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Letras líquidas

“O elogio da literatura” é a nova obra de Bauman

Falecido em janeiro de 2017, aos 91 anos, tem praticamente todos os seus livros autorais disponíveis nas livrarias nacionais

Citado de forma recorrente no universo acadêmico brasileiro, e um dos intelectuais cuja obra foi largamente publicada no mercado editorial no País, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman volta a ser referência entre os lançamentos. Falecido em janeiro de 2017, aos 91 anos, tem praticamente todos os seus livros autorais disponíveis nas livrarias nacionais, e, mais recentemente, diversos volumes póstumos compartilham em forma de relato algumas de suas frequentes conversas com jornalistas e especialistas. É o caso, agora, de O elogio da literatura, que a Zahar acaba de lançar.

Compreende uma série de 12 diálogos que Bauman teve com o editor e ensaísta italiano Riccardo Mazzeo, cujo tema centralizador é o papel da leitura ou da literatura no ambiente da civilização em diferentes épocas. O livro foi publicado originalmente em 2016, na Inglaterra, e é uma tentativa de promover aproximação entre a literatura (e as artes em geral) e a sociologia, área na qual Bauman firmou seu nome na cena cultural e intelectual.

Prolífico, o autor publicou dezenas de títulos ao longo de seis décadas, desde 1957. Mas foi a partir da introdução ou da adoção do conceito de uma sociedade líquida, ou de uma comunidade líquida, na obra Modernidade líquida, em 2000, que se tornou referência constante, e quase incontornável. Esse termo passou a ter largo uso, nem sempre coerente, nas duas últimas décadas, e foi reforçado pelo próprio Bauman em uma série de títulos, como: Amor líquido, em 2003; Vida líquida, em 2005; Medo líquido, em 2006; e Tempos líquidos, no mesmo ano, dentre outros.

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Porém, em volumes como Modernidade e holocausto, de 1989, talvez a sua mais vigorosa reflexão sobre os rumos da sociedade ao longo da segunda metade do século 20, carregando as marcas da Segunda Guerra Mundial, projetou a imagem de um pensador sagaz e contundente. Nunca se furtou a abordar temas complexos ou traumáticos, dos quais foi testemunha. Por exemplo, conheceu sua esposa, Janina Lewinzon-Bauman, em um campo de refugiados poloneses durante a Segunda Grande Guerra.

O novo livro, O elogio da literatura, não chega a enveredar pelos caminhos dos temas de fundo histórico, que já foram explorados à exaustão em livros anteriores. É, antes, um legado pessoal. O grande mérito da compilação dessas conversas com Mazzeo está no fato de que elas iluminam a relação de Bauman com suas leituras de mestres da ficção, como Kafka, Saramago, Canetti, Italo Calvino, e filósofos, como Descartes, Kant, Adorno, dentre outros. Saber qual foi a relação de um grande mestre com seus próprios mestres é sempre muito salutar para qualquer leitor, tenha ele pretensões de maior profundidade intelectual ou queira, basicamente, aprimorar seu olhar sobre a vida ou o mundo.

O elogio da literatura, de Zygmunt Bauman e Riccardo Mazzeo. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2020. 152 p. R$ 56,90.

Trecho
“Para cuidar da complexidade e da infinita variedade da experiência humana tal como é intimamente percebida e vivida, os indivíduos não podem ser reduzidos a homúnculos, identificados e descritos como modelos e estatísticas, como dados e fatos objetivos. A natureza da literatura é em si ambivalente, metafórica e metonímica. Ela é capaz de expressar solidez e fluidez, assim como homogeneidade e pluralidade, a natureza suave e mesmo ‘pungente, áspera e friável’ de nossa existência. Não só nós carecemos das palavras para dizer quem somos e o que queremos, mas também somos alimentados a colheradas, fartados e saturados de palavras que são tão vazias e sem vida quanto cintilantemente atraentes e sedutoras – as palavras ubíquas que são repetidas pelas sereias da celebridade, usadas por novos dispositivos hi-tech extraordinários e os últimos produtos irresistíveis imprescindíveis, os quais nos autorizam a tomar nosso lugar na sociedade, conforme esperado.”

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