Por Kássia Machado, Bruna Oliveira, Bianca da Silva, Luana Figueiredo e Jaime Fredrich, estudantes da disciplina de Redação Jornalística*, do curso de Jornalismo da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc).
Como assistente de saúde, Maria de Fátima Gomes conviveu diariamente com a realidade das famílias carentes. A escassez de alimentos era recorrente em suas visitas. Além dos cuidados de prevenção, faltava o mais importante: a comida. Foi diante dessa necessidade e com a vontade de fazer a diferença no dia a dia das pessoas, que ela deu início ao Grupo das Marias. Com sorriso no rosto, ela e mais 11 voluntárias, há mais de uma década, vêm dando alegria aos moradores da comunidade.
Maria de Fátima, coordenadora e uma das fundadoras da entidade, concedeu entrevista para nossa equipe de reportagem, destacando os desafios que o grupo enfrenta, as ações realizadas e fazendo um paralelo com a realidade difícil de muitos cidadãos afetados pela pandemia.
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“Tem tanto que podemos fazer para contribuir ao nosso país, só falta ter boa vontade e não pensar só em si”.
Maria de Fátima
Entrevista
1 – Como surgiu a ideia do projeto do grupo das Marias e o que levou vocês a direcionar ajuda às famílias carentes?
Maria de Fátima – O grupo das Marias surgiu quando eu era agente de saúde. Nessa época, visitando as famílias, vi a real necessidade dessas pessoas. Percebi que não adiantava só prevenir sobre questões relacionadas à saúde ou fazer orientações sobre alimentação, quando esses cidadãos só tinham arroz e massa para comer e algumas nem roupa e calçados tinham. Era uma situação muito triste.
2 – Como ocorre a arrecadação dos itens necessários para as ações do grupo?
Maria de Fátima – Tudo é mantido através de padrinhos e colaboradores, pessoas físicas. Não temos nenhum vínculo com a Prefeitura.
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3 – Como é a rotina no grupo das Marias? Quais desafios você e as voluntárias enfrentam para realizar o trabalho?
Maria de Fátima – Eu e uma voluntária realizamos o atendimento, de segunda a sexta-feira, às famílias em suas necessidades, com doações de sacolas básicas, leite, remédios e fraldas. Além disso, fazemos o cadastro de pessoas que se encontram em uma situação de maior necessidade. Sobre os desafios, não enfrentamos situações difíceis. Os cidadãos são muito solidários com o nosso grupo.
4 – Quais os momentos mais dramáticos que viveu?
Maria de Fátima – Quando uma criança pedia um pão ou quando as pessoas demonstravam que não conheciam solidariedade e às vezes preferiam botar fora um alimento ao invés de fazer uma doação. Eu sempre tive muita fé em Deus e um marido para me ajudar. Acredito que são estas coisas que me mantém forte.
5 – Você tem dimensão de quantas pessoas já foram ajudadas pelo grupo das Marias?
Maria de Fátima – São mais de 20 anos neste trabalho, e começamos com 18 famílias. Dali por diante, anualmente, ajudamos na base de 38 a 46 grupos familiares, conforme a situação de cada um. Não tenho noção de quantos cidadãos já foram auxiliados, porque todo ano são realizados novos cadastros e algumas pessoas ficam no aguardo para serem chamadas.
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6 – A pandemia de coronavírus aumentou a desigualdade social no Brasil. Na sua percepção, que ações precisam ser desenvolvidas para que o país seja mais igualitário?
Maria de Fátima – Acredito que se colocar do outro lado da mesa, saber ouvir as pessoas, dar voz às famílias mais vulneráveis. Tem tanto que podemos fazer para contribuir ao nosso país, só falta ter boa vontade e não pensar só em si.
7 – A Covid-19 dificultou o trabalho voluntário que diminuía a fome no Brasil. Muitas famílias, que antes eram amparadas recebendo alimentação, ficaram sem ajuda. Como isso se refletiu no grupo voluntário e nas famílias ajudadas?
Maria de Fátima – No início da pandemia nós tivemos que dar uma pausa na distribuição de sopa e em outros projetos em razão da aglomeração, mas não deixamos de auxiliar com sacolas de alimentos durante quatro meses para cada família. Porém, os projetos retornaram em agosto do ano passado com todos os cuidados.
8 – No Brasil, existem mais de 39 milhões de pessoas que vivem em extrema pobreza, segundo dados do Ministério da Cidadania, coletados em fevereiro deste ano. Apesar deste número ser alarmante, muitos de nós desconhece a “cara” da fome. Quem são essas pessoas que vivem à margem da sociedade?
Maria de Fátima – Pessoas que não têm cultura, que não têm educação, que vivem com uma saúde precária e sem saneamento básico. São cidadãos esquecidos pelos nossos governantes e à mercê, muitas vezes, de uma sociedade preconceituosa.
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9 – Você convive de perto com as pessoas que estão em situação de vulnerabilidade, cenário que, aliás, parte do país nega. Acredita que a justiça social é um tema difícil de se debater no Brasil? Por quê?
Maria de Fátima – Não seria tão difícil se todos procurassem ter diálogo dentro de cada município em busca do bem-estar da sociedade. Se realmente os cidadãos se mobilizassem e não ignorassem o que existe por trás de tanta tristeza e observassem as necessidades para uma vida digna, que qualquer ser humano necessita para se sentir gente…
10 – Durante esse caminho que você, juntamente com o grupo das Marias tem trilhado, existem várias histórias. Neste contexto, quais aprendizados e lições de vida você consegue tirar de cada ser humano ajudado?
Maria de Fátima – Os cidadãos se sentem gente de verdade. São solidários entre eles, procuram ajudar uns aos outros e dão valor ao estudo dos filhos. Acredito que estes cidadãos têm mais noção do que acontece no nosso município, se valorizam, erguem a cabeça e não deixam as pessoas os excluírem da sociedade.
11 – Na sua opinião, qual seria a melhor forma de conscientizar os brasileiros da importância da igualdade e da justiça social para o nosso país?
Maria de Fátima – Uma educação digna com oportunidades para todos, uma saúde que tivesse mais gestores comprometidos com as pessoas e trabalhadores, tendo mais oportunidades e salários justos.
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*Este conteúdo faz parte do Projeto ODS Gaz-Unisc, uma parceria entre os cursos de Comunicação e Fotografia da Unisc e o Grupo Gazeta. Os autores são acadêmicos das disciplinas de Redação Jornalística e Jornalismo de Dados, ministradas pelas professoras Patrícia Regina Schuster e Cristiane Lindemann. As pautas direcionam o olhar para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) propostos pela Organização das Nações Unidas (ONU) – um apelo global à ação para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima e garantir que as pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e de prosperidade.
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