Uma fatwa, ou fátua, é um decreto verbal, um pronunciamento feito por um especialista em lei religiosa ligado à religião islâmica, um mufti. Em árabe, fatwa significa dar uma resposta satisfatória em relação a certo assunto. Sua emissão não é considerada uma tarefa fácil, mas árdua. Isso porque aquele que se compromete a emitir fatwas está agindo, dentre os islâmicos, “em nome do mensageiro de Allah e dos profetas.”

A questão é complexa dentro do próprio mundo islâmico e era conhecida sobretudo pelos seguidores de Alá até 1989. Naquele ano, uma fatwa ganhou o mundo assim que o livro Versos Satânicos, de Salman Rushdie, foi publicado. O poder do Irã ainda estava nas mãos do Aiatholá Khomeini, o que só piorou as coisas para Rushdie.

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O livro

Versos Satânicos é uma obra de ficção, uma história que se passa na Índia e na Inglaterra com dois indianos muçulmanos sobreviventes de um atentado a bomba em um avião. Assim que a aeronave cai, Saladim Chamcha vê nascerem chifres, cascos e um rabo. E Gibreel Farishta ganha um halo.

O livro chegou aos países árabes de maioria islâmica como uma hecatombe herege que nem sequer precisava ser lido para ser odiado pelos seguidores das escrituras. O título referia-se aos versos do Alcorão, o livro sagrado do povo islâmico.

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A maldição

Não se sabe se Khomeini chegou a ler o livro, talvez tocá-lo já seria uma injúria perante suas crenças, mas resolveu agir imediatamente. Autoridade que acumulava as lideranças políticas e religiosas desde a deposição do xá Reza Pahlavi, em 1979, tornou-se o Líder Supremo de seu país, referido por seu povo assim mesmo, com maiúsculas. Sua luta pela unificação de Igreja e Estado tinha o objetivo de garantir o regresso à “pureza islâmica” do povo iraniano que Salman Rushdie profanou. Mais que mil chicotadas, lançou sobre a cabeça do autor, no dia 14 de fevereiro de 1989, uma maldição.

A fatwa ordenava a proibição de Versos Satânicos no país e o assassinato de Rushdie por qualquer muçulmano no mundo que conseguisse, assim como a morte de todos os envolvidos na publicação. Havia, para isso, uma soma em dinheiro paga pelo Estado que chegou a dobrar durante os anos.

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Sequência de atentados

Hitoshi Igarashi, o tradutor japonês do livro, foi assassinado, e dois outros tradutores sobreviveram a tentativas de assassinato. Em 1989, Mustafa Mahmoud Mazeh, um libanês, preparava uma bomba em um hotel no centro de Londres, quando ela explodiu prematuramente, destruindo dois andares do hotel e matando Mazeh. A bomba, descobriu-se depois, era para Rushdie.

Salman Rushdie sempre falou pouco sobre o assunto, mas sua vida passou a girar em torno dele. Mesmo lançando outros livros, os jornalistas queriam saber sempre de Versos Satânicos, e mesmo dizendo não ser mais do que um autor de ficção, passou a ser visto como uma marca relacionada à luta contra o terrorismo. Nada disso o agradava.

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Seguindo adiante

Em 2016, em entrevista ao Estadão, Salman Rushdie disse: “Não me sinto como um símbolo, mas sim como uma pessoa. Tenho me esforçado para ser real, e não simbólico. A liberdade de expressão se tornou uma questão para mim por motivos óbvios e me engajo na discussão, mas me sinto obscurecido. As pessoas me colocam numa caixa com a marca ‘terrorismo’ e ‘religião’, e não perceberam que esses livros são imaginativos e cômicos.”

Se ele tinha medo? “Minha vida tem sido normal nos últimos 15, 16 anos. Só estou seguindo adiante.”

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