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Salve, Jorge (Furtado)

Foto: Alencar da Rosa

O 5º Festival Santa Cruz de Cinema atraiu as atenções para a região ao longo desta semana. Mais do que atenções, trouxe muitos realizadores para acompanhar as atividades, como foi o caso do diretor gaúcho Jorge Furtado. Um dos mais conhecidos e reconhecidos cineastas em atividade no País, um expoente de sua geração, veio à cidade na companhia da esposa Nora Goulart, uma das integrantes do júri oficial da Mostra Competitiva, formado por três mulheres.

Em Santa Cruz do Sul, Furtado recebeu o Magazine para um bate-papo, regado a café, na Livraria e Cafeteria Iluminura, na tarde de quarta-feira, 26. Ali, concedeu entrevista na qual recuperou passagens da carreira e falou dos projetos atualmente em desenvolvimento. E lembrou, por exemplo, que, por feliz coincidência, em 1999, por três meses transformara Santa Cruz em seu QG para as filmagens da minissérie Luna Caliente, com Paulo Betti e Ana Paula Tabalipa.

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Na ocasião, gravara justamente naquela esquina da livraria, ruas Marechal Floriano com Borges de Medeiros, mas no segundo andar do prédio do bar Amsterdam, bem como no Club União, ali próximo. E revelou que, além de ele próprio adorar Santa Cruz, um dos ramos da família é da cidade, e ainda de Rio Pardo.

Na literatura

Se o cinema tende a ser um assunto incontornável em uma entrevista com Jorge Furtado, essa não é a única vertente da arte com a qual ele costuma estar envolvido. Por exemplo: já está em pré-venda, junto à Companhia das Letras, um novo romance de autoria dele, que deve chegar às livrarias no início de dezembro.

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As aventuras de Lucas Camacho Fernandez, o novo título, como explicou na entrevista, envolve história real e ficção, num diálogo, além de tudo, com Shakespeare. Ocorre que o personagem citado já no título foi o primeiro tradutor de uma obra do autor inglês, quando este ainda era vivo; Camacho Fernandez traduziu o Hamlet, em 1607, e para o português!

Para Furtado, foram cinco anos de pesquisa até a redação do romance, que, claro, adota soluções ficcionais. Ele já lançara, nesse gênero, Trabalhos de amor perdidos, em 2006, pela Objetiva, além de roteiros, contos, teatro e traduções.

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Ficha

As Aventuras de Lucas Camacho Fernandez, de Jorge Furtado. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.
184 páginas. R$ 64,90.

O que estará em cartaz

Enquanto aguarda pelo lançamento, no primeiro semestre de 2023, do longa-metragem Grande Sertão: Veredas, do qual assina o roteiro, a partir da obra-prima de Guimarães Rosa, com direção de Guel Arraes, o porto-alegrense Jorge Furtado, de 63 anos, também se prepara a fim de realizar o próximo longa, Virginia e Adelaide. Foi o que revelou durante a entrevista exclusiva concedida ao Magazine na última quarta-feira, na Livraria e Cafeteria Iluminura, em passagem pela cidade para prestigiar o 5º Festival Santa Cruz de Cinema.

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Furtado ainda enfatizou a predileção pelo formato de curta-metragem, e comparou a distinção entre curta e longa, duas possibilidades do cinema, com a elaboração de contos ou de romances, no âmbito da literatura. Como referiu, tanto na narrativa curta quanto na mais extensa, há obras-primas, e o mesmo vale, no entender dele, para o audiovisual.

E aproveitou para elogiar muito a energia comunitária e a organização que cercam o Festival Santa Cruz de Cinema, o qual acompanha desde a primeira edição. Citou ainda o acerto e a pertinência da implantação da Film Comission, aprovada junto à Câmara de Vereadores na última segunda-feira, 24, iniciativa que projeta a cidade para um novo patamar na atração de possíveis produções do audiovisual do Estado e do País nos próximos anos.

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O cineasta se disse muito satisfeito com a atual cena do cinema no Rio Grande do Sul, e também em âmbito de Brasil, com diversos projetos em desenvolvimento. Lembrou que a evolução tecnológica possibilita às novas gerações um envolvimento muito mais rápido ou instantâneo com o audiovisual, diante da maior facilidade em equipamentos e da difusão, para o mundo todo. Isso, adverte, não necessariamente se traduz em qualidade sempre, de maneira que a persistência no aperfeiçoamento deve ser uma constante, e em todas as idades.

Entrevista – Jorge Furtado, cineasta, produtor e escritor

  • Magazine – Como tem sido, ao longo do tempo, a relação do senhor com Santa Cruz do Sul?
    Minha relação com Santa Cruz é muito mais antiga do que muitos imaginam. Porque parte da minha família é de Santa Cruz. O ramo da minha vó paterna veio de Rio Pardo. Mas moraram aqui. E eu vim a Santa Cruz pela primeira vez no final dos anos 90 para fazer o que foi meu primeiro longa, Luna Caliente, uma série para a Globo, baseado no romance do Mempo Giardinelli, que eu queria fazer para o conema há muito tempo, e consegui fazer para essa série da Globo. Foi a primeira vez em que dirigi uma equipe grande de cinema. Passei três meses em hotel aqui pertinho (Charrua). Conheci bastante Santa Cruz na ocasião. Gravamos em muitos lugares. E voltei algumas vezes desde o começo do Festival de Cinema. Estive no lançamento dele, sou quase que o padrinho dele. Achei muito boa a ideia, e já é um sucesso. Tenho acompanhado, e é a terceira vez que venho. Está crescendo muito; é um festival muito vivo, com sala cheia de jovens querendo ver tudo, não é um desfile de celebridades. O destaque são os filmes mesmo, e de curta-metragem, com uma diversidade enorme, filmes do Brasil inteiro. Vou continuar vindo a Santa Cruz, que, além de tudo, tem boas livrarias.
  • O senhor tem também uma forte ligação com o curta-metragem…
    Sim, eu adoro curta. Talvez o cinema seja o único meio de expressão onde o tamanho de uma obra é referido. Porque, na literatura, ninguém diz que Os irmãos Karamázov é melhor do que A metamorfose porque é uma obra grande, longa; ou que Guernica é um quadro maior, melhor do que a Mona Lisa, porque é maior que esta. Mas no cinema isso aparece: isso é um curta. Não! É um filme! Um filme de 15 minutos tem o mesmo valor para mim de um longa. É como conto e romance. Borges não é menor por não ter feito longas, romances; fez muitos grandes contos. O curta, no cinema, tem a liberdade de criação que o longa não tem. Porque o longa é um empreendimento comercial, tem muita reunião, muito dinheiro envolvido, a pessoa tem de sair de casa, tem de ter plano de marketing… O curta não, é uma expressão muito artística. O cara faz mais ou menos aquilo que ele quer fazer. Eu próprio não vou a festivais de longas há muitos anos, mas de curtas eu vou!
  • É como se o conto e o romance estivessem para o curta e longa?
    Exatamente, é um conto. Por exemplo, o Machado, um dos maiores escritores, tem grandes romances, mas os contos dele, centenas, são incríveis. Eu até prefiro reler os contos do Machado. E fez romances e fez contos.
  • Em que trabalhos o senhor está envolvido neste momento?
    Estou bastante envolvido com o lançamento, no começo do ano que vem, do Grande Sertão: Veredas, filme do qual escrevi o roteiro, com direção do Guel Arraes. Fica pronto agora em novembro, e deve chegar no ano que vem. E meu próximo trabalho de diretor muito provavelmente vai ser um filme que mistura ficção e realidade chamado Virginia e Adelaide. É a história de duas mulheres incríveis que se encontraram no Brasil nos anos 30. Esse filme devo fazer no primeiro semestre do ano que vem. Terá uma parte de documentário, em acervo, arquivos, e uma parte de cenário.
  • Como foi o início do senhor no cinema? O que mais marcou?
    Para mim foi curioso. Eu estudava Medicina na época, não tinha nada a ver, e sempre gostei de escrever, desenhar. Gostava das duas coisas. Quando estava nos primeiros anos de Medicina, começou um movimento em Porto Alegre, em especial um filme do qual me lembro bem, o Deu pra Ti Anos 70, do Giba Assis Brasil e do Nélson Nadotti. Foi filmado em Porto Alegre, longa com atores gaúchos; vi aquilo e fiquei muito surpreso. Pensei: dá para fazer isso? É possível? E aquele momento coincidiu também com ciclos dedicados a realizadores: Akira Kurosawa, Alfred Hitchcock, François Truffaut. Eu, que nunca tinha prestado atenção em diretores de cinema, me dei conta de que era possível fazer cinema de qualquer maneira, ou de muitas maneiras. Essa junção, a possibilidade de fazer cinema em Porto Alegre e a visão de que era possível fazer cinema de muitas maneiras, me motivou a fazer cinema. E larguei a faculdade de Medicina. Daí fiz vestibular para Artes Plásticas e Jornalismo, que tinha uma cadeira de cinema. Cursei as duas faculdades junto para fazer cinema. E comecei a trabalhar.
  • E, na literatura, o senhor tem um novo romance chegando às livrarias…
    É verdade! As aventuras de Lucas Camacho Fernandez. Tenho uma obsessão por Shakespeare, e descobri numa pesquisa que havia registro da primeira tradução de obra de Shakespeare na história, em 1607, portanto quando ele ainda estava vivo (a segunda tradução é de 1630, quando já havia morrido). E essa única feita com ele vivo foi uma de Hamlet, por um jovem negro, chamado Lucas Camacho Fernandez. Isso é fato, histórico. Me entusiasmei: quem é esse cara? Eu preciso descobrir quem é esse sujeito, por que e como isso ocorreu. Na minha pesquisa, descobri muitas coisas. E virou uma história de piratas, que se passa nos séculos 16 e 17, na Inglaterra, na África e no Brasil.

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