Quando era guri gostava de observar meu pai realizando as tarefas mais simples do cotidiano, cena bastante comum de infância em que o patriarca era o herói supremo. Para quem nasceu na colônia, sem televisão e nem se imaginava o advento da internet, a convivência familiar era intensa. Uma das tantas habilidades do “velho Giba” era descascar no capricho vistosas laranjas de umbigo cultivadas nos fundos de casa. Nossa roça, aliás, era pródiga na variedade de frutas.
Eu não cansava de contemplar meu pai demonstrando toda habilidade para extrair a casca da fruta completamente, do início ao fim, sem interrupção. No final do trabalho, formava-se uma espiral de cor amarela por fora e branca por dentro. Para “esculpir” a casca, ele utilizava uma faca bastante afiada. Durante muito tempo tentei imitar meu ídolo, mas somente depois de adulto consegui reproduzir a proeza que teve como espectador meu filho ainda piá.
Outra cena que gerava contemplação na minha infância consistia na arte de apontar lápis. À época, se tratava de um objeto comum, empregado nas tarefas do dia a dia da escola, dos escritórios e em inúmeras tarefas caseiras, como fazer a lista do rancho a ser comprado no armazém. O uso de lápis, por sinal, está fora de moda. É raro encontrar alguém que use o grafite. E com borracha na extremidade então… nem pensar!
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O velho Giba “fazia a ponta” usando uma gilete afiadíssima. Isso mesmo. Para quem não conhece o objeto, eram antigas lâminas de barbear. Naquela época, somente as navalhas dos barbeiros rivalizavam na hora de “escanhoar a pele”. Ok, concordo. É um verbo fora de uso e, por isso, cabe a explicação: Escanhoar: “barbear (-se) com perfeição, cortando bem rente toda a barba e deixando a pele homogeneamente lisa”, segundo o dicionário.
Eu ficava horas a fio de olho naquela lâmina afiada que passava a centímetro das veias do pulso do meu pai. Apesar do temor, jamais presenciei qualquer acidente apesar da repetição da tarefa. Terminado o trabalho, meu pai “testava” o lápis, rabiscando em uma folha de papel até ficar de acordo. Ele aparava uma ou outra saliência com a extremidade da lâmina e, para concluir a tarefa, recolhia os resíduos de grafite e madeira sobre a mesa.
Discorrer sobre o dia a dia de uma infância da década de 1960 soa nostálgico. Em parte é verdade, mas a parceria forjada nesta convivência de aprendizado permanente “não tem preço”, como diz o texto daquele comercial. Vivemos tempos de pressa, tecnologia, contato virtuais e pouca interação humana. Fala-se da globalização de hábitos, produtos e rotinas. Mas o molho da vida é a convivência olho no olho, de sonoras risadas e do compartilhamento de lágrimas.
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