É praticamente o tempo que tenho de Gazeta. Bob Dylan esteve em Porto Alegre pela primeira vez em agosto de 1991 e eu saí de lá para vir para Santa Cruz do Sul, três meses antes, em maio daquele mesmo ano, agarrado a uma oportunidade de ouro para fazer parte da equipe de um dos principais grupos de comunicação do País. Dylan retornaria mais duas vezes, em 1998 e 2002, sem tanta repercussão. Eu ficaria por aqui, para sempre, repercutindo os fatos culturais da região. O bardo e anasalado cantor norte-americano foi a minha porta de entrada. No seu primeiro grande show em solo gaúcho, nós – eu mais o fotógrafo Inor Assmann e o Rogert “Alemão” Ernst, da Gazeta FM – estivemos lá. E ele estava comemorando o seu cinquentenário de existência.
Ainda sinto o frio daquele dia. Eu tremia, muito, não tanto pelo ar gelado e cortante de agosto, mas de emoção mesmo, de um repórter iniciante que vai pela primeira vez ao encontro de uma grande cobertura internacional. Bob Dylan, o cara que compartilhava da intimidade com os Beatles, com os Stones; que popularizou ritmos distintos como o folk, o blues; que usava suéteres maneiros e que mesmo com um timbre vocal não tão fácil assim para os ouvidos alheios se configurou no cantor mais importante de todos os tempos, porta-voz de toda uma geração. E pensador profundo, beatnik, mod, hippie, autor do mitológico romance Tarântula, e que 25 anos depois seria consagrado com um controverso Nobel da Literatura. O pai do Jacob, enfim. Bob Dylan, o conquistador implacável, sedutor, que deu uns pegas na Joan Baez e na garota do cine drive in ao mesmo tempo… O cara de quem eu estaria, naquela noite, a poucos metros de distância.
Sabíamos das dificuldades. O Max (Montiel Severo), meu editor na época, alertou que a produção não permitiria, nem com reza brava, a entrada do equipamento fotográfico. “Te vira!”, foram suas palavras de incentivo. E a gente “se virou” mesmo. Entramos com uma teleobjetiva. Ela foi colocada dentro da bolsa de uma amiga do Inor, grávida, que na hora da revista disse para a PM, que a apalpou, que se tratava de uma garrafa térmica, com suco, para uma constante hidratação, hehe, pois que poderia parir a qualquer momento. E se foi na frente, rompendo barreiras, com seu imenso barrigão.
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O show foi um desastre, tecnicamente falando. Não sei se o Gigantinho não estava preparado para Dylan ou se Dylan não estava preparado para o Gigantinho, mas a verdade é que muito pouco dava para entender do que ele estava cantando, lá embaixo. Ficamos bem no alto da arquibancada, à direita do palco, para uma melhor captação das imagens – e para não corrermos o risco de sermos capturados pelos seguranças. E o som que nos chegava, lá em cima, era confuso, desagradável, tipo um concerto em um berçário lotado de bebês com dor de barriga. Só quem conhecia mesmo muito bem a obra de Dylan para identificar o que ele estava cantando. E ele cantou, entre outras, clássicos como Knockin’ On Heaven’s Door, Lay Lady Lay, Blowin In The Wind, The Times They Are A-Changin… E canções dos seus discos mais recentes, na época, Oh Mercy, de 1989, e Under The Red Sky, de 1990.
Mas, rale-se o som! Na volta, até aqui, nas primeiras horas do outro dia, em êxtase, eu só pensava em duas coisas: no texto que eu tinha que entregar para o Max e no fato de ter passado quase duas horas na companhia Dele, Mr. Bob Dylan. Até hoje, quando lembra daquela madrugada, o Inor pega no meu pé: “Eu te larguei bem na frente da tua pensão, e tu saiu caminhando para o outro lado.” Eu não lembro de nada disso, mas… Tudo bem!
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