Se a pandemia do coronavírus não tivesse alterado por completo a rotina, os brasileiros poderiam estar curtindo com tranquilidade um filme de aventura que acabara de entrar no circuito. Trata-se de O Chamado da Floresta, adaptação do romance homônimo do norte-americano Jack London (1876-1916), natural de São Francisco. Sob direção de Chris Sanders (Como Treinar o seu Dragão) e com Harrison Ford no elenco, havia estreado na reta final de fevereiro e estava em cartaz em Porto Alegre, com perspectivas de chegar em breve a Santa Cruz do Sul (espera-se que isso possa vir a ocorrer mais adiante). É uma história que tem como personagem principal um cão são-bernardo, o Buck, levado, por vias do destino, a reencontrar-se com o mundo natural e, a partir disso, com a plenitude do existir. Nisso, talvez, tivesse algo a nos ensinar nos tempos atuais.
Filho do século 19 em sua reta final, de avanços tecnológicos sem precedentes, que deixavam as pessoas deslumbradas e boquiabertas, em seus apenas 40 anos de vida testemunhou grandes mutações. Uma delas, à qual inclusive se rendeu, entusiasmado pela juventude, foi uma febre que tomou conta dos Estados Unidos: a corrida do ouro. Milhares de pessoas rumavam em direção ao Alasca, ao Rio Yukon, atraídos pela perspectiva de fortuna instantânea. Com pouco mais de 20 anos, London também se aventurou no Klondike em meados de 1897, talvez até inspirado pela leitura recente do romance Moby Dick, de Hermann Melville.
Sua corrida ao ouro não chegou a ser bem-sucedida, mas o contato com o mundo selvagem, inóspito, do extremo norte, fixou-se de tal forma em seu imaginário que… começou a escrever. Mal havia retornado à Califórnia, lançou um volume de contos, em 1900, até arriscar-se em narrativa mais longa em 1902, com A filha da neve. Mas já no ano seguinte lançava o livro que se tornaria um clássico, justamente O chamado da floresta (ou O chamado selvagem, ou ainda O apelo da selva, com cujos títulos pode ser encontrado em diferentes traduções e edições brasileiras, a depender da editora). Essa pequena obra-prima de certa maneira equivaleria, ao menos para os leitores, ao “ouro” que London fora buscar no Alasca.
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A este livro seguiram-se mais de 20 romances, além do mesmo número de volumes de contos, numa produção impressionante e vertiginosa para uma vida tão curta. E para uma vida ao mesmo tempo tão agitada, visto que London, sozinho ou em família, praticamente cruzou boa parte do mundo, inclusive em viagem de iate, outro tema recorrente em sua ficção, que passou a explorar em O lobo do mar, romance de 1904. Em A travessia do Snark, relata justamente essa aventura verídica em família, num cruzeiro pelos mares do sul. Mas a fama de London como escritor já estava consolidada, e seria ampliada em definitivo com o lançamento do romance Caninos Brancos, em 1906, na mesma linha das aventuras de animais em ambiente selvagem.
Ao longo da década seguinte, até sua morte, em 1916, se firmaria como um dos escritores mais populares e queridos no mundo todo. Tal sucesso manteve-se intacto, ou só fortaleceu, até os dias atuais, esses dias em que, acossados por uma pandemia, estamos reclusos em casa e com tempo suficiente para uma leitura que nos devolva a um mundo mais natural, saudável para o corpo e a alma, a um reencontro com a natureza. Além de sua ampla e riquíssima obra, para conhecer melhor a vida do escritor há uma excelente biografia disponível no Brasil: Jack London, uma vida, do escritor e biógrafo Ian Kershaw, lançada pela Benvirá em 2013. Tudo o que London escreveu ou que se escreveu sobre ele vale a pena ler.
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