Ele já traz o termo mago no nome artístico que adotou. Devia mesmo ser um sinal, para o mundo, de que ele faria magias capazes de torná-lo um ser humano nada comum. Por exemplo, daqueles que conseguem romper a barreira do tempo e do espaço e viajar entre o passado e o futuro, no qual, aliás, têm lugar cativo no coração de toda a humanidade.
Nasceu como José de Souza na aldeiazinha de Azinhaga, junto a Golegã, em Portugal, localidade que, por sinal, ele tornou famosa pelo simples fato de ter vindo ao mundo ali. E isso aconteceu no dia 16 de novembro de 1922, há exatos 100 anos contados nesta quarta-feira, 16. Algumas décadas depois, como escritor, e assinando as obras como José Saramago, viria a se tornar o primeiro (e até agora único) autor em língua portuguesa a ganhar o Nobel de Literatura, honraria máxima mundial a alguém que se dedica à literatura.
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Ainda que a obra literária chegasse, ao final da vida dele, a mais de duas de dezenas de títulos, com destaque para os romances, traduzidos no mundo todo, mas também teatro, ensaio e memórias, Saramago começou a escrever efetivamente de uma forma um tanto tardia. Ele era jornalista, na equipe do Diário de Notícias, de Lisboa, e esporadicamente publicava ficção, como fez com Terra do pecado, romance de 1947, com pouco mais de 20 anos. Mas eram uma espécie de ensaios para o que viria mais tarde. Já maduro, e influente no jornalismo em um tempo marcado pela ditadura de Salazar, filiado ao Partido Comunista, teve o nome riscado de uma lista de concorrentes a um prêmio literário espanhol.
Magoado, afastado da ocupação no jornalismo, tomou a decisão de sair de Portugal e radicou-se ao lado da companheira Pilar del Rio na ilha de Lanzarote, nas Canárias, no litoral da Espanha. Era o ano de 1992 e ali efetivamente despontou, de vez, para o mundo da literatura. Ao longo dos anos, em sucessão, foi escrevendo alguns dos mais abrangentes, alegóricos e impactantes romances em língua portuguesa. Sempre com a marca Saramago, uma prosa em fluxo contínuo, sem interrupções, com ironia fina e máximo virtuosismo no diálogo, sem jamais abrir mão da poesia e da filosofia.
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A decorrência foi que em 1998 seria anunciado como o vencedor do Prêmio Nobel de Literatura, coroando uma trajetória marcada por virtuosismo e convicções éticas e humanas. No ano seguinte, já consagrado como o primeiro (e até hoje único) autor de língua portuguesa a ter recebido o Nobel, esteve em Porto Alegre, para proferir palestra e receber o título de doutor honoris causa, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). A Gazeta do Sul acompanhou aquela visita do autor, na companhia da esposa Pilar, e inclusive participou da entrevista coletiva que concedeu. O fotógrafo Lula Helfer fez, na ocasião, o registro que ilustra esta página.
Sempre prolífico e ativo, Saramago só silenciaria em 18 de junho de 2010, quando faleceu, aos 87 anos. Mas a obra segue sendo tão ou mais lida quanto já era quando ele ainda podia comparecer a eventos literários. E, para alegria dos gaúchos, esteve por diversas vezes em Porto Alegre.
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Um estilo único e inconfundível de escrita
Qualquer romance de José Saramago da fase consagrada que se abra, e ainda que se abrisse o livro por acaso, apresenta o leitor ao inconfundível estilo Saramago de escrever, num fluxo de texto intenso e bem-humorado. Se começou jovem na literatura, com Terra do pecado, em 1947, foi efetivamente com Levantado do chão, em 1980, já com 58 anos que, por assim dizer, levantou-se, ergueu-se para o mundo. E não mais pararia.
Memorial do convento, de 1982; O ano da morte de Ricardo Reis, de 1984; A jangada de pedra, de 1986 (uma sublime alegoria da condição da Península Ibérica e da relação de Portugal com a Espanha e de ambos com o mundo); e História do cerco de Lisboa, de 1989, o traziam lidando com pesquisas históricas sobre sua terra. Mas então viriam os anos 1990, e com eles o petardo que foi O evangelho segundo Jesus Cristo, romance que lançou em 1991 e causou frisson: ateu confesso, lidava ali com a figura máxima do cristianismo, numa época, posterior à queda do Muro de Berlim e da derrocada da União Soviética, em que os ânimos estavam à flor da pele.
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O mundo inteiro agora sabia quem era Saramago. E ele soube avaliar o cenário: em 1995 lançou o estupendo Ensaio sobre a cegueira, talvez um dos romances mais atuais do que nunca (quem ler, saberá por quê). E vieram, na reta final do século 20 e século 21 adentro, obras pulsantes de poesia, e de alegoria fina sobre a condição humana contemporânea, como Todos os nomes, de 1997; A caverna, de 2000; O homem duplicado, de 2002; Ensaio sobre a lucidez, de 2004, uma espécie de contraponto à cegueira; e, já flertando com a finitude, As intermitências da morte, de 2005. Juntos, conformam a magia da obra-prima de José de Souza, o Saramago.
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