O contexto social, econômico e cultural que antecedeu e resultou na Revolução Farroupilha há vários anos tem merecido a atenção demorada de um historiador e pesquisador gaúcho. Natural de Cachoeira do Sul, mas radicado em São Paulo desde 2001, o professor Maximiliano Mac Menz, de 45 anos, que tem familiares em Santa Cruz do Sul, é uma referência em história do período imperial, tanto o português quanto o brasileiro posterior à independência.
Graduado em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), em 1998, Menz na sequência cursou mestrado em História pela mesma instituição, concluindo em 2001, e doutorado em História Econômica pela Universidade de São Paulo (USP). Hoje é professor de História Moderna nessa mesma universidade, na qual realizou o projeto de Jovem Pesquisador (de 2009 a 2012) e desenvolve o projeto “Uma história econômica do tráfico de escravos em Angola: financiamento, fiscalidade, transporte (c.1730-1807)”, ambos com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Em paralelo, é professor do programa de pós-graduação em História Econômica da USP e professor na Universidade Federal Paulista (Unifesp-SP).
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Com seu amplo currículo acadêmico e de investigação sobre a história do período colonial, assina diversos livros de consulta essencial sobre esse contexto. Um deles é Entre impérios: formação do Rio Grande do Sul na crise do sistema colonial português (1777-1822), lançado pela editora Alameda em 2009, com 285 páginas. Nessa obra, Menz situa o Rio Grande do Sul no período de meio século anterior à independência brasileira na desconfortável condição de território alvo de dois interesses imperiais: os de Portugal e os da Espanha, ainda mais após o fim da União Ibérica, em 1640.
Em seu livro, Menz salienta que ao longo do século 18 um intenso contrabando de mercadorias e metais ocorria a partir da Bacia do Prata, invadindo o território da Capitania D’El Rey, o Rio Grande de São Pedro. Mesmo na época de independência brasileira, os interesses de Dom Pedro I ainda se estendiam à Província Cisplatina, o atual Uruguai, que ainda fazia parte do Império brasileiro, e o território pouco habitado do sul e da fronteira do Rio Grande era alvo de disputas por conta dos interesses das Províncias Unidas do Rio da Prata, a atual Argentina; o império brasileiro perdeu a Cisplatina em definitivo em 1828.
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Em entrevista concedida via Google Meet à Gazeta do Sul nessa quinta-feira, 15, a partir de sua residência, em São Paulo, Menz menciona essa possibilidade histórica, como refere, que fez o Rio Grande do Sul estar na confluência de interesses imperiais, que envolvem tanto a alternativa platina quanto até mesmo a portuguesa, em detrimento do Brasil.
Mais do que uma escolha, essas possibilidades envolviam um eventual sucesso de uma ou outra parte em conflito armado, como de fato foi a Guerra da Cisplatina. Todo esse cenário, e o posterior vínculo definitivo com o Brasil, sinaliza para insatisfações e inquietações que desembocariam na Revolução Farroupilha, nas décadas de 1830 e 1840.
Entrevista Maximiliano Mac Menz – Pesquisador, doutor em História e professor
- O que a Revolução Farroupilha representa hoje, como os gaúchos e o Brasil veem esse tema?
Temos que diferenciar um pouco o que é a memória e o que é a história. Por um lado, a memória é a visão que as pessoas têm no âmbito geral, e outra coisa é a história como uma ciência que passa por diversos métodos científicos etc.; e que terá em torno disso uma produção historiográfica, que dialoga com a memória. Muitas das questões que nós, historiadores, levantamos como problema acabam sendo diferentes da memória. No Rio Grande do Sul, há uma discussão que valoriza a Revolução Farroupilha. Uma ideia que procura pensar o Rio Grande do Sul como algo diferente do Brasil. Isso tem várias razões.
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A memória é sempre um processo social de construção, que se desenvolve a partir dos meios de comunicação, e essa construção passa por certos objetivos políticos e econômicos. Em termos gerais, há uma visão positiva sobre o processo da Revolução Farroupilha, sobre a especificidade dos gaúchos.
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O gaúcho seria diferente em relação aos demais habitantes do Brasil. Há uma série de construções sobre isso, às vezes até negativas, que podem ser de construções racistas, afirmando a superioridade, a colonização europeia no Estado, ou passam por visões que associam a essa cultura política diferente, que teria sua origem praticamente na Revolução Farroupilha. Enquanto, pela memória, a Revolução Farroupilha nos torna diferentes de todo o resto, na história, o que a gente aponta é a semelhança do processo com outras revoltas.
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- A Revolução Farroupilha acontece em um período onde ocorreram diversas revoltas regionais no Brasil. O que essas revoltas têm em comum?
Em geral, essas revoltas são contra a centralização política e financeira de recursos. Mais do que isso, as lideranças das revoltas tinham aproximação. É bom lembrar que Bento Gonçalves fugiu do presídio no Rio de Janeiro porque ele tinha companheiros conspiradores no próprio Rio de Janeiro. Existe um debate de que a Revolução Farroupilha não tinha uma revolta separatista. Historiadores dos anos 1920 e 1930 vão dizer que foi uma revolta federalista, basicamente propondo um tipo de estado federalista. No século 19, o estado federalista era algo um pouco diferente do que se entende hoje.
De todo modo, o que se defendia nessas revoltas era descentralização política e dos recursos. Fundamentalmente, dos recursos fiscais. As elites regionais queriam controlar isso. Elas têm desdobramentos diferentes. Por exemplo, a do Maranhão era muito mais popular, mas terá contornos antiescravistas também. Cada revolta possui suas características próprias, mas tem algo em comum, que é a luta contra a centralização estatal, o programa que vai se desenhando durante a regência, dos grupos que dominam a política na Corte, principalmente São Paulo e Rio de Janeiro.
Outro elemento a se pensar é que, na história, a gente pensa a independência do Brasil como independências plurais, pois são diversos processos paralelos. Por exemplo, a América hispânica como um todo basicamente é o império espanhol que se fragmentou, e o Brasil é o império português que não se fragmentou. No fundo você vai ter diferentes projetos políticos de independência, e a Revolução Farroupilha é um desses projetos.
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- A Revolução tornou o Rio Grande do Sul diferente do resto do Brasil?
Se existe essa construção de que o Rio Grande do Sul é algo específico e diferente, por outro lado também existe uma relação mais forte com a região Platina. Isso é um aspecto importante no processo da região. Quando falamos nos gaúchos, nos séculos 18 e 19, a gente está falando de uma elite proprietária de terras, de gado e de escravos, que efetivamente está fazendo a política por conta de seus interesses econômicos e políticos. No século 18, como procuro argumentar no meu livro (Entre impérios), existe a possibilidade, a aproximação com o Prata, e às vezes as elites locais jogam essa possibilidade nos debates com as elites centrais, tanto com o império português, primeiro, como no século 19 com a Corte, no Rio de Janeiro.
Por outro lado, é no século 20 que a coisa do regionalismo gaúcho vai de fato ser construída como movimento cultural e também com certo sentido político. Os CTGs começam a se organizar a partir dos anos 1950, então isso vem no mesmo contexto que teremos de organização cultural. Você tem também a criação do caipira, de São Paulo, os representantes típicos de cada região. Isso, de certo modo, cai no contexto da centralização estatal que Getúlio Vargas vai fazer depois, nos anos 1930.
- No livro Entre impérios, o senhor analisa o caso gaúcho enquanto ligado tanto ao império português quanto, depois, ao brasileiro. O que se salienta nesse meio século do Rio Grande, a partir de 1777, que leva de um império ao outro?
Eu parto um pouco dessa ideia, que o destino histórico do Rio Grande do Sul jogou entre diferentes possibilidades históricas, inclusive a possibilidade platina, ou também de uma ligação mais forte com Portugal do que propriamente com o Brasil. Isso vai caracterizar o processo inicial da colonização do Rio Grande do Sul no século 17, que é a ligação com o resto do Brasil. Estou contando que existiram outras possibilidades históricas, que são dadas pelo contrabando, pela passagem de um lado para o outro da fronteira, havia castelhanos por aqui, portugueses por lá, famílias que se interligavam.
Então existiam possibilidades de você ter outras fidelidades, como eu chamo no meu livro, fidelidades alternativas, diferentes possibilidades políticas. Estou, de certo modo, com a ideia de que existe um Rio Grande do Sul submetido ao império português desde sempre. Só que no final do século 18 a coisa começa a pender de fato para o lado do Brasil, e isso tem a ver com duas coisas: o fato de que o RS já fazia comércio de tropas de mares no interior do Brasil desde a década de 1730, por aí. Mas no final do século 18 começa a expansão pelo charque. Isso está associado principalmente a um fenômeno, que é uma grande seca no Nordeste que vai afetar principalmente Pernambuco, vai destruir os rebanhos de Pernambuco.
Além disso, é um período, por conta da Revolução Francesa e da Revolta dos Escravos em São Domingo (que vai formar o Haiti), em que o preço dos produtos coloniais, principalmente o açúcar, explode. O tráfico de escravos está em alta, os preços começam a crescer. Destroem-se os saladeiros (locais onde se prepara a carne seca) e aí começa a expansão dos baladeiros no Rio Grande do Sul. Isso vai puxar o Rio Grande do Sul de forma definitiva aos mercados do Brasil, e expandir a escravidão no Rio Grande do Sul, que é a lógica da colonização do Império Português.
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