Só não entrei em pânico com a assustadora alta da gasolina, nesta semana, porque sou motociclista. De olho na economia, faço de moto todos os deslocamentos possíveis de serem realizados em duas rodas. Reservo o carro para quando não há outra alternativa, como o transporte das crianças, as visitas ao supermercado – o que também tem deixado todos de cabelo em pé – e eventuais passeios em família, esses, em trajetos cada vez mais curtos. Por enquanto, ainda dou-me ao luxo de usar o carro em dias de chuva. Por enquanto.
Motociclista da velha guarda, não ignoro os perigos da moto. Por isso, piloto com extremo cuidado, com velocidade compatível, longe dos outros veículos, mantendo respeito monástico às leis de trânsito e com nível de atenção regulado para o grau máximo. É preciso estar sempre atento às reações dos outros motoristas e motociclistas, buscando antever suas manobras, tais como súbitas trocas de pista ou eventuais (ou nem tão eventuais) casos de desrespeito à preferencial ou ao sinal vermelho. Não dá para confiar cegamente no verde.
Após anos de prática, o dedão da mão esquerda já está instintivamente programado para acionar a buzina ao menor sinal de perigo. Não me refiro a longas buzinadas, dessas que deixam clara a intenção de ofender a mãe do outro motorista, mas de pequenos toques na buzina que transmitem uma singela mensagem de preocupação e humildade. Algo como: “Ei, parceiro, olha eu aqui. Cuide de mim!” No trânsito, o motociclista deve sempre fazer-se notado.
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Porém, apesar de todos esses cuidados, reluto em transportar minhas filhas na garupa, mesmo as que já têm idade legal para tanto. Faço concessões ao primogênito, que é robusto, já está maior do que eu e, portanto, eventualmente ganha uma carona. Creio que eu e ele até aguentaríamos um ralado no asfalto, contudo, não suportaria ver as gurias – aos meus olhos, ainda tão frágeis e delicadas – machucadas em um acidente. Mas Ágatha, a caçula, pensa diferente.
Ela quer andar de moto.
Acontece que, dos nossos filhos, Ágatha é a única que segue estudando em uma escola mais longe da nossa casa. É uma excelente escola, mas só vai até a quinta série. Os irmãos já passaram desse ciclo e transferiram-se para colégios mais próximos. Como não abrimos mão de manter a caçula na escola onde está desde o pré, todas as manhãs tiro a minivan da garagem exclusivamente para levá-la à aula.
Ágatha, sempre atenta ao mundo ao seu redor, já percebeu o custo dessa operação. E, ante as notícias de alta da gasolina, solenemente veio me fazer um anúncio:
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– Pai, já pode me levar de moto à escola.
“Só que não”, pensei para mim mesmo. E quis saber:
– Não achas perigoso?
– Que nada – retrucou. – Acho que deve ser muiiiito divertido!
E, sem esperar meu veredito, a traquinas passou a enumerar algumas condições para assumir o posto de “garupeira” da moto. A começar pelo estilo do capacete:
– Deve ser de cor pink e com tranças.
– Com tranças?
– Sim. Nunca viu aqueles capacetes que vêm com tranças no topo, imitando cabelo? É moda! Uns vêm com chifres de dinossauro, mas eu prefiro o meu com tranças.
E complementou:
– De tempos em tempos, eu poderia desmanchar as tranças e fazer um coque ou uma franja. Depois, fazer as tranças de novo. Tipo, ir variando o penteado do capacete. Seria muito fashion!
Não para por aí. Ágatha quer uma jaqueta de motoqueira, mas não das tradicionais, de couro escuro.
– Pode ter emblemas de bandas de rock e caveiras, desses que vocês, motoqueiros barbudos, gostam de usar. Mas tem que ser pink.
Ainda sugeriu alguns retoques e adereços mais femininos para minha moto e não esqueceu de exigir botas de cano alto, muito recomendadas para o motociclismo. Mas essas não devem ser pink.
– Calçado pink já é coisa de criança – esclareceu.
E, tendo colocado tudo na ponta do lápis, e considerando também a questão da segurança, concluí que por enquanto ainda é mais vantagem levar a traquinas de carro para a escola. Por enquanto.
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