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SAÚDE MENTAL

Caps supera a marca de 13 mil atendimentos ao longo de 25 anos

Foto: Luiz Fernando Bertuol SECOM

Ver o que outros não enxergam, ouvir vozes que ninguém mais escuta, sentir vontade de desistir da vida, medo extremo ou sensação de morte iminente ou ainda ter pensamentos e comportamentos repetitivos e difíceis de controlar. Esses são alguns dos sintomas que podem caracterizar sofrimento psíquico e que precisam de atenção especial. Quando o assunto é saúde mental, Santa Cruz do Sul se destaca no Estado por contar com uma rede bem estruturada de serviços especializados para atender a população.

Embora o Centro de Atenção Psicossocial (Caps II), serviço vinculado à Secretaria Municipal de Saúde (Sesa), exista há 25 anos, apenas cinco após a Reforma Psiquiátrica que instituiu o cuidado em liberdade para pacientes que antes estariam confinados em manicômios, ainda há muitas dúvidas sobre o funcionamento. O trabalho é o primeiro especializado em saúde mental do município. Atualmente cerca de 1,5 mil usuários são atendidos, seja de forma esporádica ou diariamente, e desde a implantação já são mais de 13 mil prontuários no acervo.

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Adriane: serviço inovou na forma de acolhimento | Foto: Luiz Fernando Bertuol

Segundo a psicóloga Adriane Schwerz, que atua no local desde a inauguração, o Caps II foi criado para acolher pessoas com doenças mentais, como depressão grave, esquizofrenia, psicoses e outros transtornos, encaminhados pela rede de atenção básica. “O Caps é um serviço especializado em saúde mental para tratamento de patologias crônicas e graves. Casos mais leves, como ansiedade, por exemplo, podem ser tratados na rede de atenção básica porque os profissionais estão capacitados para isso”, esclarece.

Uma vez encaminhado pelo médico da unidade de saúde ou Estratégia de Saúde da Família, o paciente é recebido no grupo de acolhimento. Esse é o momento em que os profissionais fazem uma escuta de qualidade, conversam e orientam. Para cada usuário é elaborado um plano terapêutico individualizado, que vai mudando com o passar do tempo e a regressão dos sintomas. “Se a pessoa está mal, orientamos que venha todos os dias, compareça às consultas, participe dos grupos terapêuticos e oficinas. À medida que for melhorando, vamos reduzindo as vindas ao Caps e passamos a oferecer um programa de manutenção.”

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Adriane ressalta que no Caps não há internação. A proposta não é ser um lugar de permanência por tempo indeterminado para os pacientes, mas de passagem.

Como funciona

O Centro de Atenção Psicossocial (Caps II), de Santa Cruz do Sul, atua dentro de um modelo de atenção aberto e de base comunitária. O trabalho é executado por psiquiatras, psicólogos, terapeuta ocupacional, assistente social, enfermeiro, técnicos de enfermagem e equipe de apoio.

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Desde 2016, o Caps funciona em uma casa de dois pisos na Rua Venâncio Aires, 307, no centro da cidade. Em cerca de 2 mil metros quadrados de área construída, há mais consultórios e salas para a realização de oficinas e grupos terapêuticos, além de espaço externo.

O Caps conta com atividades inéditas, além das tradicionais de música, horta e artesanato. Há uma oficina específica para mulheres, outra só para homens, uma de autocuidado dividida por faixas etárias e outras como geração de renda, dinâmicas, narrativas e Lian Gong.

OPINIÃO: Depressão e saúde mental

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Santa Cruz do Sul conta com uma ampla rede de serviços voltados para a saúde mental. Fazem parte desse complexo o Centro de Atenção Psicossocial para Álcool e outras Drogas (Caps AD) e o Centro de Atenção Psicossocial da Infância e Adolescência (Capsia).

Grupos e oficinas terapêuticas tiram o foco da doença

A cena se repete semanalmente. Sentados em roda, à sombra de uma árvore, pacientes de um grupo de cuidados intensivos em saúde mental se reúnem para dar risadas, cantar, recitar poesias e compartilhar momentos de descontração. O grupo é direcionado a pacientes em estado crítico que, em razão de uma crise ou agravamento dos sintomas, precisam de suporte maior.

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Marli: as atividades são construídas em conjunto | Foto: Luiz Fernando Bertuol

As atividades são livres e sempre escolhidas de comum acordo entre os usuários e os profissionais que fazem o acompanhamento, explica a assistente social do Caps II, Marli Oliveira Castilho. “Não impomos nada, trabalhamos juntos, criamos as atividades em conjunto com eles, sempre respeitando as singularidades de cada um.” Segundo ela, os grupos são uma importante forma de trabalhar autonomia, cuidados diários, valores, interação social, desenvolvimento de capacidades e habilidades visando à socialização.

Com expressão radiante, um frequentador de 39 anos demonstrava estar feliz no encontro realizado em uma quinta-feira, e era dos mais participativos do grupo. Ele aproveitou para dançar e soltar a voz, no que era aplaudido pelos colegas. Usuário do centro há cerca de uma década, o homem viu a vida mudar radicalmente por causa de uma série de sintomas que resultaram em um diagnóstico de esquizofrenia.

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Para ele, participar das atividades com outros pacientes ajuda a restabelecer o equilíbrio. “Aqui aprendi a ter mais controle das minhas emoções, eu esquentava a cabeça muito rápido, dizia coisas. Aprendi que a gente tem que cuidar porque nem todo mundo lá fora vai ser compreensivo, as pessoas na rua não sabem da tua doença e podem não entender, podem até te agredir”, afirmou.

Pacientes revelam como serviço mudou vidas

Entre idas e vindas, outra usuária, de 47 anos, é paciente do Caps há mais de duas décadas e participa de um grupo terapêutico de autocuidado. Vítima de abuso sexual aos 14 anos, mais tarde de agressões físicas por parte do marido quando foi casada e com um histórico de suicídio na família, ela tentou tirar a própria vida duas vezes por causa de uma depressão de difícil tratamento. Na primeira vez quase morreu de fome e na segunda tentou pular do 13º andar.

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Com um tremor constante em todo o corpo, a paciente sente dor e cansaço e busca no tratamento uma forma de viver melhor. Ela vai ao Caps duas vezes por semana e encontra no local um ambiente de escuta, acolhimento e amparo nos momentos mais críticos. Assistente de cozinha, está em auxílio-doença desde agosto do ano passado e faz uso de seis tipos diferentes de medicamentos. “Se não fosse o Caps, os médicos e a ajuda das gurias que trabalham aqui, eu certamente já teria morrido”, desabafou.

Também vítima de um relacionamento abusivo que se arrastou por mais de duas décadas, outra mulher, de 43 anos, viu a doença ser usada como uma arma contra ela. Com diagnóstico de transtorno de humor devido a traços de compulsividade, recebeu o diagnóstico aos 26 anos. “Eu tinha problemas com gastos excessivos, entrava em uma loja e levava tudo, mas quando eu comprava a minha ansiedade baixava. Também quando ia a uma festa e dançava até o amanhecer, as pessoas me perguntavam se eu estava usando algo. Era a fase da mania, da euforia”, lembrou.

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Não demorou muito, iniciou um namoro complicado. “Eu vivia feliz e serena cursando a minha faculdade. Era aos finais de semana que as coisas se tornavam turbulentas, meu namorado era excessivamente controlador, possessivo e ciumento, mas eu aceitava a culpa, afinal eu é que tinha o rótulo”, contou. As coisas pioraram depois do casamento. “Ele me chamava de louca, me torturava psicologicamente. Esses anos todos tomei muita medicação, fiz uso até de outras coisas e tentei suicídio várias vezes, ele me incitava a isso. Eu vivia doente e no fim de 2012 tive um surto psicótico”, revelou.

Sem o apoio da família, nem das amigas que a criticavam por querer deixar um casamento financeiramente vantajoso, ela levou muitos anos para tomar a decisão. Precisou deixar o trabalho e sair da cidade para fugir de comentários maldosos, agressões e ameaças do ex. Atualmente, tem medida protetiva contra ele. “Eu quis proteger minha filha, foi por ela e para proteger minha sanidade que eu disse chega, mesmo com toda a falta de apoio.”

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No Caps II ela se sente acolhida. “Vim aqui por falta de condições financeiras, mas sabia da qualidade do serviço e sabia que seria bem atendida. Faço consultas com psiquiatra e participo de grupos. Hoje venho duas vezes por semana, mas vou começar a vir apenas uma porque quero voltar ao muay thai, uma atividade que eu praticava antes de casar e me fazia muito bem. Agora quero viver em paz.”

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