A Organização das Nações Unidas (ONU) define a acessibilidade como o processo de conseguir a igualdade de oportunidades em todas as esferas da sociedade. Apesar de esses recursos atingirem também as esferas de comunicação, educação e trabalho, um dos exemplos mais comuns no cotidiano das cidades é a acessibilidade arquitetônica. Rampas de acesso, piso tátil, vagas de estacionamento reservadas, banheiros acessíveis e ônibus com plataforma elevatória para cadeirantes são indispensáveis para pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida.
Entretanto, para quem não precisa utilizar esses recursos, fica mais difícil notar quando eles estão em falta. Em Santa Cruz do Sul, apesar de as ruas do Centro, os prédios públicos e novas edificações estarem em conformidade com a lei 10.098, que dispõe sobre a acessibilidade, cadeirantes e familiares relatam uma série de problemas, principalmente nos bairros e na disponibilidade do transporte público.
A vida sobre rodas
Natural de Vale do Sol, Diego Ivan Grassel, de 27 anos, se mudou para Santa Cruz do Sul após sofrer um acidente que o deixou paraplégico. A vinda foi em busca de acessibilidade e trabalho, que ele encontrou primeiro na operadora Net e atualmente na área de aprendizagem do Senai.
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O atual vice-presidente da Associação Santa-cruzense de Pessoas com Deficiência Física (Aspede) tinha 17 anos em 2012, quando pilotava uma motocicleta e se perdeu em uma curva, fraturando três vértebras da coluna. Ao ser encaminhado para atendimento em Canoas, ouviu do médico que não chegaria com vida no hospital. “Fiquei três ou quatro dias em coma, três meses internado, pouco mais de um ano em uma cama. Daí levei mais um ano, mais ou menos, para me reabilitar”, relembra. Atualmente, além de integrar a Aspede e trabalhar no Senai, Diego é casado, ex-jogador de basquete em cadeira de rodas e gosta de se exercitar na academia.
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Grassel estima que Santa Cruz tenha mais de 100 cadeirantes, mas apenas 10% deles são independentes. Segundo ele, muitas pessoas enfrentam o primeiro obstáculo dentro de casa, quando a família é superprotetora, como foi o caso dele no início. O aprendizado sobre a nova realidade ocorreu no Hospital Sarah Kubitschek, em Brasília, onde reaprendeu desde as atividades mais básicas, como tomar banho, até a se virar morando sozinho e ingressar no mercado de trabalho.
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No trajeto diário, ele utiliza os coletivos urbanos e elogia o quanto os motoristas e cobradores são atenciosos. Também não encontra problemas com os horários, residindo no Residencial Santo Antônio, no Bairro Esmeralda. Em termos de acessibilidade, ele diz frequentar os bares e choperias que já sabe que são adaptados. No caso do banheiro, por exemplo, a porta precisa ter mais do que os 60 centímetros padrão, ou a cadeira não passa.
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Diego considera o Centro de Santa Cruz o melhor em relação às outras cidades da região, e diz não encontrar muitos problemas para se locomover. Reclama apenas das calçadas com pedras levantadas, que podem causar quedas. “Eu já caí várias vezes. No meu trajeto é mais complicado, uma cadeira motorizada não consegue fazer esse caminho. Não tem rampa, tenho que levantar a cadeira e depois jogar para subir o degrau”. O uso da cadeira monobloco, que pesa apenas 12 quilos, exige muita força nos braços, então algumas pessoas não conseguem utilizá-la.
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Também moradora de Santa Cruz, Tânia Manske, de 50 anos, é cofundadora da Aspede e do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Compede), do qual é conselheira atualmente. Para ela, a cidade teve muitos ganhos em acessibilidade nos últimos anos – no transporte público, que é todo acessível, nas rampas da região central e nos empresários, que já estão cumprindo as normas. “Muitas pessoas ainda não entendem a importância da acessibilidade e estão perdendo a oportunidade de conviver com as diferenças. Nós somos consumidores, comemos, compramos roupas, vamos em hotel, em restaurante, na balada. Não vamos só no médico e na farmácia”.
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Com uma mielopatia de origem genética adquirida aos 14 anos, Tânia utiliza dois tipos de cadeira de rodas no dia a dia. “Utilizo uma cadeira manual, do tipo monobloco, que é mais leve e confortável inclusive na locomoção dentro de casa, porque moro sozinha. Facilita meu deslocamento e transferências”, menciona. Com o passar do tempo, ela adquiriu sequelas como tendinite e bursite. Então, para não forçar os braços, utiliza uma cadeira motorizada para deslocamentos mais distantes, como ir ao Centro ou ao supermercado.
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Segundo a conselheira do Compede, falta à maioria das pessoas o entendimento de que a acessibilidade não é apenas para pessoas com deficiência, é para todos. E uma cidade mais funcional e acessível também gera menos custo aos cofres públicos. “Acessibilidade não é só uma rampa, um ônibus. É na educação, com material acessível, com tecnologia assistiva. Não se resume a barreiras arquitetônicas, porque essas até conseguimos transpor, mas a barreira atitudinal, essa dói na alma. Somos uma coletividade, não vivemos isolados, precisamos cuidar do nosso meio. Precisamos de uma sociedade mais acessível, o que se refere à percepção do outro sem preconceitos, estigmas, estereótipos e discriminação. Todos os demais tipos de acessibilidade estão relacionados a essa, pois é a atitude da pessoa que impulsiona a remoção de barreiras”, completa.
Obras públicas contemplam acessibilidade
De acordo com informações da Prefeitura de Santa Cruz do Sul, o município dispõe de 280 rampas e todos os 43 ônibus do transporte coletivo têm as adaptações necessárias. “De maneira geral, todas as novas obras públicas, até mesmo as reformas que são licitadas, já contemplam acessibilidade, bem como as pavimentações que também incluem acessibilidade através das rampas e piso tátil na conexão das mesmas com o passeio público”, diz o material encaminhado pela assessoria de imprensa do Município e assinado pela Secretaria de Planejamento e Orçamento, pelo Departamento de Fiscalização de Trânsito e pela Unidade Central de Fiscalização Externa (Ucefex).
Nas obras que são encaminhadas para aprovação e licenciamento municipal, a partir do novo Plano Diretor, vigente desde 12 de abril de 2019, a acessibilidade é cobrada tanto na aprovação do projeto como na emissão do Habite-se após a obra estar pronta. Já no caso de calçadas irregulares ou acidentadas em imóveis particulares, a responsabilidade é do proprietário.
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Denúncias podem ser feitas por meio de contato com a Ucefex pelo telefone 3711 9404, na ouvidoria pelo site e pelos telefones (51) 3713 8201, 3713 8225 e 3713 8207; presencialmente no Palacinho da Praça da Bandeira; e no WhatsApp da administração municipal, número (51) 98443 0312.
Preconceito e capacitismo ainda são grandes barreiras
Na Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), as temáticas da inclusão e da acessibilidade estão sempre presentes. Conforme a psicóloga Raquel Ribas Fialho, integrante da Comissão de Acessibilidade e coordenadora do Núcleo de Apoio Acadêmico (Naac) da Unisc, apesar de possuir uma legislação completa e estruturada, o Brasil é o país que menos cumpre as leis nessa questão. Uma das barreiras a ser ultrapassada é a atitudinal, que inclui o capacitismo – preconceitos, estereótipos, estigmas e discriminações nos comportamentos da sociedade para pessoas com deficiência.
A universidade busca também adequações na infraestrutura, incluindo piso tátil, que traz melhoria para a mobilidade de pessoas cegas e com baixa visão, restruturação de rampas e calçadas, aumento das vagas de estacionamento para pessoas com deficiência e banheiros acessíveis. Um dos objetivos é melhorar a sinalização em braille e com avisos sonoros. Por meio do Naac, a entidade implementa ações permanentes para a inclusão dos estudantes e o Programa Pertencer, que promove a contratação de pessoas com deficiência.
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Além da estrutura, a Unisc desenvolve ações de conscientização por intermédio de projetos, pesquisas, eventos e capacitações. “Essas ações devem ser incentivadas e ampliadas dentro da universidade de forma a sensibilizar e mobilizar toda a comunidade em favor de uma maior inclusão. Observo, ao longo de anos dedicados ao trabalho com diversas realidades que necessitam de acessibilidade, que uma das principais lacunas da formação humana é a falta de informação e crença do senso comum”, comenta a psicóloga.
Diferentes realidades no cotidiano
Rotina também é difícil para crianças
Se o cotidiano de um cadeirante adulto que se movimenta pela cidade é de obstáculos, a rotina é ainda mais difícil para as crianças. A autônoma Deise Berté é mãe de Davi Augusto Berté Bressler, de 14 anos, que possui paralisia cerebral, epilepsia e autismo e utiliza uma cadeira de rodas adaptada para locomoção desde os 2 anos. “Dependendo do lugar, as rodinhas são pequenas, então acabam trancando. É muito perigoso para quem empurra. Eu já me machuquei e pode machucar a criança”, explica a mãe.
Moradores de Linha Santa Cruz, mãe e filho residem em uma via que ainda não foi pavimentada, o que gera uma série de dificuldades no deslocamento de Davi. Na opinião de Deise, as condições de acessibilidade são boas na cidade, especialmente no Centro, mas podem passar por melhorias.
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Já para Simone da Silva Telles Pontel, que reside com a família no Loteamento Mãe de Deus, o acesso ao transporte coletivo tem sido complicado. A principal reclamação dela são as mudanças nos horários de ônibus no local, que afetam não só a própria família, mas todos os moradores. O filho dela, José Samuel Telles Pontel, de 3 anos, tem paralisia cerebral, microcefalia e epilepsia. Simone conta que ele usa cadeira de rodas manual e um carrinho adaptado feito sob medida há cerca de um ano e meio. “No Centro tudo está muito bom, tem rampas de acesso, mas lá perto da Apae e nos fundos do Parque da Oktoberfest, o acesso está muito precário. Quase viramos a cadeira, porque está ruim mesmo”, ressalta.
Morador reclama de condições no Bairro Schulz
Para o morador do Bairro Schulz Sidiomar Vargas Cardoso, de 48 anos, o cotidiano é prejudicado pelas más condições das vias. Natural de São José da Porteirinha, ele reside em Santa Cruz há 11 anos, morando atualmente na Rua Salvador. Cadeirante, utiliza um modelo motorizado que é concedido por meio da Unisc a cada dois anos e trabalha vendendo produtos na Estação Rodoviária, para complementar o benefício de amparo assistencial.
Além do calçamento irregular e buracos nas ruas Alegrete e Olaria, Sidiomar reclama da falta de horários de ônibus na região. “Antes eu me locomovia com muletas e também era muito ruim. Havia linha de meia em meia hora, agora não tem mais ônibus. Tem gente que trabalha e está dependendo de Uber e táxi, gastando a metade do salário com isso”, afirma.
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As más condições das ruas no entorno da residência já causaram uma série de transtornos e uma grave queda, na qual, além de sofrer escoriações e ter de ser socorrido pelos vizinhos, a bateria da cadeira e uma das rodas foram danificadas. Uma bateria nova custa, em média, R$ 950,00, e Sidiomar não tem condições de adquirir. Já a roda foi trocada e custou R$ 165,00. Com ajuda de voluntários, ele conseguiu fazer adaptações e reparos para continuar usando a cadeira. No entanto, a carga da bateria não permite uma ida e volta até o Centro, precisando ser recarregada. Interessados em ajudar Sidiomar com valores para aquisição de uma nova bateria podem entrar em contato pelo telefone (51) 99011 6654.
Inclusão no esporte
Durante a semana, iniciou-se em Caxias do Sul a 24ª edição das Surdolimpíadas de Verão. A competição está sendo realizada pela primeira vez em solo brasileiro, com mais de 4,2 mil representantes de 77 países. O torneio conta com 20 modalidades entre atletismo, maratona, basquete, ciclismo, handebol e judô. Serão 199 surdoatletas brasileiros, com a maior delegação do País na história da competição.
O evento foi criado após a Primeira Guerra Mundial, com o objetivo de ajudar a reabilitar soldados feridos em combate. Podem participar surdoatletas com perda auditiva de 55 decibéis ou mais, e não é permitido o uso de aparelhos auditivos ou implante coclear nos jogos.
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