Uma discussão polêmica e que se arrasta há mais de três décadas pode ter um desfecho muito em breve: o Brasil deve permitir o funcionamento de jogos de azar? Às vésperas da votação na Câmara dos Deputados, o assunto ainda está longe de um consenso. De um lado, o argumento de que a liberação pode gerar ganhos econômicos. De outro, o alerta quanto a um possível estímulo ao crime e ao vício.
O projeto que institui o marco regulatório dos jogos está em tramitação na Câmara desde 1991. Em dezembro, no entanto, os deputados aprovaram por ampla maioria um requerimento para que a matéria seja apreciada em regime de urgência. O presidente da Casa, Arthur Lira (PP), e o líder de governo, Ricardo Barros (PP), ambos favoráveis à legalização, atuam para viabilizar a votação já na semana que vem, apesar da forte pressão contrária de alguns setores, como o evangélico.
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O texto que chegará ao plenário prevê a legalização de todas as modalidades de jogos, incluindo cassinos, bingos e jogo do bicho. Tanto a fiscalização quanto a concessão de autorizações para operação, por meio de licença ou leilão, ficariam a cargo do governo federal. A proposta inclui ainda as apostas esportivas online, que já são legalizadas desde 2018 mas ainda não foram regulamentadas, embora estime-se que os sites que operam esse serviço, todos hospedados no exterior, movimentem R$ 4 bilhões por ano no País. O presidente Jair Bolsonaro (PL) disse no mês passado que os jogos de azar “não são bem-vindos” no Brasil e que, caso o projeto passe, irá vetá-lo.
Embora as restrições aos jogos remontem à década de 1950, na prática esse tipo de atividade jamais deixou de existir. Os defensores da regulamentação alegam tratar-se de uma prática incorporada à cultura do País e que isso permitiria a abertura de empregos formais, investimentos privados e aumento de arrecadação. Já os críticos apontam que esses serviços podem favorecer esquemas criminosos e estimular a ludopatia (compulsão por jogos).
É crime?
A exploração de jogos de azar é prevista no artigo 50 da Lei das Contravenções Penais, que estabelece pena de prisão simples de três meses a um ano e multa, além da perda dos móveis e objetos de decoração do local. A pena pode ser aumentada caso, entre os empregados ou participantes, existam pessoas com menos de 18 anos. Quem participa do jogo como ponteiro ou apostador também está sujeito a multa.
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Duas visões
“O Estado vai fingir que isso não existe?”
Segundo o deputado federal Felipe Carreras (PSB-PE), relator do projeto na Câmara, ao autorizar os jogos de azar, o País estará acompanhando uma tendência mundial. Entre os países que integram o G20, apenas Brasil e Indonésia mantêm a restrição. “Estudamos o que existe em termos de projetos exitosos no mundo e tentamos extrair as melhores práticas para termos uma lei moderna”, disse.
Conforme ele, apesar da proibição, os jogos já mobilizam um grande contingente de pessoas e isso disparou com os serviços de apostas online. “São cerca de 3 mil sites de apostas que funcionam 24 horas por dia. Essas empresas estão entre os maiores patrocinadores do futebol brasileiro e não pagam um centavo de imposto no Brasil. E o Estado brasileiro vai fingir que isso não existe?”, questionou.
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Carreras alega que, com a liberação, o País poderia entrar na rota de investimentos de grande porte do setor de turismo, a exemplo de lugares como Macau e Singapura, que abrigam cassinos integrados a resorts. Para o parlamentar, o processo também permitiria que se identificassem as pessoas que sofrem de vício bem como eventuais situações de lavagem de dinheiro. “Já temos pessoas doentes por jogo, mas hoje não há como identificar. Se estiver legalizado, será possível identificar e tratar. E temos recursos para identificar quem estiver cometendo crime.”
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“O custo social seria violentíssimo”
Promotor de Justiça Criminal em Santa Cruz, Jefferson Dall’Agnol diz não enxergar “vantagem alguma” para a sociedade com a liberação dos jogos. Um dos principais problemas, na sua visão, é que atividades como bingos e caça-níqueis historicamente foram utilizadas como instrumento de lavagem de dinheiro por grupos criminosos, o que se agrava diante da carência de fiscalização por parte do poder público. “A lavagem de dinheiro pode alimentar atos de corrupção, facções criminosas, o tráfico de drogas, até a prostituição. Essas casas de jogos podem se transformar em uma estrutura fértil para isso”, alertou.
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Dall’Agnol também relativiza o argumento de que a legalização reverteria em ganhos para os cofres públicos. Primeiro, porque a tendência, no seu entender, é de que apenas grandes empresas atuem de forma legalizada, enquanto pequenos empreendedores se mantenham na clandestinidade. Depois, porque pode haver uma pressão sobre os serviços públicos com o estímulo à ludopatia. “Pode haver um aumento na arrecadação, mas teremos pessoas que vão precisar ser atendidas no sistema de saúde e precisarão de auxílios do governo porque perderam tudo. Então, é um custo social violentíssimo, o prejuízo é muito maior do que o ganho.”
O fato de isso não ocorrer em países onde o jogo é legalizado se deve, conforme Dall’Agnol, às características de cada lugar. Segundo ele, diferentemente de outras nações, o Brasil ainda não possui uma legislação e estrutura capazes de combater os esquemas criminosos que se apropriam dessas atividades. “No Uruguai, por exemplo, os índices de criminalidade e a atuação das organizações criminosas são muito menores e a legislação é muito mais severa”, acrescentou.
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