas internas, isso não é novidade. Mas que se divirtam com o sofrimento de uma criança em postagens públicas, aí é outra história. Claro que as duas foram demitidas. Que paciente gostaria de ser atendido por elas?
Como uma pessoa que despreza vai compreender outra que sofre?

LEIA OUTROS TEXTOS DE LUIS FERREIRA

Publicidade

Quer receber as principais notícias de Santa Cruz do Sul e região direto no seu celular? Entre na nossa comunidade no WhatsApp! O serviço é gratuito e fácil de usar. Basta CLICAR AQUI. Você também pode participar dos grupos de polícia, política, Santa Cruz e Vale do Rio Pardo 📲 Também temos um canal no Telegram! Para acessar, clique em: t.me/portal_gaz. Ainda não é assinante Gazeta? Clique aqui e faça sua assinatura agora!

Aviso de cookies

Nós utilizamos cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar sua experiência em nossos serviços, personalizar publicidade e recomendar conteúdos de seu interesse. Para saber mais, consulte a nossa Política de Privacidade.