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PROIBIR OU NÃO?

Debate sobre tração animal retorna à Câmara de Vereadores de Santa Cruz

Foto: Alencar da Rosa

Santos utiliza há dois anos uma carroça para trabalhar e se preocupa com proibição

Sete anos após aprovar uma lei que prevê a proibição dos veículos puxados por animais em toda a zona urbana, a Câmara de Santa Cruz reabriu a discussão há poucos dias e agora avalia a possibilidade de manter a permissão para que carroças circulem nos bairros. A polêmica envolve questões relacionadas à proteção animal, bem como aspectos econômicos, sociais e culturais.

Atualmente, a tração animal já é vedada no Centro. O assunto voltou à baila na semana passada, após o vereador Serginho Moraes (PTB) sugerir a revogação da proibição nos bairros, que pela legislação instituída em 2016 entrará em vigor apenas em outubro de 2025. Uma audiência pública na Câmara deve discutir o tema nas próximas semanas.

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Serginho argumenta que uma restrição generalizada penaliza as pessoas que dependem de carroças para sobreviver, como catadores e vendedores ambulantes. Para ele, o ideal seria intensificar a fiscalização para combater os maus-tratos contra animais. O petebista estuda apresentar uma proposta para que os animais utilizados com esse fim sejam submetidos a inspeções periódicas pela Prefeitura e sejam autorizados para circular só se estiverem em boas condições de saúde. “Tem a parcela que maltrata e ninguém quer isso, pelo contrário. Mas não dá para tirar o direito daqueles que cuidam bem.”

Para o parlamentar, alternativas implantadas em outros municípios para substituir os animais, como triciclos e bicicletas equipadas com gaiolas, são inviáveis porque tornam a circulação muito mais penosa para os condutores. “Existem pessoas de idade que trabalham com carroça, assim como pessoas com deficiência, que também não têm condições de puxar peso.”

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Já a vereadora Bruna Molz (Republicanos) ingressou com uma emenda para antecipar a proibição das carroças nos bairros. Segundo ela, o objetivo é ajudar tanto os animais quanto as famílias que dependem dessas atividades. “Se os catadores têm dificuldade para sustentar suas famílias, como vão sustentar um animal de grande porte, que precisa de uma série de cuidados? Queremos que essas famílias tenham dignidade”, questionou.

Bruna apresentou ao Palacinho uma proposta, inspirada no município de Canoas, para oferecer auxílio financeiro às famílias que, como contrapartida, teriam de participar de cursos profissionalizantes para que possam buscar outra colocação no mercado de trabalho. Aos que optassem por permanecer, seriam fornecidos triciclos. Conforme ela, o ambiente urbano não é adequado para os animais de grande porte. “Lugar de cavalo é no campo, em liberdade, onde tem lugar para pastar e correr, não amarrado em beira de rodovia. Todas as cidades grandes estão entrando com políticas públicas.”

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“A generalização prejudica os bons”

Morador do Bairro Bom Jesus, Rafael dos Santos trabalha com reciclagem há cerca de seis anos e, nos últimos dois, passou a utilizar uma carroça para recolher materiais pela cidade. Para ele, a proibição da tração animal nos bairros é motivo de preocupação, já que essa é a principal fonte de renda dele. Embora também faça trabalhos informais como calceteiro, alega que as oportunidades nessa área estão cada vez mais escassas, o que o leva a se apoiar na atividade de catador.

Santos garante que mantém cuidados rigorosos com a égua, que circula apenas na parte da manhã e é bem alimentada. Também assegura que ela está com as vacinas em dia, embora admita que não realiza os procedimentos em clínicas veterinárias porque não tem como arcar com o custo. “Concordo com ela [vereadora Bruna Molz], também não gosto de ver maus-tratos com os bichos. Mas ela está condenando todo mundo. Eu cuido bem dos meus bichinhos e conheço muita gente que cuida também”, afirma. Aos 33 anos, Rafael alega ainda que a utilização de outros veículos, como triciclo ou bicicletas, tornaria o serviço muito mais difícil, mesmo para jovens. “Já puxei carrocinha e é muito pesado”, conta.

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A discussão também mobilizou representantes de entidades tradicionalistas, que esta semana estiveram na Câmara para pedir que o assunto fosse submetido a uma audiência pública. Conforme o patrão do Piquete Regional da OAB/RS, Tibicuera de Almeida, ainda que a lei assegure a utilização de tração animal em algumas situações, incluindo atos alusivos ao feriado farroupilha, as atividades seriam afetadas indiretamente. “Não adianta pegar um cavalo do campo e botar em uma carroça para desfilar no 20 de setembro, porque eles não estão acostumados a estar no meio do público. Para domar e treinar um animal, ele precisa ter convívio com o meio urbano”, argumentou.

Almeida, que também é criador de cavalos, acredita que a proibição generalizada não é necessária e não se pode tratar indistintamente todas as pessoas que utilizam esses veículos. “Queremos que as pessoas que maltratam animais sejam exemplarmente punidas. Mas a generalização prejudica os bons.”

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O cadastramento social de condutores previsto na lei de 2016 iniciou em setembro do ano passado. De acordo com a Prefeitura, atualmente há 12 carroças emplacadas no município, além de outras cinco na fila de espera.

“Esses animais não podem estar na zona urbana”

Autor da lei de 2016, o vereador Gerson Trevisan (PSDB) subscreveu a emenda de Bruna Molz para antecipar a proibição da tração animal nos bairros. Segundo ele, revogar a medida seria “um retrocesso”. “Em muitas cidades Brasil afora, esse assunto já é consumado, não existe mais carroça. Em alguns lugares nem vemos pessoas recolhendo lixo. Temos que avançar nisso”, argumentou.

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De acordo com o presidente da ONG Cavalo de Lata, Jason Duani Vargas, retirar cavalos de circulação na zona urbana é uma necessidade não só para proteger os animais mas também por questões sanitárias e de segurança no trânsito. Segundo ele, na maioria das vezes, os animais são mantidos em espaços pequenos nos fundos de residências ou amarrados em vias públicas, perto dos veículos. Além disso, boa parte das famílias não têm condições de arcar com as despesas – um cavalo chega a consumir cinco pacotes de ração por mês, ao custo médio de R$ 80,00 cada. “É uma realidade que não se paga. Esses animais precisam de área, não podem estar na zona urbana. Acabamos de passar por uma pandemia que surgiu justamente da interação entre ser humano e animais”, comentou.

Além de realizar resgates de animais, a Cavalo de Lata já intermediou a colocação de carroceiros no mercado formal de trabalho. Conforme Vargas, a migração é necessária não apenas pelos animais, mas para que as pessoas tenham condições melhores de vida.

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Sócia-fundadora e diretora financeira da ONG, Ana Paula Knak acrescenta que os casos de maus-tratos são frequentes. “Vemos animais doentes, cheios de vermes, com marcas de arreios entrando na carne devido ao peso da carroça. Animais famintos, comendo pão, farinha, lixo e grama, com uma tristeza no olhar que dói no coração”, lamentou.

Entenda

O que diz a legislação hoje

Pela lei 7.646, a circulação de veículos de tração animal no Centro está proibida desde 2020. A lei foi publicada em outubro de 2016 e previa um período de quatro anos para a entrada em vigor da regra.
Já em relação aos bairros, o período fixado foi de nove anos. Isso significa que a regra só valerá a partir de 2025.

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A norma prevê um cadastramento social dos condutores e a oferta de qualificação profissional para atuarem como recicladores.

A utilização de veículos de tração animal é permitida nas celebrações de 7 de setembro (Dia da Independência) e 20 de setembro (feriado farroupilha), bem como nos eventos tradicionalistas. O direito também é assegurado às forças públicas que tenham grupamentos de montaria e para atividades como haras, turfe, hipismo, equoterapia e cavalgadas.

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Na zona rural, os veículos de tração animal continuam permitidos, porém com identificação.

O que está em discussão agora

A vereadora Bruna Molz (Republicanos) apresentou uma emenda para antecipar a entrada em vigor da proibição da circulação dos veículos nos bairros para seis meses. A emenda ainda não foi votada. Já o vereador Serginho Moraes (PTB) entrou com um substitutivo para revogar o artigo que trata da proibição nos bairros.

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Juiz determina cumprimento da lei

A discussão vem sendo acompanhada pelo Ministério Público, que em 2020 instaurou um inquérito civil e ajuizou uma ação civil pública contra a Prefeitura. Em maio, o juiz André Luis de Moraes Pinto, da 2ª Vara Cível, condenou o Município a cumprir o previsto na legislação de 2016. Com isso, o Executivo tem agora uma série de prazos para realizar o cadastro social dos condutores, oferecer qualificação profissional e divulgar a delimitação da área onde os veículos podem circular.

Procurado, o promotor Érico Barin disse que o MP se manifestará de forma contrária à revogação da proibição da tração animal nos bairros e defenderá o cumprimento da legislação atual.

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