Para a patrona da 33ª Feira do Livro de Santa Cruz do Sul, Leticia Wierzchowski, quando alguém lhe agradece por alguma história que escreveu, ela diz “muito obrigada também”. É porque, segundo a escritora, a alegria está em quem escreve e também em quem lê. É um sentimento mútuo, alimentado pela literatura.
Na entrevista concedida na manhã dessa sexta-feira, 1º, Leticia fala sobre curiosidades de suas obras, e salienta a vontade que tem de adaptar mais livros para o audiovisual.
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- Gazeta do Sul – Em A casa das sete mulheres, alguns capítulos são relatos da personagem Manuela, em forma de diário. A senhora teve acesso a documentos, ou é tudo criação?
- Leticia – Não tem nada de registros dessas mulheres. A casa das sete mulheres foi a primeira vez em que fiz um romance histórico. Criei um sistema de trabalho, comecei a planejar como iria contar a história. O que eu faço a partir de hoje e até ensino nas minhas aulas é: primeira coisa, fazer uma linha do tempo. Aprendi muito elaborando roteiro, é preciso ver a sucessão dos fatos. Vou indo e consigo visualizar. Um dos defeitos da má literatura é que as coisas são súbitas, de repente acontece tudo, quando na verdade não é assim. Tudo vem acontecendo, a gente que não presta atenção. Então, uma cena que vou escrever aqui tem um motivo principal, mas ela já está dando sinal de uma cena lá na frente. Quando coloquei a linha do tempo de A casa das sete mulheres, embora eu quisesse meu casal de mocinhos Manuela e Garibaldi, eu vi que a história tinha dez anos, mas o Garibaldi ficava um ano na história. Pensei: como vou solucionar esse problema? Para solucionar, decidi: se eu tiver um narrador em primeira pessoa, se a Manuela contar coisas, se ela tiver alguma intuição antes de o Garibaldi chegar, todo mundo pode estar esperando por ele e, depois que ele for embora, todos estarão esperando por ele. Em A casa das sete mulheres, o Garibaldi está no livro inteiro, mas ele só ficou um ano ali. Resolvi criar uma voz para ela, e inventei que ela fazia um diário.
- A senhora acha que a sua criação pode ter corroborado a lenda de que Manuela era a eterna noiva de Garibaldi?
- Há crônicas de época do jornal de Pelotas que eu li, contando que Manuela ficou velha e se vestia de branco e andava por Pelotas com uma caixinha onde, segundo ela, estavam as cartas de Garibaldi, e as crianças jogavam pedras nela. E depois morreu sozinha. Mas não existe uma certeza de que noivaram. A história é uma versão dos fatos, tanto que a história é revista ao longo dos tempos. Acredito que sim, que ele se apaixonou por ela. Tem uma coisa muito louca da ficção: se o escritor faz o trabalho bem feito, a pessoa sabe que não é verdade, mas ela acredita, ela quer acreditar, suprime a descrença. Todo mundo sabe que o Garibaldi não ficou com a Manuela, basta dar um Google; ele ficou com a Anita, mas as pessoas ainda leem o livro esperando que ele fique com a Manuela. Foi isso que tentei fazer, intuitivamente.
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- Uma das inspirações da senhora é o Erico Verissimo, que também escreveu muito sobre mulheres fortes. A senhora se inspira nisso ou é uma coisa particular?
- Tem muitos personagens masculinos que eu amo também, mas em A casa das sete mulheres me inspirei muito no Erico, porque ele foi um dos primeiros escritores que, contando a guerra, deu um protagonismo para as mulheres. Antes a guerra era só dos homens. Em O tempo e o vento, a Revolução Farroupilha é vista de uma forma linda do ponto de vista dos personagens. Então, a gente entra na perspectiva da forma como o personagem vê, que é uma coisa linda que o Erico faz, mesmo ele tendo um narrador em terceira pessoa. As percepções de cima vêm dos próprios personagens, e é assim que a vida é. Eu admiro o Erico profundamente, e a narrativa dele.
- A senhora tem outros romances, que são ficções completas, como Sal e Deriva, ou seja, não são personagens que existiram, nem ambientados em momentos históricos. Qual a diferença de escrever uma ficção parcial e uma total?
- Quando se vai escrever um romance totalmente inventado, como Sal, há mais liberdade. Claro que todo livro exige uma pesquisa, porque se eu for escrever um romance e o cara é um artista plástico, eu tenho que ser crível, senão a pessoa não acredita no personagem, mas o universo cria sozinho, e isso deixa o autor mais solto. Às vezes, é difícil fechar um enredo; fica-se com lacunas, que demoram para ser construídas. A liberdade também pode te perder. Quando se vai fazer um romance histórico, tu tens toda a narrativa dos fatos como uma estrutura que te sustenta; porém, a dificuldade é outra. Por exemplo, todo mundo sabe como a Anita morre, ou, se não souber, dá um Google. Em Travessia, eu tive de achar um jeito de que a Anita morresse de uma maneira emocionante. O trabalho é fazer o leitor viver a emoção de ela morrer. São tarefas diferentes.
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- Como a senhora se sente colocando palavras na boca e pensamentos na mente de pessoas que realmente existiram?
- A primeira coisa que faço quando vou contar um fato que tem um personagem histórico é ir na Estante Virtual e ver o que há de livros, até para comprar e ler. Quando fui escrever sobre Anita e Garibaldi, apareceram uns 200. E pensei: o que mais eu vou falar? Será que tem algo mais a ser dito? Daí eu lembrei de uma escritora que fala sobre a teoria do pertencimento; as histórias pertencem a todos nós, não importa se 200 pessoas já escreveram. Durante todo o tempo em que escrevi Travessia, por exemplo, pensava em uma historiadora que é a maior estudiosa sobre Anita. Achava que, quando ela lesse, ela iria me matar. Eu lancei o livro e ela não foi. Aí, quando fui autografar, quando eu olho, ela está na fila. Quando ela chegou à mesa, colocou o livro na mesa e disse para mim: “Ninguém nunca escreveu e nunca vai escrever uma Anita Garibaldi tão bonita quanto a tua”. E eu comecei a chorar. Depois, ganhei a medalha Anita Garibaldi, e foi ela quem me deu. Então, eu acho que a gente tem que fazer; se não fizer, outra pessoa vai. Para mim, foi importante. Eu tinha acabado de me separar, estava superfrágil; quem me deu coragem foi Anita. Eu fui Anita Garibaldi. Me sinto no meu direito.
- A senhora ficou feliz com o resultado da série A Casa das Sete Mulheres ou algo poderia ter sido diferente nessa adaptação?
- Eu sou roteirista, então sei que são coisas diferentes, são dinâmicas diferentes. Eu sabia que eles teriam um problema, o mesmo que eu tive, que eram o Garibaldi e a Manuela. Eles precisavam criar aquele triângulo amoroso. Uma das coisas que mais me irritou (não que tenha irritado, porque eu sabia que teriam de fazer) foi a Manuela fazer o parto da Anita.
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- A senhora tem vontade de adaptar alguma outra obra sua para série ou filme?
- Não é uma decisão minha. Se fosse, estariam todos adaptados. Temos muitos projetos dos meus livros. Houve muitas mudanças boas no mercado do audiovisual, com vários streamings. Então, existe muita demanda de histórias. Tem muita coisa acontecendo, e acredito que algumas das minhas histórias podem acabar se desdobrando, porque o mercado mudou muito nesse pós- pandemia. De Sal, por exemplo, eu vendi os direitos para uma adaptação, mas ainda não sabemos se vai sair. A própria A casa das sete mulheres acho que vai ser de novo uma opção.
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