Quando as aulas foram suspensas, naquela segunda quinzena do mês de março de 2020, nem se imaginava como seriam os próximos dois anos e qual seria o futuro da educação no mundo todo. Não se pensava em tantas tentativas de retorno, não se falava em escalonamento de turmas e pouco se sabia sobre como aplicar o ensino híbrido para crianças e adolescentes.
Naquela época, Maria Eduarda de Abreu, de 13 anos, estava no 6º ano da Escola de Ensino Fundamental (Emef) Menino Deus, de Santa Cruz do Sul. A menina é uma das alunas que retorna nesta segunda-feira, 21, às aulas presenciais da rede municipal de ensino, agora no 8º ano. Os impactos destes dois anos, porém, serão sentidos por algum tempo. “Ano que vem é meu último ano na escola, porque vai só até o Ensino Fundamental. Vai ser difícil entrar no Ensino Médio com o que a gente teve na pandemia, atrapalhou muito. Mas espero que dê tudo certo”, deseja a estudante.
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Durante o tempo em que participou das aulas a distância, Maria Eduarda precisou estudar, dividindo o tempo com a convivência familiar em casa, o que a fazia buscar o sossego do quarto para facilitar a concentração. Depois, quando o retorno foi gradativo e as escolas implantaram o sistema de revezamento, conforme a estudante, houve alguma confusão. “Tinha grupo A e grupo B e, às vezes, principalmente depois das férias de inverno, foi difícil, confundia qual turma era a nossa.” O grupo de WhatsApp com colegas e professores acabava sendo a melhor maneira de comunicação. “As professoras sempre estavam à disposição para tirar as dúvidas”, reconhece.
Um período para se reinventar
Na rede municipal de ensino de Santa Cruz do Sul, aproximadamente 11 mil estudantes retornam às aulas nesta segunda-feira, 21, englobando educação infantil, fundamental e a educação de jovens e adultos (EJA). Para o secretário de Educação de Santa Cruz, João Miguel Wenzel, após dois anos de pandemia, ficou evidente a necessidade da adaptação. “Os professores e as escolas tiveram que se reinventar de forma muito ágil. Fica meu reconhecimento e agradecimento a todos os servidores da educação. Mas agora inicia um novo ano e a expectativa é de começarmos e irmos até o final de forma presencial.”
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Wenzel salienta que os reflexos do período não se restringem apenas ao momento e as consequências também são a médio e longo prazo. “Um desafio constante é proporcionar aos nossos estudantes um ambiente aconchegante, bem estruturado, acolhedor, onde se sintam felizes e instigados a aprender.”
Segundo o secretário, a atual gestão fez investimentos, desde a questão tecnológica até a aquisição de uniformes. “Assumimos a Escola Guilherme Simonis, que recebemos com 26 estudantes e hoje já tem 50 matriculados. Inauguramos uma Emei, a creche central, investimos em energia fotovoltaica, adquirimos aparelhos de ar-condicionado. Este ano serão entregues materiais escolares na primeira quinzena de aula e notebooks aos professores.”
Os desafios foram enormes para a educação em geral mas, para as escolas públicas, tudo foi mais intenso. Um dos problemas, de acordo com Wenzel, foi a dificuldade de acesso à tecnologia por estudantes e pelas escolas. “Abandono e evasão escolar também se intensificaram, mas a rede municipal, desde fevereiro de 2021, aderiu à Busca Ativa Unicef, que já nos trouxe excelentes resultados. Outra questão olhada com muita atenção é a alfabetização, também a falta de presencialidade, do contato humano, da convivência entre as pessoas.”
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Pandemia evidenciou as desigualdades entre alunos
A desigualdade social ficou ainda mais saliente com a pandemia e a suspensão das aulas presenciais. Com recursos limitados, parte dos alunos de escolas públicas não tinha os equipamentos necessários para o ensino remoto, como celular e computador.
A diretora da Emef Menino Deus, Leila Adriane Lopes Berlt, diz que se abriu um abismo entre aqueles que têm o acesso rápido e fácil e aqueles que nem sequer possuem um dispositivo eletrônico e conexão com a internet em casa. “Também sentimos a precariedade da internet nas escolas públicas, bem como a falta de socialização no período de isolamento e os problemas emocionais e socioeconômicos”, pondera.
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Apesar disso, pontos positivos podem ser observados, como o papel dos professores, que passou a ser mais valorizado por parte das famílias. “Foi fortalecido o vínculo entre família e escola, principalmente com a criação dos grupos de WhatsApp.”
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Para Leila, algumas perdas são incalculáveis. “O tempo para recuperar dependerá de alguns fatores. Terá que ser feito um acolhimento diferenciado dos estudantes. A partir daí, teremos que fazer um diagnóstico para saber que ações poderão ser tomadas diante de várias situações que poderão surgir, problemas de atenção, concentração, ansiedade. Neste momento inicial, será preciso ter paciência e persistência para conseguir o sucesso escolar almejado.”
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Tão distante da realidade daquele março de 2020, este ano letivo inicia com uso de máscara, álcool gel, distanciamento e com vacinação contra a Covid-19 em andamento. “Temos que fazer com que os estudantes recuperem os prejuízos na aprendizagem, ou seja, a lacuna causada pela pandemia, bem como motivar eles a quererem estar na escola após um longo período distantes da sala de aula. Mas acredito que a vida é feita de desafios e que nós, enquanto escola, sempre estaremos dispostos a encarar e tentar superar da melhor forma possível, sempre pensando nos nossos estudantes, que são nosso foco.”
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Atenção às necessidades de cada estudante
Cerca de 29 mil alunos da rede estadual de ensino voltam às salas de aula nesta segunda-feira, 21, na região de abrangência da 6ª Coordenadoria Regional de Educação (6ª CRE). Neste retorno, para o coordenador da 6ª CRE, Luiz Ricardo Pinho de Moura, prevalece o acolhimento. “Cada um está trazendo consigo alguma dificuldade, seja qual for, de aprendizagem, de relacionamento, de aceitação. Cada um vem trazendo uma característica. Sabemos que não podemos trabalhar o conteúdo pelo conteúdo. Hoje, todas as aprendizagens estão ligadas às características socioemocionais, temos muito a aprender, muito a ouvir”, defende.
O ensino presencial deixado naquele março de 2020 já não pode mais ser visto da mesma forma. Para Moura, hoje o ensino híbrido está cada vez mais presente. “Buscou-se novos aprendizados, conceitos, paradigmas, atitudes, posturas, ferramentas. A escola começa a ser redesenhada. Até então tínhamos uma educação centrada na figura do professor e dos conteúdos e, hoje, começa a existir uma escola centrada no aluno e na aprendizagem.”
O coordenador destaca que, com as mudanças advindas do período, o aluno passa a ser o centro das atenções e a participar mais. Além disso, aceleraram-se as tecnologias, as escolas se tornaram mais criativas e inovadoras. “Tínhamos um grande número de professores mais analógicos do que digitais. Houve um avanço das tecnologias, do letramento digital, foi uma revolução.”
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A carência de equipamentos nas escolas e as limitações de recursos tecnológicos de alguns dos alunos das estaduais foram obstáculos nem sempre vencidos. Além disso, foi necessário lidar com questões emocionais. “Não podemos deixar de relatar que algumas famílias foram um pouco relapsas. Outro ponto é o momento de incerteza, solidão, luto. Tudo isso contribuiu negativamente. Sem falar na perda da aprendizagem, muitos alunos desaprenderam ou nem aprenderam”, lamenta.
Perdas essas que vão demorar para serem recolocadas. Moura acredita que serão anos até que a aprendizagem seja recuperada, em todas as esferas. “Precisamos caminhar com muito foco, garra e dedicação. É somente com o tempo que vamos minimizar todas essas perdas de aprendizagem, redesenhando um novo cenário.”
E o lado psicológico?
Após dois anos de um ensino completamente diferente, problemas como ansiedade, pânico e estresse ainda estarão presentes, na opinião da psicóloga e mestra em Psicologia pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), Fernanda Cássia Landim. “Ainda estamos vivendo a pandemia e todas as suas oscilações, que consequentemente provocam incerteza e preocupação. A atenção às recorrentes mudanças dos protocolos de segurança exige cautela quando algum movimento coletivo é estabelecido, como o retorno das aulas presenciais”, alerta.
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Fernanda avalia que o desenvolvimento da aprendizagem foi o ponto mais afetado, tanto de conteúdo didático quanto dos processos de socialização. Observa também que crianças e adolescentes têm ritmos diferentes na maneira de compreender os conteúdos. “Precisamos incluir aqueles que possuem desenvolvimento atípico, como transtorno de deficit de atenção e hiperatividade (TDAH), transtorno opositor e desafiador (TOD), transtorno do espectro autista (TEA), apresentando, na maioria dos casos, comorbidades variadas, de ordem física ou mental.”
No entanto, por mais difícil que seja ver o lado positivo deste cenário, o ensino remoto foi, para Fernanda, a oportunidade que todos tiveram de se permitir analisar e descobrir habilidades até então desconhecidas, oportunizando o processo de autoconhecimento, ressignificando sentimentos, pensamentos e propósito de vida. “É importante que professores, pais e alunos tenham uma comunicação fluida, buscando entender os prejuízos oriundos do período pandêmico. Nada será como antes, mas isso também não significa que as situações não serão solucionadas.”
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