Da minha meninice em Santa Cruz, que quanto mais recordo, mais feliz me parece, quero compartilhar passagens, algumas que até podem parecer menos verossímeis. Eu era coroinha e sabia de cor e salteado toda missa em latim. É certo, me fascinavam as missas solenes. Continham uma série de rituais que me impressionavam, além da beleza de vestes e paramentos. Mas eu gostava mesmo era da missa fúnebre. O padre de preto. Ao invés das sinetas, as matracas e o grave “dies irae, dies illa”. Talvez isso explique o gosto que tenho ao ouvir o Requiem de Mozart.
Como já contei, estive dois anos no Seminário. Mais tarde, lecionando numa universidade, reencontrei diversos colegas daquele tempo. Pronto: nosso programa era nos reunirmos sextas-feiras, após as aulas noturnas, assarmos um churrasco e dê-lhe cantoria quase até de manhã. Cantávamos desde canções populares até o Hino Inaciano, não deixando jamais de entoar o “Stabat Mater dolorosa”. E muitas passagens da missa, como o “Tantum ergo sacramentum”.
Coisa, é bem de ver, meu jovem leitor, de dinossauros. De pterodáctilos. Onde é que foi parar o canto durante um encontro, ou numa viagem? Foi à breca. No seu lugar reinam as caixinhas de som. Na minha casa era costume rezar antes de iniciar o almoço. À noite rezávamos o terço, ajoelhados ao pé do fogão, no inverno; e, no verão, na sala de refeições. Só então jantávamos. Depois, na hora de dormir, cada um se ajoelhava ao lado da cama e rezava mais um pouco.
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Também por muito tempo rezei para ter sucesso nalgumas empreitadas ou para sair de apuros. Não sei se a oração foi a causa eficiente do sucesso daquilo que eu queria, mas que mal não fez, isso não fez.
Algo que me faz rir até hoje foi o pioneirismo de meu pai no que tange à terceirização. Sim, a História há de fazer justiça a ele, um dia, por ter sido o precursor dessa prática. Quando orávamos em família, ele, por vezes, dizia para minha irmã Lia: “agora tu vais no quarto rezar mais uma dezena, porque eu prometi uma oração para conseguir vender uma mercadoria”. Em outra ocasião: “Ruy, tu vais ter que rezar um terço inteiro, pois fiz promessa para que não se estrague meu caminhão”. Ou seja: pedia uma graça e terceirizava o cumprimento da promessa. Genial.
Com o tempo a gente “não tem tempo” para rezar, começa a se achar onipotente, que nunca vai ficar doente ou envelhecer. Nem quer saber de meditação. Observo as feições serenas das pessoas que costumam orar. Só pode fazer bem. Portanto, oremos, e principalmente, cantemos!
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