Na cerimônia fúnebre para Nelson Mandela, em dezembro de 2013, a situação parecia fugir do controle no enorme estádio de Joanesburgo. A inquieta multidão gritava palavras de ordem e vaiava sonoramente o presidente sul-africano Jacob Zuma, diante de líderes como Barack Obama, monarcas, primeiros-ministros e celebridades do mundo todo. Foi então que um religioso se aproximou do microfone e uma frase ecoou pelos alto-falantes: “Não quero ouvir nem mais um pio!”. De imediato, o estádio silenciou para ouvir as palavras de Desmond Tutu, primeiro arcebispo negro do país, conhecido carinhosamente por seus compatriotas como “The Arch”.
O prelado anglicano, apesar de ser um crítico do governo de então, salvava a situação mais uma vez, motivo pelo qual os novos mandatários da África do Sul o detestavam. Prêmio Nobel da Paz de 1984, Tutu lutou por toda a vida contra o governo de minoria branca, contra a política racista do apartheid e, mais tarde, pelo antirracismo. Seu combate se deu sem violência, sempre com as três grandes armas que possuía.
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A primeira, a coragem de estar na frente de batalha por direitos humanos; a segunda, a palavra de um orador incomparável, respeitado por todos em seu país e fora dele; a terceira, um exultante bom humor, com frases como “Quando o homem branco chegou aqui, nós tínhamos a terra e eles tinham a Bíblia. Agora, nós temos a Bíblia e eles ficaram com a terra”.
Nelson Mandela, por sua vez, dispensa maiores apresentações. Acusado de “terrorista comunista” e preso de forma injusta e arbitrária por 27 anos, o mais importante líder da África Negra e Prêmio Nobel da Paz chegou, em 1994, à presidência da multiétnica “nação do arco-íris”. Por entre as grades da ilha-prisão de Robben, Madiba avistava a mais espetacular cidade da África do Sul, alimentando o sonho de colocar a nação sul-africana no caminho da justiça.
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A Cidade do Cabo foi fundada em 1652 pelo holandês Jan van Riebeeck, inicialmente como ponto de reabastecimento de navios mercantes. Hoje, quase 5 milhões habitam aquela que é, na minha opinião, uma das mais belas cidades do mundo, em uma combinação de beleza natural e vibrante desenvolvimento. Para apreciar plenamente a espetacular paisagem e a belíssima orla, convém iniciar a visita embarcando no teleférico que leva ao topo da Montanha da Mesa, espetacular platô de três quilômetros de extensão que domina o panorama do lugar.
Outro marco lendário e histórico, próximo dali, é o Cabo da Boa Esperança, que até hoje habita o imaginário de navegadores e amantes de história. Chamado originalmente, e com razão, de Cabo das Tormentas, a região mais austral do continente africano (o ponto mais ao sul é, na verdade, o Cabo das Agulhas, 150 quilômetros a sudeste) foi alcançada pelo grande navegador português Bartolomeu Dias em 1488, feito eternizado por Luís de Camões no poema épico Os Lusíadas (1572), abrindo uma nova era no comércio mundial com a Índia, a China e os demais países asiáticos.
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Antes de minha primeira visita ao país, as imagens que eu trazia eram de fotografias de meu pai, em suas passagens por ali nos anos 1970. Ele contava também histórias que o haviam marcado, relativas à segregação racial que testemunhara, com assentos e desembarques separados para brancos nos aviões, ausência total de negros em qualquer reunião de negócios, entre outros absurdos oficializados pela terrível política de segregação. Felizmente, pude relatar a ele minha experiência, bem mais positiva, em um país que, mesmo tendo ainda muito para melhorar em integração racial e organização social, realizou um avanço significativo desde os sombrios anos 1970.
Sobre os perpetradores do apartheid, não vale a pena tecer muitos comentários, e resta esperar que permaneçam na latrina pestilenta da história, destino de líderes desumanos, racistas e fascistas, tanto do passado como do presente. O arcebispo Desmond Tutu faleceu na Cidade do Cabo, aos 90 anos, um dia após o Natal de 2021. Com a morte do líder espiritual e político da África do Sul, o país dava adeus a uma geração de gigantes que deixou como herança um país cada vez mais livre da tirania e que forjou uma nova nação, como sonhavam Tutu e seu grande amigo tata (pai) Mandela.
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