O impacto da estiagem e das oscilações climáticas recentes começa a transparecer de forma efetiva sobre o desempenho do agronegócio gaúcho, com efeitos estendidos e imediatos sobre a economia como um todo. Na terça-feira, 3, em evento na Expodireto Cotrijal, em Não-Me-Toque, a Emater/RS-Ascar confirmou possível redução global de 13,8% na produção de grãos da safra de verão 2019/20 no Estado.
Com isso, a temporada deve fechar em 28,72 milhões de toneladas, 4,58 milhões de toneladas a menos em relação às 33,3 milhões de toneladas inicialmente previstas. A Emater/RS-Ascar salientou que, apesar da quebra por efeitos climáticos, ainda será a quinta maior colheita gaúcha de grãos da história, embora com forte recuo em relação à anterior (8,8%), e a menor protagonizada pelos produtores desde o ciclo de 2017.
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Com variações significativas entre as diversas regiões gaúchas, em virtude da maior ou menor ocorrência de chuvas em cada uma delas nas últimas semanas, a quebra na colheita afeta em maior ou menor escala todas as áreas. Além da baixa produtividade, em muitos casos algumas culturas também serão atingidas na qualidade dos alimentos e das matérias-primas.
No caso dos grãos, todas as culturas da estação foram de alguma forma afetadas, mas mais diretamente o milho, grão essencial para alimentar as cadeias de carne (bovina, suína e de aves) e de leite. Os dados coletados pela Emater na segunda quinzena de fevereiro levam em conta 99% da área a ser cultivada com arroz, 82,9% do feijão de primeira safra, 83,4% do feijão de segunda safra, 97,3% do milho grão, 96,1% do milho para silagem e 98,1% da área de soja.
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Recursos para amenizar a situação
Conforme o diretor técnico da Emater/RS-Ascar, Alencar Rugeri, a perda no milho é estimada em 21,1%, e a da soja, em 16,2%. Já no caso do arroz, menos afetado por conta do ciclo e da possibilidade de irrigação, apesar da pressão gradativa diante da diminuição na disponibilidade de água, a quebra é estimada em 1,5%. O feijão de primeira safra deve render 8,7% a menos, e o milho para silagem, 20,7%. “É uma situação atípica, com falta de chuvas maior em algumas regiões e em momentos diferentes”, frisou.
Em entrevista à Gazeta do Sul, o presidente da Emater/RS-Ascar, Geraldo Sandri, enfatizou na tarde desta quarta-feira, 4, que a situação é bastante grave, com efeitos diretos sobre a subsistência de milhares de famílias de pequenos agricultores. A entidade calcula que só no milho e na soja, duas das principais culturas agrícolas no Estado, devem deixar de circular na economia R$ 4,8 bilhões. Com as previsões de quebra na colheita, a safra de verão ainda é estimada num montante global de R$ 32,72 bilhões a serem colocados em circulação.
O secretário estadual da Agricultura, Covatti Filho, que acompanhou a apresentação dos números, observou que o governo do Estado monitora a situação. E já na próxima semana devem ser liberados R$ 4,5 milhões do Programa de Sementes Forrageiras do Rio Grande do Sul, além da possibilidade de o Ministério da Agricultura agregar mais R$ 2,5 milhões ao montante. “Pode-se aumentar o subsídio ou a porcentagem por produtor para ter mais oportunidade de adquirir a semente forrageira”, salientou. “Também deveremos rever todos os processos de licenciamento ambiental de irrigação, analisando todas as dificuldades e tentando amenizá-las para acelerar o processo de irrigação nas propriedades gaúchas.”
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Situação em Santa Cruz é ainda mais grave
Se os números divulgados referentes à agropecuária do Rio Grande do Sul são preocupantes, o escritório da Emater/RS-Ascar em Santa Cruz do Sul adverte que no município eles são ainda mais impactantes. O chefe do escritório municipal, engenheiro agrônomo Assilo Martins Corrêa Júnior, calcula que nos grãos a perda deve chegar a 50% nas propriedades santa-cruzenses.
A equipe tem monitorado a cada semana os efeitos da estiagem. Assilo é enfático: “Estamos falando de hoje (quarta-feira)”, advertiu. “Porque a cada dia isso se agrava. E como a previsão não indica chuva para os próximos dias, talvez por toda a primeira quinzena de março, o cenário só tende a piorar”, comentou.
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Na tarde dessa quarta-feira, 4, Assilo deslocou-se até Arroio do Couto, em Cerro Alegre Baixo, a fim de acompanhar a colheita antecipada de soja em parcela da propriedade da família Avelar. Os irmãos Carlos e Roberto, junto com o pai João Orlando Moraes de Avelar, cultivam a oleaginosa e decidiram iniciar a colheita precoce em 20 hectares, antes do tempo correto, porque as plantas amarelaram e amadureceram de forma irregular. Ao todo, a família planta 470 hectares de soja, e Carlos diz que eles nunca enfrentaram estiagem como a deste ano.
“Assim como ocorreu com eles, em outras propriedades os produtores estão tomando a decisão de colher antes para não perder tudo, uma vez que a chuva não vem”, frisou Assilo. Segundo ele, o milho é de forma disparada a cultura mais afetada, e os 4.500 hectares cultivados para grão no município, bem como os 2 mil hectares semeados para silagem, devem ter quebra de até 60%. “Isso terá efeitos imediatos sobre a subsistência dessas famílias, pois terão de adquirir o grão que elas próprias teriam produzido”, referiu. No caso da soja, Assilo prevê quebra de 40% na produção, na área de 3.400 hectares semeados em Santa Cruz. A previsão inicial era de colheita de 3,3 mil quilos por hectare, em média.
E até o arroz, cuja área plantada chega a 1.900 hectares no município, deve ser afetado, inclusive porque falta água para a irrigação. Em paralelo aos prejuízos em produtividade e volume, a qualidade dos grãos e da pastagem tem sido afetada.
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