No verão de 1920, o médico Michele de Patta e sua família desembarcavam no Sul do Brasil, oriundos da Calábria, no Sudoeste da Itália, que deixavam para trás. Na reta final de 1921, depois de passagem por Garibaldi, já se fixavam em Anta Gorda, no Vale do Taquari, a cerca de 184 quilômetros de Porto Alegre.
Ali, além de exercer a sua profissão, De Patta empenhou-se em erguer um hospital, o São Marcos, um chalé/sobrado de dois pisos com varanda no andar superior, a fim de ampliar e melhorar o atendimento à população local e regional.
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Um ano e meio depois, na noite de Sexta-feira Santa, 30 de março de 1923, encastelado em seu próprio hospital, ele corria sério risco de ser queimado, ao lado da família e do amigo Lamprini, junto com o prédio de tábuas que tentava defender.
Se à primeira vista esse enredo soa ficcional, ele é verídico. Esses são os fatos a partir dos quais um outro médico (um santa-cruzense) compôs um romance, tomando por base as informações de um século atrás, da biografia do colega de Medicina Michele de Patta e de suas ações e façanhas.
Coube ao escritor Nilson Luiz May a tarefa de recuperar e recontar essa incomum ocorrência de Anta Gorda, hoje com cerca de 6,1 mil habitantes, a 130 quilômetros de Santa Cruz do Sul, e situada acima de Encantado, já próximo a Guaporé.
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A trajetória do médico calabrês em território gaúcho e suas andanças por outras regiões do Estado e do Brasil foram agrupadas em O leão da Calábria, romance de 294 páginas, lançado na reta final de 2022 pela editora Scriptum, e disponível a R$ 60,00. Organizada em um ritmo narrativo clássico da ficção, e lançando mão do suspense, a obra desde logo cativa o leitor, que tem presente a informação de ter sido baseada em fatos reais.
E esse contexto fica ainda mais saliente com o acervo de fotografias da família De Patta e dos ambientes que ela frequentou. Assim, para todos os que se interessam por conhecer mais sobre os bastidores do exercício da medicina no início do século 20 (uma época tão ou mais desafiante que a de uma pandemia como a mais recente), não seria exagero classificar o livro como um prato cheio.
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O médico e escritor que é filho de um ídolo do Galo
Médico e escritor, com carreira amplamente consagrada e consolidada nessas duas áreas de atuação, o santa-cruzense Nilson Luiz May na verdade fará os torcedores do Galo, do FC Santa Cruz, recordarem com saudade de um ídolo do clube: o inesquecível Narigão, ou, mais exatamente, o santa-cruzense Armindo Rodolfo May, um famoso e arrasador artilheiro do clube na década de 1930.
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Nilson é filho de seu Armindo e da também santa-cruzense Leolita Hochscheidt, ela nascida na área norte do atual Bairro Centro da cidade. Filho mais velho do casal, Nilson, nascido em 15 de maio de 1940, hoje tem 82 anos; sua irmã, Rosa Maria, está radicada em São Paulo. Por telefone, Nilson recordou à Gazeta do Sul que veio ao mundo na Rua Marechal Deodoro, na quadra entre a 28 de Setembro e a Júlio de Castilhos, e sempre que visita a cidade costuma ir rever a casa em que nasceu.
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Mas quando estava com um ano e meio, seu pai recebeu um convite para que se transferisse a Caxias do Sul, para lá organizar um clube, o Eberle, nos moldes do Renner, que havia conquistado duas vezes o campeonato gaúcho. Assim, a família alemã se radicou na Serra, entre os italianos, em 1942. De lá ele saiu aos 17 anos para estudar Medicina na Ufrgs.
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Cumpriu longa e exitosa trajetória na profissão, até a atual condição de presidente da Federação das Cooperativas Médicas do Rio Grande do Sul. Pai de três filhos (Nilson Rodolfo, que inclusive fez a revisão crítica do novo livro), Ana Cristina e Juliana (já falecida), está casado, em segundas núpcias, com Jaqueline Thier, natural de São Leopoldo. Sua obra literária chega ao nono título, incluindo o romance Céus de Pindorama, que lhe rendeu prêmios e honrarias, como a da cadeira no 10 da Academia Rio-Grandense de Letras.
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Saiba mais:
O leão da calábria, de Nilson Luiz May. Porto Alegre: Scriptum, 2022. 294 p. R$ 60,00
“De Patta, estimulado pelas palavras da companheira, levanta-se da incômoda posição que assumira para proteger-se, arruma o uniforme que ficara desajeitado, e avança em direção à janela da outra ponta, menos visada, com sua espingarda recarregada. Lamprini, de um salto, segue-o, levando o revólver na mão direita. Os dois chegam quase juntos para destravar a tranca horizontal que protege as duas lâminas. Abrem um pequeno vão e disparam em direção ao aglomerado de gente, sem se importar com a parca munição que ainda resta. Foram-se as seis balas do revólver e mais duas da espingarda. Certamente alguns foram atingidos – quiçá mortalmente, não sabem. Fecham rapidamente as tampas da janela, recolocando a tranca, e jogam-se no chão (…). – O Careca ainda resiste! – gritam lá embaixo. – Ele matou um companheiro nosso! Vamos despedaçá-lo! – Se não for à bala, será a facão! – ameaçam (…), mostrando as largas lâminas afiadas (…).”
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